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Reestruturação urbana e gentrificação em Lisboa

No documento OS VALORES DA GEOGRAFIA (páginas 103-106)

As múltiplas faces da gentrificação em diferentes contextos socioespaciais: as cidades europeias e as cidades latinoamericanas

4. Reestruturação urbana e gentrificação em Lisboa

Em Lisboa, a reestruturação urbana está, atualmente, associada à “marca Lisboa”, que tal como o “modelo Barcelona”, tem objetivos que vão além dos planos para cada um dos bairros. A “marca Lisboa” encaixa-se na perspectiva global de uma cidade competitiva, eficaz, que atrai investimento e onde o

89 marketing urbano atua de forma a criar uma imagem de cidade ideal e segura. Para Graça Fonseca (2013), vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, a necessidade da existência de uma marca é clara: “hoje em dia existe uma enormíssima competição, já não tanto entre estados, mas fundamentalmente entre cidades, entre regiões, por recursos globais, como investimentos, talentos, dinheiro, infraestruturas. Hoje em dia é fundamental nessa competição global que as cidades se apresentem com uma história, com identidade clara, inequívoca. O que é Lisboa? Para o fazer, para contar essa história, que una os diversos agentes e os diversos parceiros da cidade, é importante adotar a estratégia do ‘city branding’”. A ligação da “marca Lisboa” ao turismo é evidente, podendo-se falar de um processo de gentrificação, também, através do turismo. Lisboa passa a ser vista como uma cidade inovadora e atrativa para novos investimentos, levando a elevados investimentos imobiliários na Baixa da cidade e em grande parte do seu centro histórico.

Ao longo dos anos a cidade tem sido alvo de diversas políticas públicas que tinham na sua gênese mudar a sua imagem. Centradas em processos de renovação e, posteriormente, de reabilitação urbana, estas políticas privilegiaram as transformações estéticas de uma cidade que se quer “típica e popular”, mas também cosmopolita e dinâmica. Recentemente, as iniciativas centraram-se na reabilitação do espaço público, como aconteceu, por exemplo, no bairro da Mouraria. Neste bairro histórico do centro da cidade, tido como degradado e em mau estado, foram utilizados diversos mecanismos e programas e desenvolveram-se ações que pretenderam colocar em prática medidas de prevenção, de formação ou de empreendedorismo da população residente. É assim que, num espaço esteticamente sem conflitos, se ignora a exclusão, a violência e se banalizam diferenças, estandardizando-as. A identidade do bairro que é, por um lado, valorizada, quando se privilegia a tradição e a memória, é, por outro, descaracterizada quando o que importa é transformar este território numa fachada bonita a que os turistas possam acessar facilmente sem serem importunados com a realidade que se esconde por detrás das paredes dos edifícios. Deste modo, tenta-se simplificar uma realidade complexa e cheia de pormenores, limpando as imperfeições que possam existir.

A intenção, em processos de reabilitação urbana, seria procurar que estes resultassem em espaço mais qualificados para todos e não apenas para alguns setores da população, e que, deste modo, não decorressem daí, forçosamente, processos de gentrificação ou práticas especulativas. Contudo, o que se passa em Lisboa é o inverso. A par de tantas outras cidades europeias, o processo de reabilitação em curso tem permitido impulsionar o mercado imobiliário e o interesse de novos proprietários e moradores, numa potencial situação de gentrificação.

5. Reestruturação urbana e gentrificação em Venda Nova – Belo Horizonte/MG

No caso das cidades brasileiras, o elemento que deve ser ressaltado diz respeito ao papel do Poder Público como condutor dos processos de reestruturação, marcados por uma lógica neoliberal e, por

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vezes, orientados pelos princípios do planejamento estratégico e da competição interurbana. Em Belo Horizonte, o processo gentrificativo da Região Administrativa Venda Nova (RAVN) foi desencadeado pelos programas implementados pelo Poder Público, a partir de 2001, voltados para potencializar o crescimento econômico e o desenvolvimento do município. Com base no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a reestruturação produtiva da região objetiva a diversificação de sua base industrial – a partir da atração de investimentos e criação de polos de alta tecnologia em aeronáutica, biotecnologia, semicondutores, informação, microeletrônica, softwares, etc.. –, e sua internacionalização competitiva no mercado, tendo como referencial temporal o ano de 2023.

A reconfiguração de antigos espaços promoveu a expansão da demanda efetiva por imóveis e uma intensa valorização imobiliária nos últimos anos. De acordo com os dados obtidos na pesquisa, o valor dos imóveis residenciais colocados à venda em 2001 (R$40.765,43) passou a ser de R$290.205,17, em 2013, representado um aumento de 712%. De igual modo, a média de valor dos aluguéis residenciais em 2001 (R$221,36) passou a ser de R$813,50, em 2013, representado um aumento de 368%. A inflação observada no período 2001-2013 foi de apenas 165,8%, conforme correção pelo Índice Geral de Preços de Mercado.

Ainda, verifica-se a transformação do ambiente construído e da paisagem urbana da região, com a oferta de novos serviços e a requalificação residencial, decorrentes dos investimentos, públicos e privados, tais como a instalação de terminais intermodais de transporte coletivo; de um hospital público; de dois shopping centers; do lançamento de empreendimentos imobiliários de grandes incorporadoras/construtoras; de instituições de ensino superior, etc. Há, ainda, uma alteração da tipologia de ocupação da área, evidenciando a atuação do capital imobiliário na produção de mais-valias fundiárias. Até o ano de 2001, a ocupação era predominantemente horizontalizada e de residência unifamiliar. Após, há um gradativo processo de verticalização da região, acompanhado de um aumento qualitativo nos padrões construtivos das edificações residenciais e comerciais, com indícios de uma ocupação por classes superiores. Assim, há substituição de grupos sociais economicamente inferiores, em razão das dificuldades de acesso advinda da incompatibilidade entre os níveis de renda e majoração do custo de vida.

A mudança da morfologia social da região pode ser vislumbrada através da análise comparativa entre os dados do Censo Demográfico do IBGE, dos anos 2000 e 2010, no tocante aos indicadores de alfabetização, renda, ocupação e moradia da população residente na área de estudo. As significativas alterações nos coeficientes avaliados apontam uma tendência de melhora nos índices de desenvolvimento social da RAVN. O que configura relevante indício de alteração da população residente.

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No documento OS VALORES DA GEOGRAFIA (páginas 103-106)

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