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unidades polilexicais

1.4 Amálgamas e fraseologias em análise

1.4.1 As amálgamas: elementos de descrição e análise

1.4.2.5 Criatividade e transformação das fraseologias

Vejamos algumas referências de criatividade e transformação na literatura sobre a fraseologia. Palma (2007: 155 e ss.) reflete sobre “provérbios e falsos provérbios” através da ideia de “desvio”137

sobre as formas fixas pré-existentes. Questiona as manipulações linguísticas e o papel das manipulações nas intencionalidades do texto.

Zuluaga (2001) propõe os termos “variação” (alteração formal da expressão fixa) e “deslexicalização” ou “desautomatização”. O autor fala de uma série de elementos semânticos, psicológicos e pragmáticos que intervêm no processo de reconhecimento do leitor ou interlocutor face à variação:

 a evocação do sentido da expressão fixa;

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 o sentido da variação;

 a reflexão metalinguística sobre as formas e sobre o significado;

 a focalização da atenção sobre a densidade da mensagem;

 o prazer estético que decorre da criatividade;

 a aceitação da mensagem.

As fraseologias resultam, segundo alguns autores, em formas de discurso, prioritariamente, um discurso indireto, gerando assim discursos polifónicos (são várias as vozes que emergem do texto). Gresillon e Maingueneau (1984: 114) analisam os provérbios como uma forma de discurso indireto, sendo genérico e partilhado pelos locutores. O “détournement”, segundo os autores “consiste à produire un énoncé possédant les marques linguistiques de l’énonciation proverbiale mais qui n’appartient pas au stock des proverbes reconnus.”

Para os autores o “détournement” pode ser “lúdico” e “militante” ou “ideológico” e partem de duas estratégias iniciais: a “captação” e a “subversão”. De entre os “desvios militantes” que sugerem destacamos:

 desvio lexical (“à chaque jour suffit sa laine”)

 substituição fonológica (“à chaque jour suffit sa veine”)

 fusão de dois provérbios (“à chaque jour malheur est bon”)

 subversão (das condições genéricas – “o silêncio é de prata”, quando o valor genérico do provérbio é de ser de ouro e a palavra de prata)

Falaremos, por fim, das propostas de Grunig (1990: 115 e ss). A autora analisa slogans publicitários e mostra a importância das expressões fixas138 (ou “ formules figées”, como as denomina a autora) para a construção de muitos slogans.

A autora (1990: 119) analisa o jogo criativo sobre as expressões fixas e destaca as ações de transformação da fraseologia original, tentando responder à seguinte pergunta - “Quel traitement ces formules figées ont-elles exactement subi?”

De entre as propostas de transformação ou de manipulações (de “détournements”) das fraseologias destacamos:

1. intrusão por substituição: 138

Grunig (1990: 116) define as expressões fixas da seguinte forma: “La «lettre» de la formule doit être respectée dans son intégralité, intégralité des éléments et aussi de leur ordonnance. (…), son caractère immuable est la condition même de son existence. (…) mot composé (…), expression idiomatique, ou un proverbe, ou autre chose encore, comme nous le verons. Mais dans tous les cas, le principe fondamental est un figement.”

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- substituição (“en avril ne te découvre pas d’un DIM”) (Grunig, 1990: 119);

- multisubstituição (várias substituições a partir de uma mesma expressão - “Dans votre BHV, l’express sifflera six fois”) (Grunig, 1990: 129); - “constância estrutural” (a autora mostra a sua importância para a manutenção do ritmo) (dentro da própria substituição) (Grunig, 1990: 129);

- imbricação (que a autora compara com o “mot-valise” – “Dolce vita” pour “Dolce Gervita” (Grunig, 1990: 129);

- permutação (Swann un amour de parfum (Grunig, 1990: 131).

2. desfixação/deslexicalização – do sentido figurado ao sentido pleno. Coexistência da interpretação conotativa e denotativa (“elles ont fini de vous faire marcher” a propósito de “Lois” (Grunig, 1990: 132) – (“LU et aprouve”) (Grunig, 1990: 132).

Ao longo deste desenvolvimento quisemos mostrar que o trabalho “transgressor” sobre as fraseologias está inscrito na língua, como o esteve no passado, e como continuará a estar presente no futuro139. É possível moldar a língua, como se de uma matéria flexível se tratasse.

