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unidades polilexicais

1.3 As unidades polilexicais

1.3.1 Da unidade à polilexicalidade

A unidade polilexical parece designar uma espécie de oximoro90, pela união de palavras, aparentemente, contraditórias. No entanto, se atendermos à definição do Houaiss (2003: 3633), na entrada lexical de “unidade” encontramos – “1. A qualidade ou estado de ser um ou único […]. 2. A qualidade de ser uno, de não poder ser dividido […]” e em 8. “cada um dos itens de um conjunto ou sistema […]”; o Le Petit Robert (2011: 2658) ilustra a mesma ideia de unicidade conjugada com a ideia de pluralidade, identidade e uniformidade e a mesma ideia supracitada – “caractère de ce qui n’a pas de parties, ne peut être divisé”.

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Acreditamos que não é este o espaço para desenvolver um tema que por si só, do nosso ponto de vista, necessitaria de uma equipa multidisciplinar que reunisse, por exemplo, as áreas lexicográfica, sintática, semântica, pragmática, entre outras. No entanto, registamos a importância que um trabalho de investigação nesta área traria para os estudos lexicográficos e áreas afins, como, por exemplo, a tradução e a tradução automática, a aquisição das línguas estrangeiras.

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Carlos Ceia, in E-Dicionário de Termos Literários, define o oximoro como “[a] combinação e expressão de vocábulos paradoxais. Aproxima-se da antítese, porém no oximoro ambos os termos se excluem, a fim de revelar que a conciliação de contrários é possível e, por vezes, indispensável para se exprimir a verdade. Veja-se o caso da novela de Mário de Sá-Carneiro “Eu Próprio o Outro” ou do célebre “Amor é fogo que arde sem se ver, / É ferida que dói e não se sente” de Luís de Camões. Poder- se-á considerar este recurso estilístico como uma “antítese lexical”, isto é, o objetivo do oximoro é intensificar, ainda mais do que antítese, a junção paradoxal, vincando que o confronto de duas palavras ou ideias opostas e incongruentes permite valorizar a força expressiva, muitas vezes para despertar o efeito epigramático. Este recurso, apreciado em particular pelos poetas barrocos, românticos e modernistas, não é um obstáculo para o raciocínio, de tal forma que o possa conduzir a uma situação sem saída. Pelo contrário, é uma figura que se situa no campo do sentido conotativo, ajudando a definir determinados conceitos de difícil explicação. A expressão popular “ilustre desconhecido” exemplifica a sua utilização quotidiana e inconsciente”.

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O termo de “polilexemático” surge na literatura (cf. Corbin 1997: 53-54) e poderia ter sido usado como substituto de “polilexical”. No entanto, Corbin (id.) restringiu o uso do termo a unidades que a gramática tradicional denomina de “locutions et/ou des mots composés”, e como o ilustra, segundo a autora, a citação seguinte no artigo “locution” do Dictionnaire de linguistique et des sciences du langage:

La locution est un groupe de mots (nominal, verbal, adjectival) dont la syntaxe particulière donne à ces groupes [sic] le caractère d’expression figée et qui correspond à des mots uniques. Ainsi faire grâce est une locution verbale (ou verbe composé) correspond à gracier […]; mise en jeu est une locution nominale (ou nom composé).

Esta limitação do termo à locução e à palavra composta, tal como está expresso na citação, afasta-se, de forma clara, dos nossos objetos de análise, daí não termos recorrido a esse termo para este estudo.

Mejri (1999: 79) mostra que a noção de unidade reforça a ideia de “totalité, de continuité, d’harmonie et d’union” e acrescenta que o uso da palavra “unidade” confere às estruturas polilexicais a sua existência enquanto todo.

Seuls les éléments définitoires du mot unité suffisent à conférer à la SF [Séquence figée] ce statut puisqu’empiriquement (intuitivement), elle est perçue comme un tout continue dont les constituants sont suffisamment solidaires pour que la pluralité le cède à l’unité.

A escolha do termo “polilexical”, em sentido lato, ‘poli’ vem do grego e designa “numeroso, abundante, múltiplo”, pressupõe a existência de mais do que um lexema (poli-lexical). Assim sendo, uma unidade polilexical contém na sua formação mais do que uma palavra, como é definida por Bolly (2011: 33):

Les unités polylexicales, dites lexématiques, sont des unités constituées de deux bases autonomes sémantiquement.

Poder-se-ia acrescentar à definição anterior que uma unidade lexical é composta por pelo menos dois lexemas, sendo este o número mínimo para se poder falar de polilexicalidade. No entanto, o número de lexemas de cada unidade é variável91.

