• Nenhum resultado encontrado

Para Chesnais, a perspectiva da crise do capitalismo contemporâneo têm suas raízes nos fundamentos do sistema econômico capitalista internacional, sendo comandada por interesses poderosos do tipo "rentista", nos níveis de "cima" das hierarquias das altas finanças, e seus traços característicos são acentuados pelo regime de acumulação dominado por estas

29 CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã. 1996, p. 23.

30 CHESNAIS, 1998b, p. 8. 31 CHESNAIS, 1998c, p 31.

"altas finanças". Isto possibilita uma melhor compreensão histórico-estrutural das mudanças no padrão do processo da acumulação de Capital em geral, e em especial, das transformações e crises do "sistema capitalista" com o crescimento acelerado da esfera financeira, ou ainda, melhor caracterizar a ascensão do regime de acumulação predominantemente financeiro no contexto da crise financeira atual do final de década de 1990.

Entretanto o contexto histórico dessa crise, identificado na primeira metade da década de 1980, pode ser também interpretado a partir das idéias de Braudel, em que, para ele permanecem o papel dominante, insistente e diversificado das diversas minorias sobreviventes dos jogos dialéticos financeiros e que compõem este novo poder financeiro predominante, refletindo mais uma das "crises seculares" do capitalismo.

Neste caso, o que é importante destacar, como definição teórica para a análise sociopolítica, é a tese de Braudel de que o poder político está atrelado fundamentalmente ao dinheiro e constitui-se numa estrutura secular dominante, de longa duração. Para ele, a crise possui também um caráter secular e ele considera isto um dos elementos explicativos para a compreensão das crises estruturais do capitalismo contemporâneo, e sua conseqüente solução. Esta crise secular serve de medida, como bom indicador, para o entendimento dos elementos dominantes na longa duração das estruturas financeiras, do presente e do passado32.

Para Braudel o conceito de estrutura relaciona-se aos "sustentáculos e obstáculos", "permanência ou sobrevivência" no imenso domínio cultural, o que remete para a compreensão da idéia da "expansão financeira", como fases finais e de crise dos grandes ciclos de desenvolvimento capitalista na sua longa duração, como duração completa do sistema capitalista mundial. É por isso que a permanência de sistemas, como regularidades históricas, são ocultadas por ciclos, interciclos e crises estruturais, que são preferencialmente do domínio da Ciência Econômica na pesquisa histórica da longa duração33.

Estes ciclos assinalam a transição de um regime de acumulação para outro em escala mundial, num processo de destruição recorrente de antigos regimes e criação de outros, um fenômeno recorrente que marcou o capitalismo desde os seus primórdios no fim da Idade Média até o início da Era Moderna: Gênova, Holanda, Grã-Bretanha e agora os Estados Unidos.

32 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 2 ed. São Paulo: Editora Perspectiva. 1982, p. 26. 33 Ibid, p. 51.

Em primeiro lugar, o que chama a atenção para as concepções de Braudel é o seu esquema interpretativo "tripartido" da economia. São três níveis de investigação: o capitalismo, a economia de mercado e uma infra-economia ou vida material. Ele defende a tese de que esta "tripartição" da economia, por níveis, possibilita uma melhor compreensão do que ele chama de “matriz de observação para o tempo presente”, determinando uma distinção no significado do capitalismo em suas diversas formas, desde a primeira modernidade do mundo (aproximadamente nos Séculos XV ao XVIII). Esta compreensão distinta do conceito de “capitalismo” leva-o a interpretar os conceitos de “capital” e “capitalista" entendidos na perspectiva de suas dimensões históricas seculares, ou histórico-estruturais. Para Braudel, estas três palavras são chaves, solidárias, inseparáveis e uma maneira de afastar certas ambigüidades e, portanto, não crê ele que o modo de produção "industrial" seja a "particularidade essencial” e indispensável de "todo o capitalismo"34.

Para Braudel "a economia começa no limiar do valor de troca"35 e, portanto, existe uma margem inferior da economia que é mais ou menos larga e que é feita, então, de pequenas unidades independentes. Ele alerta para o fato de que, se percebemos o capitalismo como envolvendo a sociedade inteira, no conjunto do social não é justo que uma pequena oficina na Itália ou uma tipografia falida em Nova Iorque sejam colocadas na categoria do "verdadeiro capitalismo", por não ser justo nem no plano da ordem social nem no plano da gestão econômica. O verdadeiro capitalismo é cada vez mais “superlativo” para Braudel, e ele está se propondo a criar o hábito de designar por capitalismo "os níveis superiores". Para ele "visar o alto" é visar corretamente, pois o “setor concorrencial”, por sua vez, não pode abarcar tudo o que o “capitalismo da cúpula” deixou de lado ou mesmo abandonou.

