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Eu vi quando eles botaram lá perto do mercado São José, eles fizeram a

4.2.2 Aspectos no uso (ou na participação como usuário) do projeto

4.2.2.7 Relação entre usuários

Durante seus acessos ao projeto Bike PE, com as vantagens e desvantagens analisadas nos tópicos acima, os usuários podem interagir ou não com demais consumidores desta prática. A relação com os demais indivíduos que fazem parte do compartilhamento em questão é o elemento abordado nesta seção, visando compreender o quão social esta atividade é.

Assim como identificado nas observações, os informantes que utilizam o Bike PE a lazer demonstraram em seus discursos que existe uma interação com outros usuários durante o uso, seja por meio de conversas rápidas e cumprimentos ao longo do trajeto e estações ou até mesmo por realizarem seus passeios na maioria das vezes acompanhados (alguns deles anseiam por companhia).

Tipo, as pessoas são bem sociáveis. Eu não sei se é porque estão em um praça de lazer ou porque estão compartilhando algo, já tem ali uma coisa

em comum, que é o compartilhamento da bicicleta. Eu sei que é assim,

por exemplo, quando eu tô com algum problema, num instante para uma

pessoa pra dizer “ah, como é que está sua bicicleta?”. Eu estava sozinha e

uma pessoa veio falar comigo quando eu estava usando pela primeira vez, “ah, é a sua primeira vez? Deixa eu te ensinar.” Pronto, foi o senhorzinho (Informante 1).

Sempre vou com amigos. Nunca fui sozinha (Informante 2).

(Tu sempre anda em grupo, nunca vai sozinha?). Sozinha não (Informante 5).

Sim, eu tenho, eu vou formando adeptos. Então, uma amiga minha tá começando agora de bicicleta, só que não pelo Bike PE, já chamei outras pessoas, de eles não conhecerem, de dizer assim “ah, cadastrei teu Vem, bota aqui no app e a gente sai”. Então quando a pessoa não tem bicicleta, como eu não tenho bicicleta, eu indico o sistema, mas eu falo de todas as possibilidades de dá merda mesmo. Mas eu sempre influencio as pessoas. Às vezes a pessoa tem a bicicleta em casa e não anda de bicicleta, tipo, então o que é que está faltando na tua experiência de andar de bicicleta sabe? Às vezes eu digo “Tá faltando um passeio emocionante. Então vamos pro

Recife antigo, vamos fazer uma rota diferente do que tu geralmente faz”. Andar de bicicleta, a experiência de andar de bicicleta e você sair pra viver a cidade, ela é muito diferente de você pegar uma bicicleta pra ir no

mercadinho comprar pão e voltar. Ela deixa de ser um meio de locomoção e ela passa a fazer parte de uma experiência. Bicicleta pra mim não é um

meio de locomoção, é experiência (Informante 7).

(Mas você tem uma interação com as pessoas que fazem parte desse projeto?) Sim, eu conheci por causa de uma amiga na verdade. Inclusive a gente já marcou pra andar, pra utilizar num domingo assim. Eu até convidei a minha mãe assim pra utilizar num dia de domingo, pra andar eu e ela, eu utilizaria a minha e ela a do Bike. Eu sempre estou chamando as pessoas, eu convidei minha amiga num foi [olha pra amiga que confirma com a cabeça] (Informante 9).

Sim, a gente sempre está em grupo, trio, quarteto [...].É porque final de semana na região que a gente mora é perigoso, é muito esquisito (Informante 13).

A maioria eu vou só, porque tem as meninas que eu chamo, mas umas são casadas, aí dizem “eu vou, eu vou”. Pronto, semana passada, estava tudo

certo pra ir aquele grupo. Aí quando deu tal hora, eu ligando pra cada um

“ah, não vou”, “ah, eu vou sair com fulana”, “ah, apareceu isso”. Aí eu disse “então, tá”, beleza. Pego e venho embora, sozinha. Tem amigas minhas do trabalho que falam “menina, tu é corajosa viu”, não, mas eu tô vendo pro lado esportivo, pra cuidar da minha própria saúde. Eu vou ficar esperando o povo? Eu faço o convite, se quiser me siga; se não, então eu vou só [risos] (Informante 19).

A informante 1 revela que há um sentimento de familiarização com os outros usuários, uma vez que ambos participam da mesma prática colaborativa. Há uma interação, portanto, que visa auxiliar o outro no uso do projeto. Há ainda aqueles usuários que só utilizam o Bike PE quando estão acompanhados (informantes 2, 5 e 13). Nestes casos, o pedalar é fundamentalmente social, coletivo, de interação. A insegurança em tal prática influencia tal característica (entrevistado 13). É reforçada nesta compreensão a existência da colaboração entre os pares descrita como prática do consumo colaborativo (JORGE; BRASIL; FERREIRA, 2013; VAQUERO; CALLE, 2013).

