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Crise: do colapso do mercado imobiliário à democratização da austeridade

No documento OS VALORES DA GEOGRAFIA (páginas 126-131)

Crise e resiliência: que presente para o futuro da reabilitação das cidades do Oeste?

2. Crise: do colapso do mercado imobiliário à democratização da austeridade

Assumindo os riscos inerentes a este tipo de exercício, neste ponto, sumariza-se, em sete etapas, a trajetória da crise desde a sua origem (implosão da bolha imobiliária) até à confluência dos seus efeitos nos países, regiões, famílias, mais vulneráveis.

i. Colapso da bolha imobiliária nos EUA: a origem. A origem da maior crise financeira que ocorreu após a década de 1930 envolve um setor específico do mercado de crédito hipotecário criado nos Estados Unidos da América: o segmento de alto risco, designado por “sub-prime”. Por este segmento financiavam-se famílias que não acediam a crédito para aquisição de habitação porque não reuniam as garantias necessárias. Em consequência, não seriam elegíveis tendo em conta os parâmetros do segmento normal (dito “prime”). Através do “sub-prime”, os bancos obtinham rendimentos altos indexados a elevados riscos de incumprimento por parte do mutuário. Para limitar os riscos, estes mutuantes contavam com o aumento de preços das casas que adquiriam. Em caso de incumprimento, poderiam sempre revende-las por preços mais elevados. “Em 2006, este tipo de empréstimo representava 10% do mercado de crédito hipotecário americano. O colapso da bolha do setor imobiliário nos EUA traiu a lógica do “sub-prime”. A taxa média de incumprimento aumentou, passando de cerca de 11% no início de 2006, para mais de 20% em 2008” (Paulo, 2011, p. 8).

ii. Titularização do “sub-prime”: o contágio. A titularização tem em vista a partilha de riscos, conseguida através da agregação das carteiras de crédito em produtos combinados onde se integram valores mobiliários com diferentes níveis de risco. Assim se procede à disseminação do risco por

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um número alargado de credores. Com níveis de incumprimento contidos, este expediente substitui- se às garantias em falta. Num cenário de incumprimento maciço, como o que teve lugar, o mecanismo de titulação faz chegar as ondas de risco a todo o sistema financeiro. Esta situação é maximizada por via da elevada complexidade e opacidade deste tipo de operações, dificultando os exercícios de avaliação da exposição aos ativos “tóxicos” dos diferentes nós do sistema financeiro. iii. Bloqueio no mercado interbancário: a desconfiança. Conjugando a indefinição com a opacidade,

surge a desconfiança entre os bancos que se retraem, deixando de emprestar dinheiro entre si. Este movimento desencadeou a necessidade de colocar no mercado volumes enormes de ativos que não estavam conotados com a crise. Na sequência, o aumento repentino de venda de ativos de “boa” qualidade fez cair o preço. “Sem liquidez e face à depreciação do respetivo capital, muitas instituições financeiras encontraram‑se à beira da falência” (Paulo, 2011, p. 8).

iv. Falência do Lehman Brohers: o pânico. O efeito de pânico surge em setembro e outubro de 2008 com a falência do banco de investimento Lehman Brothers. Ao contrário do que tinha sido feito anteriormente com outras instituições financeiras (banco de investimento Bear Sterns e as agências de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac), neste caso a decisão das autoridades foi no sentido de não evitar a falência, gerando uma onda de instabilidade no mercado financeiro global. A cadeia de impactos teve reflexos imediatos: “a companhia de seguros AIG teve de ser intervencionada pelo governo; os bancos de investimento Goldman Sachs e Morgan Stanley foram transformados em bancos comerciais para serem elegíveis para ajuda de liquidez do FED. Na Europa, os grupos Dexia e Fortis, duas instituições financeiras com ramificações transnacionais complexas, foram resgatados pelos países do Benelux e por França” (Paulo, 2011, p. 8).

