CAPÍTULO 2 – Violência nas escolas paulistas e a formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania
2.4. Gestão Serra e (os bastidores da) formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania
2.4.1 Principais atores
O Quadro 1 apresenta os principais nomes que, durante a pesquisa, foram referidos como diretamente vinculados à elaboração do Sistema de Proteção Escolar, bem como seus respectivos órgãos e cargos de atuação.72
Órgão Cargo Período
Maria Helena Guimarães de Castro SEE
Secretária de Estado 2007-2009
Paulo Renato Souza Secretário de Estado 2009-2010
Guilherme Bueno Secretário-Adjunto 2009-2010
Fábio Bonini
FDE/ SPEC
Presidente 2007-2010
Marco Aurélio Martorelli Assessor Especial/ Supervisor
de Proteção Escolar e Cidadania 2008-2009 Beatriz Graeff Assessora Especial/ Supervisora de Proteção Escolar e Cidadania 2009-2014 Felipe Angeli Assessor Especial/ Supervisor de Proteção Escolar e Cidadania 2009-2014
Luiz Antônio Marrey SJC Secretário de Estado 2007-2010
Ronaldo Marzagão SSP Secretário de Estado 2007-2009
Quadro 1 – Principais atores envolvidos na criação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania, órgão de atuação, cargo e período
Fonte: Elaboração própria.
72 Uma cronologia mais detalhada dos principais gestores públicos dos órgãos envolvidos na formulação da política é apresentada no Anexo 1.
A respeito da formação acadêmica desses atores, é interessante notar que seis deles tiveram formação na área do Direito, a maioria pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Destaca-se também que pertencem a gerações diferentes: alguns deles se formaram no início dos anos 2000, outros concluíram a graduação entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990, e outros anteriormente aos anos 1980, sendo estes os secretários das pastas envolvidas na formulação da política.
Formação (graduação) Instituição de ensino Ano de conclusão
Maria Helena Guimarães de Castro Ciências Sociais Unicamp 1980
Paulo Renato Souza Economia UFRGS 1967
Guilherme Bueno Adm. Pública / Direito FGV/ USP 1989/1998
Fábio Bonini Direito USP 1994
Marco Aurélio Martorelli Direito USP 1995
Beatriz Graeff Ciências Sociais UnB 2002
Felippe Angeli Direito USP 2003
Luiz Antônio Marrey Direito USP 1978
Ronaldo Marzagão Direito FMU -
Quadro 2 – Formação acadêmica, instituição de ensino e ano de conclusão da graduação dos principais atores envolvidos na formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania
Fonte: Elaboração própria. (-) Informação não encontrada.
Quanto a suas experiências profissionais, é relevante o fato de que cinco dos sete gestores que compunham as equipes da SEE e da FDE à época – e que mais se envolveram com a formulação da política – apresentavam uma trajetória com passagem pela área de segurança pública, notadamente pela SSP, como indicado no Quadro 3.
Atividade na segurança pública Secretário de segurança Período
Guilherme Bueno Secretário Adjunto (SSP) Marzagão 2008-2009
Fábio Bonini Investigador (Polícia Civil) - 1990-1995
Assessor Técnico (SSP/SP) Petreluzzi 1998-2002 Marco Aurélio Martorelli Criação da Ouvidoria de Polícia José Afonso 1995 Beatriz Graeff Assessora Técnica (SSP/SP) Marzagão ? -2009 Felippe Angeli Assessor Técnico (SSP/SP) Marzagão 2007-2008 Quadro 3 – Atores envolvidos na criação do Sistem de Proteção Escolar e Cidadania com atuação prévia na área de Segurança Pública, por atividade e período
Fonte: Elaboração própria.
Para além do exposto no quadro destaca-se que, pouco antes de assumir a função de secretário adjunto da SSP, Guilherme Bueno havia atuado como chefe de gabinete de Luiz Antônio Marrey na Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania. Já Fábio Bonini, como assessor técnico da Secretaria de Segurança Pública durante o governo Covas, ocupou a função de Coordenador Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg),73 além
de ter participado de iniciativas como a implantação da Delegacia Eletrônica,74 a migração do
sistema de polícia para um canal digital e a implantação do e-mail como forma de comunicação institucional, além do início da aplicação da doutrina de policiamento comunitário (relato oral).
O envolvimento de Marco Aurélio Martorelli com a segurança pública deu-se principalmente no período de criação da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, mas este também já havia atuado em outras experiências relacionadas ao tema da violência, como membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e também como assessor na Assessoria de Defesa da Cidadania da Secretaria de Justiça e Cidadania,75 na qual participou
da criação do Centro de Referência e Apoio à Vítima – Cravi (relato oral).76 Como assessores
técnicos da SSP, Beatriz Graeff e Felippe Angeli atuavam no desenvolvimento de políticas de
73 Os Consegs foram criados no estado de São Paulo pelo Decreto nº 23.455, de 1985, instituindo um espaço de participação entre a comunidade e as polícias civil e militar para discussão de temas de segurança pública. Em 1986, por meio do Decreto nº 25.366, foi criada a figura de Coordenador Estadual dos Consegs.