A autora (2011: 34) restringe, todavia, a definição ao integrar a noção de “espaço em branco” à polilexicalidade:

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Como é possível verificar nos exemplos que apresentamos: segredo de polichinelo; cabeça de vento; cortar o mal pela raiz; ver navios do alto de Santa Catarina; tal pai, tal filho; para meio entendedor meia palavra basta; fazer olhos de carneiro mal morto; mostrar com quantos paus se faz uma canoa.

87 Pour notre part, nous adopterons la définition de la polylexicalité la plus répandue en phraséologie, à savoir celle basée sur le critère de délimitation orthographique de l’unité polylexicale par des blancs.

Assim, da polilexicalidade, a autora retira, por exemplo, mais por razões práticas do que científicas92, as palavras compostas (com hífen ou justapostas – belas-artes, girassol, beija-flor), os fenómenos de aglutinação (aguardente, Alentejo, Monsanto, planalto) e outros fenómenos de fusão (televisão, cantautor).

É neste campo complexo de fronteira entre os grupos de palavras que cabem dentro da polilexicalidade que se pretende dar prioridade a um sentido lato do conceito e reforçar a ideia da autonomia dos constituintes. A autonomia não será uma autonomia ortográfica mas uma autonomia semântica.

A unidade linguística guarda assim a sua existência e de certa maneira afirma o carácter arbitrário dos vários tipos de relações que se elaboram entre as palavras enquanto itens individuais. Mejri (1997: 132) afirma a insuficiência da análise e a diferença de critérios utilizados para essa análise.

Les noms complètement soudés par un trait d’union ne posent aucun problème. C’est l’autonomie orthographique des constituants de l’unité composée qui rend la tâche du linguiste difficile. Or cette autonomie n’a rien à voir avec la fréquence des mots ni avec «l’âge» de l’unité. Des mots comme pomme de terre, jeune fille ou trait d’union illustrent parfaitement le caractère arbitraire de la soudure des unités polylexicales.

Na mesma linha de reflexão está o linguista G. Gross que, na introdução ao seu livro de 199693, enumera as razões que estão na origem da complexidade ligada a este tipo de estruturas e ressalva a razão central que leva a uma certa marginalização destas unidades, ao afirmar (G. Gross: 1996: 3):

(…), le fait linguistique du figement a été obscurci par des dénominations floues et très hétérogènes, de sorte qu’on est en présence de strates définitionnelles très souvent incompatibles.

Por outro lado, o mesmo autor (1996: 9) apenas retira do conjunto das unidades polilexicais a derivação:

La première condition nécessaire pour qu’on puisse parler de figement est que l’on soit en présence d’une séquence de plusieurs mots et que ces mots aient, par

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A autora (2011: 32) insiste que a fronteira é muito ténue e que a polilexicalidade é visível, por exemplo, nas palavras aglutinadas, em que é possível sentir a autonomia dos constituintes: “Mais c’est sans compter sur la tendance des mots à l’agglutination ou à la coalescence, qui voit plusieurs constituants initialement autonomes se fondre en un seul mot par une soudure graphique continue”.

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ailleurs, une existence autonome. Celui-ci exclut les suites formées à l’aide d’un afixe (préfixe, suffixe), qui relèvent de ce qu’on appelle la dérivation.

Mejri (1997) e G. Gross (1996) defendem a possibilidade de os constituintes das unidades polilexicais94 poderem estar aglutinados, preservando, no entanto, a autonomia semântica e a sua própria liberdade enquanto constituintes que colaboram na formação de um referente, como é visível em exemplos de palavras aglutinadas – aguardente (água + ardente) e vinagre (vinho+acre). Nestes casos, os constituintes guardam o seu valor semântico e são transparentes desse ponto de vista. No entanto, a polilexicalidade acarreta também opacidade semântica, que podemos observar em estruturas polilexicais do tipo – bater a bota (morrer) e passar as passas do Algarve (passar dificuldades). Como acabámos de referir, nas unidades polilexicais as palavras podem preservar a sua autonomia semântica e a sua existência enquanto unidades lexicais, o que facilita o seu reconhecimento pelo falante e pelo leitor e não inibindo, assim, o processamento que conduz à compreensão. A relação entre as palavras obedece a um processo de globalização que Greciano (1983: 387) define como sendo:

Un processus de réunion à la foix sélective et virtuellement illimitée des composantes propres aux parties auparavant disparates en une unité.

De seguida, detemo-nos sobre os dois tipos de estruturas que cabem dentro das unidades polilexicais que nos propomos abordar: as amálgamas e as fraseologias, recorrendo a exemplos de ambas as categorias.