v. Crise financeira propaga-se á economia: a pulverização dos efeitos. No final de 2008 a crise começa a propagar-se á economia “real”. No ano seguinte, assinalando a primeira recessão a seguir à 2ª Guerra Mundial, o PIB mundial contraiu 0,6%. Contudo, a destruição dos impactos não foi uniforme. Os países desenvolvidos entraram em contração, em contraponto com os emergentes que, numa primeira fase, se apresentaram mais resistentes (China e Índia, aumentaram 10% o seu PIB em 2010). Também na União Europeia, a distribuição não foi homogénea. Num contexto de redução de 4,1% do PIB, a Polónia registou crescimento. Nos dois primeiros anos (entre 2008 e 2010) a taxa de desemprego passou de 6,1% para 10% na UE e 5,8% para 9,7% nos EUA. vi. Intervenção pública: a tentativa de contenção dos impactos. Os bancos centrais reduziram as taxas

de juro (entre 0 e 1%), e ocuparam o lugar do mercado interbancário enquanto mutuantes de último recurso. Procuram estabilizar o sistema prometendo taxas de juro baixas a longo prazo e promovem intervenção “direta nos mercados financeiros através da aquisição de produtos financeiros específicos para influenciar as curvas de rendimento ou para estimular setores importantes do ponto de vista sistémico do mercado de crédito” (Paulo, 2011, p. 8). Os governos reforçam o capital dos

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bancos, apresentam garantias para lhes facilitar o acesso ao financiamento e adquirem ou caucionam ativos “tóxicos”. O grau de intervenção difere consideravelmente, de país para país. vii. Crise económica: a confluência dos efeitos para as regiões, comunidades, famílias mais

vulneráveis. Em fevereiro de 2010, logo que a economia da zona euro começou a dar sinais de recuperação, o foco deslocou-se para os défices e para as dívidas públicas, para a estabilidade do Euro e da Zona Euro e para a recuperação da “confiança dos mercados” pela via da “consolidação orçamental” coordenada em toda a União. Nessa data tem início uma cadência de austeridade que se estende até hoje (Observatório sobre Crises e Alternativas, 2013, p. 72).

A arritmia das vagas de austeridade deslocou as famílias portuguesas para condições de vulnerabilidade e aprofundou as debilidades que existiam. De seguida, avalia-se os efeitos que provocou na acessibilidade á habitação e na capacidade de proceder a obras de reabilitação.

3. Resultados

3.1 Vulnerabilidades no acesso á habitação

De modo a perceber qual o nível de esforço das famílias para acomodar este tipo de custo nos respetivos orçamentos familiares, perguntava-se qual o peso que a renda ou prestação representava no rendimento mensal. Pedia-se que posicionassem as respostas nas classes: até 1/4, entre 1/4 e metade ou mais de metade. Os resultados apontam para a seguinte partição: 31% das famílias gastam até 1/4 do seu rendimento no pagamento do empréstimo ou renda; uma em cada 5 desloca para este custo entre 1/4 e metade do seu rendimento mensal; e, 7,5% afeta mais de metade do seu orçamento mensal para aceder à habitação.

Se em Torres Vedras, por cada família onde o nível de esforço é elevado (entre 1/4 e metade ou mais de metade do rendimento mensal) existem 1,6 para as quais o custo para aceder à habitação é nulo ou baixo (não têm custos ou esses correspondem até 1/4 do rendimento mensal). Essa relação assume o valor de 2,3 Caldas da Rainha, 3,1 em Peniche e 7,2 em Alcobaça. O mesmo será dizer que a cativação do orçamento familiar pelo custo com habitação é maior em Torres Vedras e menor em Alcobaça. Excluindo as famílias que não têm custos, as que viram o peso da renda ou da prestação (nos últimos 6 anos), ampliar a fatia de orçamento familiar consumido pelo custo com habitação (ou porque o rendimento reduziu – mais frequente - ou porque esse custo aumentou) ascende a 37% do total. Sendo esta realidade mais expressiva nas cidades de Torres Vedras (42%), Caldas da Rainha (36,4%) e Peniche (34%) do que em Alcobaça (31%). Sem surpresa, na sua larga maioria (61%), as famílias que viram o custo aumentar nos 6 anos em análise (2008/2014) apresentam níveis de esforço mais elevados (entre 1/4 e metade ou mais de metade). No caso de Torres Vedras o peso desta tipologia corresponde a quase 7 por cada 10.

