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O Trabalho Artístico

No documento OS VALORES DA GEOGRAFIA (páginas 108-110)

Superar as adversidades do mercado de trabalho: É uma situação nova para os artistas?

2. O Trabalho Artístico

À semelhança de um Estado Social debilitado e em perigo, também o conceito de trabalho tem revelado as mesmas questões. Nos últimos anos, a forma como tem sido negligenciado o papel do trabalho e os direitos e garantias a ele associados tem sido uma evidência. Quando nos debruçamos, especificamente sobre o trabalho nas artes e na cultura, e na sua importância para o desenvolvimento do país ainda mais questões se levantam. Quando as artes e a cultura são atiradas para segundo plano e a agenda política as vê como um bem de luxo e os financiamentos tendem a diminuir, a valorização do trabalho artístico, também, entra na mesma espiral. Perante as actuais políticas culturais em Portugal, considera-se que as artes e a cultura não têm uma função essencial e facilmente se cai no senso comum de o investimento neste sector ser considerado “desnecessário”. Ao serem consideradas um bem de luxo e de acesso restrito à maioria da população portuguesa, as artes e a cultura passam a ser um bem para as elites hegemónicas da sociedade, deixando à margem aqueles que já estão por si excluídos de uma série de processos no país.

De facto, em Portugal a cultura e as artes não são vistas como um direito fundamental para o desenvolvimento cidadão fortalecido. Ser profissional da cultura em Portugal é assumir um trabalho precário, intermitente e até, em alguns casos, fora das regras jurídico-legais fundamentais do trabalho. Uma grande parte dos criadores, atores, realizadores, artistas plásticos, bailarinos, entre outros, continuam a resistir perante uma situação de precariedade laboral e social gravíssimas, onde os ‘recibos verdes’ prevalecem e se tornam regra e os contratos são uma raridade. Esta situação tem sido agravada pelos cortes sucessivos no financiamento público (que chegam até aos 50% face a anos anteriores) e que representam um desinvestimento público drástico nas artes e na cultura em Portugal. Este facto tem-se repercutido, também, na escassez de ofertas de trabalho e na redução do valor dos salários dos profissionais deste setor. Apesar desta situação precária e de, aparentemente, faltar trabalho, existem programadas de recrutamento de voluntários para teatros municipais, como aconteceu, por exemplo no

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Teatro Municipal do Porto (este programa foi entretanto cancelado após denúncia do Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual – CENA).

À pouca oferta do mercado de trabalho, perante o desinvestimento que tem sido feito, e dos baixos salários que se tendem a praticar, juntam-se os custos sociais que se tornam um pesadelo para uma ocupação profissional já desgastada. Os pagamentos à Segurança Social, por exemplo, são uma das questões mais levantada pelos profissionais das artes e da cultura. Os baixos salários que não permitem pagar a devida prestação social, faz com que muitos artistas coloquem em causa a sua situação futura, declarando, por vezes, o mínimo ou não pagando a devida prestação. Por vezes, é mesmo a entidade laboral que faz um pagamento informal, sem recibo. As consequências destes factos centram-se na destruição da carreira contributiva e/ou na ausência de uma possível reforma como, a curto prazo, no fomento de uma realidade de instabilidade financeira psicológica e social, que tem associações graves, por exemplo, ao nível da natalidade. Esta situação promove, ao mesmo tempo, a desacreditação num Estado Social e/ou numa Segurança Social fortes.

A principal questão que se levanta está diretamente relacionada com a capacidade de sobrevivência no dia-a-dia e com a sobrevivência laboral de grande parte dos artistas que não têm nenhum vínculo contratual estável. O desconhecimento da verdadeira atividade destes artistas (que não se resume somente ao tempo dos ensaios e espetáculos, que podem variar entre alguns dias a uns meses, mas que envolve, também, a sua formação, a procura de novos trabalhos, a gestão de novos projetos, a experimentação e/ou a pesquisa), pode levar a que grande parte dos contratos de trabalho nas áreas de atividade ligadas à produção das artes do palco ou do audiovisual sejam precários e/ou de curta duração. Perante esta realidade, muitos dos profissionais das artes e da cultura vivem entre hipóteses e na esperança de conseguir empregos “eu gostava de me dedicar a 100% à criação artística. Contudo, e por não ter conseguido financiamento no último concurso, tenho de dar aulas de dança diversas vezes por semana o que quebra todo o processo criativo. Não estou a dizer que não gosto de dar aulas mas queria ter, neste momento da minha carreira (tem 42 anos) um trabalho mais estável que me permitisse criar e desenvolver um trabalho mais sólido. Assim, nunca sei o que se vai passar nos próximos meses. A única garantia que vou tendo é as aulas e, mesmo assim, o número de alunos tem vindo a diminuir nos últimos meses”, refere Inês (2015).

Na sequência de anos de reivindicação por parte destes artistas do espetáculo, em 2007, o Governo Português discutiu e aprovou em Assembleia da República uma proposta de lei com o objetivo de proteger os artistas das artes preformativas da precariedade do trabalho, assumindo-se um regime especial que passou a ter em consideração as figuras do trabalho intermitente e do trabalho em grupo. Este modelo de contratação laboral passou a considerar que mesmo perante a ausência de espetáculos os contratos com a entidade empregadora se mantinham, mantendo-se, também, os direitos, deveres e garantias. Isto passou a implicar que estes artistas teriam de se manter sempre disponíveis mesmo nos períodos de paragem entre espetáculos, mantendo, no período de menor trabalho, um ordenado nunca

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inferior a 30% do habitual nos períodos de trabalho efetivo. Porém, ainda que os profissionais do cinema, teatro, televisão, música, dança e circo, mesmo surpreendidos com esta aprovação, tenham visto nesta medida de contratos a prazo uma ténue possibilidade de resolução do trabalho a ‘recibos verdes’, que domina o sector das artes do espetáculo, não deixaram de apontar as lacunas do diploma. Este diploma desde logo falha em relação ao estatuto dos artistas perante a Segurança Social, não resolvendo questões como subsídios de doença, maternidade ou desemprego, aos quais, como trabalhadores a ‘recibos verdes’, não têm direito. Muitos outros defeitos foram apontados a este diploma, nomeadamente o facto desde novo estatuto, ao obrigar as entidades patronais a garantir subsídios elementares de encargo social, deixar livre a possibilidade de se praticar salários inferiores aos anteriormente atribuídos, resultando, na prática, em piores condições para o artista. Outra questão levantada, relaciona-se com a habitual discussão da distinção, injustificada, entre as profissões ditas criativas e as profissões mais técnicas, uma vez que ambas estão sujeitas à mesma intermitência laboral e trabalho intensivo.

Ainda que, pela primeira vez, esta atividade tenha passado a ser regulamentada, a precariedade continua perante um documento deficiente e inadaptado às reais condições laborais dos artistas. Por isso, ainda em 2015, muitos são os artistas que, vendo a sua situação de instabilidade laboral piorar, desde que a crise ganhou contornos mais expressivos, têm mantido a luta pela garantia de direitos e a extinção ou redução dos ‘recibos verdes’ com a conversão dos mesmos em contratos de trabalho.

Mas a precariedade do vínculo laboral não se resume a um quadrante específico das artes, é de uma forma mais geral que este problema se coloca. Artistas como pintores, escultores, ilustradores, fotógrafos e até designers, passam pelas mesmas dificuldades de instabilidade e insegurança laboral.

No documento OS VALORES DA GEOGRAFIA (páginas 108-110)

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