74 Criada pela Portaria DGP nº 1, de 4 de fevereiro de 2000, no âmbito da Polícia Civil, a Delegacia Eletrônica permite o registro de alguns tipos de boletins de ocorrência pela Internet.
75 No mesmo período em que Guilherme Bueno era chefe de gabinete da pasta.
76 Criado em julho de 1998 como um programa da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, o Cravi oferece atendimento gratuito a vítimas e a familiares de vítimas de crimes violentos. O programa atua tanto no apoio psíquico quanto na orientação jurídica e sobre outros serviços públicos.
prevenção ao crime, a primeira ligada a projetos como a Virada Social77 (relato oral) e o
segundo com o mapeamento e avaliação de boas práticas policiais, como técnicas de mediação de conflitos, programas de polícia comunitária, entre outros.
É possível assim perceber que boa parte da experiência desses atores na segurança pública liga-se a políticas de prevenção, de participação comunitária ou de modernização das instituições da área e em períodos em que a política de segurança pública do governo estadual apresentava – em alguma medida – maior abertura a práticas democráticas e de respeito aos direitos humanos, quando comparada a outros momentos.78
Esses atores foram envolvidos na criação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania por vias diversas. Os secretários de estado da educação (Maria Helena Guimarães de Castro e, posteriormente, Paulo Renato Souza), da segurança pública (Ronaldo Marzagão) e da justiça e defesa da cidadania (Luiz Antônio Marrey) foram diretamente indicados pelo governador José Serra. Fábio Bonini havia sido indicado ao cargo de presidente da FDE pelo núcleo do PSDB de José Serra, do qual participava Luiz Antônio Marrey, e foi também envolvido na criação da política diretamente pelo governador. À época, Marco Aurélio Martorelli trabalhava como assessor de Bonini na FDE e foi convidado por este a participar das discussões, vindo a ser o primeiro Supervisor de Proteção Escolar e Cidadania.
Guilherme Bueno, apesar de sua posição de secretário-adjunto na segurança pública no período das primeiras discussões sobre a política, começou a participar do processo apenas posteriormente, como adjunto de Paulo Renato Souza na Educação, tendo sido designado por este a se envolver mais diretamente em nome da pasta. Como assessora técnica do secretário Ronaldo Marzagão, Beatriz Graeff foi a pessoa da Secretaria de Segurança Pública envolvida
77 A Virada Social foi um programa desenvolvido pelo governo do estado por meio da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, em parceria com outras secretarias estaduais e municipais, além da sociedade civil. O programa baseava-se na ideia da inclusão social como instrumento de segurança pública e foi realizado em regiões periféricas de São Paulo. Iniciava-se com uma Operação Saturação da Polícia Militar (envio de tropas especiais por um período de tempo, para restabelecimento da ordem e da segurança), à qual se seguiam diversas ações de saúde, educação, cultura, entre outras (PROGRAMA..., 2009).
78 Como aponta Bueno (2014), a gestão de Petrelluzzi à frente da Secretaria de Segurança Pública, no segundo mandato de Mário Covas, foi responsável por importantes avanços na área, como a integração das áreas de atuação territorial das polícias, a criação de um sistema de estatísticas criminais (Infocrim), a criação do Disque-Denúncia e da Delegacia Eletrônica, a instituição da Comissão de Letalidade, entre outras. Ronaldo Marzagão, por sua vez, era conhecido por um perfil conciliador e sua indicação ao cargo de Secretário de Segurança Pública em 2007 gerou expectativas positivas entre as entidades de Direitos Humanos e membros do Ministério Público paulista. Embora tenha sido marcada por momentos como a greve da Polícia Civil em 2007 e denúncias de corrupção de seu adjunto, Lauro Malheiros, sua gestão compreendeu uma postura ponderada e contrária a discursos como “guerra contra o crime”, que orientaram a ação de seu antecessor, Saulo de Castro.
no primeiro grupo de trabalho, tendo posteriormente sido convidada por Guilherme Bueno – já como adjunto da educação – a trabalhar na SPEC, no início de 2009. No mesmo período, Felippe Angeli – que também havia trabalhado com Beatriz Graeff e Guilherme Bueno na SSP – retornou de um ano de estudos na Bélgica e foi igualmente chamado para auxiliar no trabalho da supervisão.
Dessa forma, o envolvimento dos atores-chave na formulação do Sistema de Proteção Escolar e Cidadania de modo geral foi marcado por a) uma formação acadêmica bastante similar; b) uma trajetória comum na segurança pública, embora – em sua maioria – ligada a perspectivas menos repressivas sobre o tema; c) por uma significativa rede de articulações e conexões.