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Relativamente ao risco de incumprimento, a primeira conclusão a tirar é que uma parte considerável (37%) das famílias considera-o muito elevado ou elevado. Na generalidade dos casos (58%) são famílias que dispõem menos de 437,5€/mês/per capita que mais experienciam esta realidade. As tipologias de famílias mais frequentes são casais sem, ou com apenas 1 filho, monoparentais com 1 filho e unipessoais. No seu conjunto estas tipologias reúnem 73% das situações onde o risco de incumprimento é perspetivado como elevado ou muito elevado. Atentando ao nível de formação dos entrevistados destas famílias (as de maior vulnerabilidade), percebe-se que o risco de não poder suportar o custo com habitação ocorre sobretudo em famílias em que o respondente tem menos do que 4 anos de escolaridade (42%), embora também se detetem casos (14%) com formação superior. Esse risco de incumprimento é mais carregado em Torres Vedras (42%) e Caldas da Rainha (36%), verificando-se valores menores em Peniche (34%) e Alcobaça (31%).

3.2 Vulnerabilidade para acomodar os custos de reabilitar

Um processo de urbanização acelerado concentrado nas últimas décadas não evita que 26% das famílias da amostra declare que reside numa casa ou num prédio que necessita de obras de reabilitação (tabela I). Larga maioria das famílias (88%) declara que a capacidade de reunir as condições para proceder a estas obras será difícil ou muito difícil, o que nos dá a dimensão das situações em que a transformação do edificado é um processo cercado de bloqueios. Esta realidade é mais frequente (61%) entre as famílias cujo rendimento familiar mensal per capita não supera os 437,5€ e que residem dentro dos perímetros urbanos (85% dos casos). Na realidade dos quatro centros urbanos, destaca-se o caso de Torres Vedras onde a preponderância das situações de degradação dos edifícios residenciais (perspetivado por este meio) é menor (20%). Nas restantes cidades, o peso desta realidade oscila entre os 27 e os 29%, o que, considerando que parte deles são edifícios de apartamentos, sinaliza um peso significativo de parque residencial degradado, quase na totalidade com pouca capacidade de poderem adaptar-se às necessidades das famílias.

Tabela I - Tipologia de residências familiares, necessidades de reabilitação e capacidade de resposta; inquérito (2014)

Alcobaça C. da Rainha Peniche T. Vedras SUO

fi fr fi fr fi fr fi fr fi fr Apartamento 16 43,2 107 70,9 50 64,9 61 61,0 234 64,1 Necessidade de obras Sim 4 25,0 32 29,9 15 30,0 12 19,7 63 26,9 Não 12 75,0 75 70,1 35 70,0 49 80,3 171 73,1 Moradia 21 56,8 44 29,1 27 35,1 39 39,0 131 35,9 Necessidade de obras Sim 6 28,6 11 25,0 6 22,2 8 20,5 31 23,7 Não 15 71,4 33 75,0 21 77,8 31 79,5 100 76,3 Total Geral 37 151 77 100 365 100,0 Total das residências com

necessidades de reabilitação 10 27,0 43 28,5 21 27,3 20 20,0 94 25,8 Reunir condições para proceder às obras será: Fácil 1 10,0 6 14,0 1 4,8 0 8 8,5 Difícil/muito difícil 8 80,0 35 81,4 20 95,2 20 100,0 83 88,3 NSR 1 10,0 2 4,7 3 3,2

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Em Torres Vedras por cada família que vive em edifícios com necessidades de reabilitação existem 4 que não manifesta tais necessidades. Esta ponderação apresenta resultados de 2,7 em Alcobaça e Peniche e 2,5 nas Caldas da Rainha. A primeira cidade referida apresenta menores carências de reabilitação ao contrário da última onde estas situações são mais frequentes.

4. Conclusão

Conclui-se que esta parcela, não negligenciável, das famílias não disporá (no curto/médio prazos) de meios para levar a cabo as adaptações já identificadas como necessárias no parque residencial. Esta situação coloca em crise os propósitos dos instrumentos direcionados para este fim.

Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

5. Bibliografia

Decreto-Lei n.º 53/2014 de 8 de abril, Diário da República, 1.ª série — N.º 69 Decreto-Lei nº 307/2009 de 23 de outubro, Diário da República, 1.ª série — N.º 206

Observatório sobre Crises e Alternativas, (2013). A anatomia da crise: identificar os problemas para construir as

alternativas. 1º Relatório, preliminar, do Observatório sobre as Crises e Alternativas

Paulo, S. (2011). A Europa e a Crise Financeira Mundial: Balanço da resposta política da UE. Comissão Europeia, Fundação Robert Schumann

X CONGRESSO DA GEOGRAFIA PORTUGUESA

Os Valores da Geografia

Lisboa, 9 a 12 de setembro de 2015

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