Como é evidente, nada, nesta área, é passível de ser analisado de forma objetiva e clara. As fraseologias integram o melhor sistema de símbolos para representar um povo, a sua cultura, mas embora possam resultar de processos homogéneos, são descritas de forma heterogénea, daí a inoperância de um quadro conceptual, suscetível de abranger as fraseologias enquanto todo.

A exposição dos traços distintivos das fraseologias pretendem constituir um resumo das ideias que estão subjacentes à literatura existente sobre esta área e que poderão servir de elementos de análise para a construção de um novo quadro conceptual. Não será decerto objeto desta tese mas anotamos, desde já, a sua pertinência, inscrevendo-a nas preocupações futuras que emanarão do trabalho de investigação em curso.

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É possível olhar para a fraseologia numa perspetiva diacrónica e verificar que as fraseologias mudam ou modificam-se com o evoluir de uma língua, transportando traços que denotam o tempo e o espaço de produção. Cf., por exemplo, o uso de arcaísmos ou certos traços sintáticos ou semânticos.

121 Os traços distintivos que se enumeram correspondem a itens que, por vezes, se sobrepõem:

 o carácter unívoco do sentido;

 a singularidade da expressão;

 o congelamento sintático (perspetiva diacrónica);

 um sentido novo que não se encontra na adição dos vários sentidos dos constituintes;

 a imagética (valores metafóricos das expressões);

 a coesão dos constituintes (relativa e absoluta);

 a marginalidade de certas expressões;

 a importância do fator uso na lexicalização;

 as particularidades expressivas da língua;

 as regras de construção e de transformação das frases simples livres que se aplicam às fraseologias;

 as propriedades formais das estruturas idiomáticas;

 a existência da não composicionalidade;

 a referência à intraduzibilidade;

 a dificuldade de aquisição das expressões (LE/LS) e o fator memória;

 a fraseologia não corresponde a elementos lexicais simples, mas implica uma gramática (integra vários elementos morfemáticos);

 a heterogeneidade;

 o papel da gramática sintagmática e da semântica combinatória;

uma unidade funcional mais longa do que a palavra gráfica, i.e., a polilexicalidade.

O levantamento dos traços acima expostos não permite ainda restringir a especificidade das EIs, mas a maioria prende-se com a fraseologia em geral. Veja-se que o levantamento das definições propostas é também ele abrangente e cobre uma grande parte da fraseologia - a partir da noção de lexicalização ("figement").

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(In) conclusões

As definições de fraseologia, lexicalização e fixação apresentadas no Dictionnaire de Didactique des Langues140 satisfazem as perspetivas que adotamos ao longo do nosso trabalho. Tal como os autores, tomaremos os termos “lexicalização” e “fixação” como sinónimos.

O processo de fixação ou lexicalização é definido como um “processus linguistique qui transforme un groupement libre en groupement stable, c’est-à-dire qui soude ensemble une suite de morphèmes, pour en faire une seule et même unité lexicale”. Interessa-nos particularmente o processo de lexicalização das construções fraseológicas - ‘mettre le pied à l’étrier’ , ‘prendre le taureau par les cornes’.

Os autores referem ainda que este processo é lento e que é o resultado do uso. Assim, a lexicalização transforma unidades lexicais complexas em unidades monossémicas. Mas a lexicalização não é uma característica que individualiza as expressões idiomáticas, na medida em que outras construções da língua passam por esse processo – por exemplo as palavras compostas (lua de mel), advérbios complexos, certas interjeições complexas, bem como outros construções fraseológicas – sentenças, máximas, provérbios, locuções adjetivas, adverbiais ou nominais.

A lexicalização de unidades lexicais complexas facilita a expressão do falante ao mesmo tempo que limita a sua liberdade, dispensando-o de um certo esforço de concatenação gramatical pondo à sua disposição um segmento memorizável (uma espécie de clichê).

No discurso de Mia Couto, como veremos posteriormente, as unidades fraseológicas fazem parte integrante da forma oralizante do seu próprio discurso, assim como do ritmo da frase, da colocação das palavras, das pausas e das múltiplas vozes que se fazem ouvir nos seus textos. É um texto polifónico e miscigenado, tanto do ponto de vista cultural como linguístico, e as fraseologias abundam para dar voz às personagens diversas que emergem.

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Capítulo 2