Ademais, os informantes 7, 9 e 19 buscam fazer do andar de bicicleta uma atividade coletiva, se dispondo a chamar seus amigos e familiares para realizar o acesso e utilizarem o projeto em conjunto. A atividade só é individual quando convidados desistem de vivenciarem esta experiência. Destaca-se a vontade do informante 7 de fazer com que outros usuários vivenciem a prática do pedalar com prazer e emoção, a fim de reconhecerem que a bicicleta não é um meio de locomoção, mas uma ferramenta que possibilita a experiência de integralização com pessoas e lugares, criando homogeneização entre os grupos. Tal afirmativa reforça a ideia de Botsman e Rogers (2011) de que as pessoas têm valorizado experiências e que o Consumo Colaborativo possibilita a conexão e interação dos consumidores envolvidos nela.

As falas destes informantes também demonstram que por meio do projeto é possível se relacionar com os outros, atendendo os desejos de relacionamento fundamentais nos selves destes indivíduos (ANDERSEN; CHEN, 2002). A lazer, a bicicleta do Bike PE representa, portanto, uma ferramenta de socialização com os demais usuários. É importante pontuar que a

relação tripartite apontada como características do Eu estendido (BELK, 1988; TIAN; BELK, 2005; AHUIA, 2005), também se faz presente no acesso da bicicleta, ao compreender a interação usuário-objeto-usuário.

No caso daqueles que têm como finalidade principal a locomoção, o uso em si da bicicleta é uma atividade mais solitária.

(Tu nos teus trajetos conversa com algum usuário?) Não, não, não, é muito

raro. Às vezes é um cumprimento assim, mas não é nem por ser do projeto, é por ser ciclista. Porque como a gente é ciclista, às vezes a gente

leva fechada, entendeu. Existe muito desrespeito e não é nem dos carros, mas de motos que invadem o espaço da gente. Esse tipo de coisa (Informante 8).

Sozinho, geralmente sozinho, na maioria das vezes (Informante 11).

(Tu geralmente utiliza o Bike PE sozinho?) Não. Assim, frequentemente, ponto principal sim, é individual, mas acontece muito dos estagiários, eles

andarem comigo sim. Mas a frequência é muito pouco (Informante 15).

(Tu geralmente anda sozinha com o Bike ou acompanhada de outras pessoas?)Não, sozinha (Informante 17).

Eu ia citar um caso assim isolado, mas geralmente uso sozinho. É uma

situação que eu uso ele pra ir pra um local, rapidamente e voltar. É

pontual no meu dia? É, mas se repete bastante, mas é pontual. “Eita, vou correr pra almoçar”, se eu viesse a pé eu demoraria 20 minutos, de bicicleta eu tiro cinco minutos. Então eu vou sozinho, embora o uso dela também

propicia o uso coletivo. Minha família quer andar de forma coletiva assim,

a gente fez o cadastro todo mundo, mas é complicado de achar tanto achar quatro lá quanto voltar e achar as quatro num mesmo canto (Informante 18).

O que é entendido de maneira geral é que pode haver uma interação durante o uso do projeto por tais usuários, mas, este contato é pontual. Compreende-se, de fato, que estar acompanhado não é condição necessária para que estes indivíduos acessem e utilizem as bicicletas. O informante 8, por exemplo, tem contatos, mesmo que raros, com ciclistas e não apenas usuários do Bike PE, por existir um sentimento de pertencimento ao grupo devido as mesmas situações vivenciadas nas ruas de Recife. Os entrevistados 11, 15 e 17 também revelam que geralmente estão sozinhos durante o trajeto feito com a bicicleta do projeto. Tal realidade pode estar atrelada a afirmativa do informante 18 de que tal transporte é utilizado rapidamente como meio para chegar aos destinos. Reforça-se nesta compreensão que para

locomoção, assim como identificado por meio da observação, a bicicleta é um meio e não um fim em si mesma.

Para o informante 3, que utiliza o projeto a lazer e para locomoção, a atividade a ser realizada define a necessidade de estar acompanhado ou sozinho.

Quando eu morava lá no centro eu sempre saia com minhas amigas nos

finais de semana, algumas tinham o passe, outras pediam emprestado aos amigos, mas [pra UFPE] eu venho só (Informante 3).

Desta maneira, é compreendido que a finalidade do uso da bicicleta influencia na necessidade ou não de realizar tal atividade acompanhado. Para lazer, por exemplo, existe uma maior preocupação em vivenciar a experiência em conjunto, fazendo-a um divertimento coletivo e mais seguro. Para locomoção, o estar acompanhado não é condição necessária; trata-se, portanto, de uma atividade mais solitária. É importante pontuar que solitária não significa individualidade. Como já demonstrado, inclusive, o uso do Bike PE para locomoção está associado ao coletivo.

A ideia do compartilhamento já foi citada como uma vantagem e uma forma de incentivar pessoas a aderirem ao projeto. Tal temática é abordada no tópico seguinte, envolvendo também a ideia de posse da bicicleta.

4.2.2.8 A posse da bicicleta e a ideia do compartilhamento no acesso ao