Braudel propõe, então, que esta "tripartição" por níveis sirva como um modelo, ou mais precisamente, como uma “matriz da observação para o tempo presente” e que signifique rever muitos pontos de vista a respeito do "sistema" que "seria capitalista de alto a baixo da sociedade". Ele acredita na possibilidade de outras leituras, pois "há, pelo contrário, para falar resumidamente, uma dialética viva do capitalismo em contradição com o que abaixo dele não é o verdadeiro capitalismo"; por isso ele é cada vez mais superlativo36.

34 BRAUDEL, Fernand. (1998a). Civilização material, economia e capitalismo - Séculos XV-XVIII: os jogos das trocas, v. 2. São Paulo: Martins Fontes, p. 200.

35 Ibid, p. 7.

O verdadeiro "capitalismo" para Braudel é um universo à parte, de caráter sempre multinacional, parente próximo do monopólio da Cia. das Índias, análogo aos monopólios de hoje. A realidade observada nas relações econômicas entre os Séculos XV e XVII, onde se detém o desenvolvimento da Europa pré-industrial com o advento da revolução industrial, possibilitou, segundo ele, uma progressiva entrada das racionalidades de mercado, da empresa e do investimento capitalista, sendo observável na realidade de forma bem nítida e transparente nos discursos que constituem a Ciência Econômica.

A "economia de mercado" para ele é a que costuma ser descrita nos mecanismos de produção e da troca, ligados às atividades rurais, oficinas, lojas, estabelecimentos, bolsas, feiras e, naturalmente, aos mercados. Para Braudel, esta é uma segunda zona sem a qual o capitalismo torna-se impossível, pois é aí que ele se aloja e prospera.

A "infra-economia" ou "vida material", constitui-se de uma "civilização material" uma “não-economia” sob o signo da "auto-suficiência", pela "troca de produtos e dos serviços num raio muito curto", visualizada como uma "zona de opacidade" sob o mercado, uma zona espessa que se mantém rente ao chão, como sendo aquela outra metade informal da atividade econômica37.

O “mercado” é o lugar predileto da oferta e da procura e exerce aí seu papel elementar, pois:

O mercado é uma libertação, uma abertura, o acesso a outro mundo. É vir à tona. A atividade dos homens, os excedentes que eles trocam passam aos outros por essa brecha estreita com tanta dificuldade, no princípio, como o camelo da Escritura pelo buraco da agulha. Depois os buracos se alargaram, se multiplicaram, tornando-se a sociedade, no fim do caminho, uma ‘sociedade de mercado generalizado’38.

Assim, para Braudel, o limite por excelência do capitalismo é o limite superior da economia de mercado e da infra-economia, colocando-se acima da vasta superfície desses mercados, erguendo-se como hierarquias sociais ativas: a do Estado, a do dinheiro e as da cultura. O capitalismo, para o autor, é "ligado aos comércios longínquos e aos jogos de crédito complicados" como uma arte requintada "aberta, quando muito, a alguns privilegiados" e são essas hierarquias sociais que "falseiam a troca em proveito próprio, fazem vacilar a ordem estabelecida; voluntária e até involuntariamente, criam anomalias, “turbulências", e têm

37 BRAUDEL, 1998a, p. 7.

maneiras muito suas de tratar dos seus assuntos"39. Podem abalar inclusive setores inteiros da economia, compostos de grupos de atores privilegiados, que se controlam à distância numa rede mundial. Ele inclui neste nível os grandes mercadores de Gênova no Século XVI e os de Amsterdã do Século XVIII40.

Braudel também concorda que a crise manifestada na primeira metade da década de 1980, porém iniciada nos anos 1970, é pior do que a de 1929 e corre-se o risco de "engolimento" de firmas de primeira grandeza, arquitetando-se novas centralizações e concentrações do capital. Esta crise é sim uma ameaça ao capitalismo, mas sua característica fundamental é ser uma das crises seculares que "penalizam uma discordância crescente entre as estruturas da produção, da demanda, do lucro, do emprego, etc.. Produzem-se panes e, no reajustamento que se impõe, certas atividades definham ou desaparecem". Mas, ao mesmo tempo da crise, desenham-se novas linhas de lucro para os sobreviventes dela. O capitalismo, assim, como "sistema", pode até sair reforçado e tem todas as possibilidades de sobrevivência. Isto não significa necessariamente uma sobrevivência ideológica, mas econômica, atravessando por crises e peripécias, o que não chega a ser verdade que ele esteja nos seus momentos finais de expiração, ou seja, não é a “crise final” do capitalismo, doente e incurável41.

Esse capitalismo que é capaz de provocar crises e turbulências, criar anomalias e abalar economias inteiras, compõe-se de jogos de crédito complicados, estruturados numa rede mundial, como jogos monetário-financeiros, em que as crises podem se manifestar recorrentemente: um "novo jogo embaralha as cartas, privilegia algumas raras pessoas, lança outras para o lado da má sorte. Qualquer sociedade sujeita a este impacto tem de arranjar uma pele nova” e “qualquer sociedade de arquitetura antiga que abra as suas portas à moeda acaba por perder o equilíbrio que tinha e liberta forças que deixa de poder controlar"42.

Nessas forças há uma redistribuição das cartas em proveito dos mais fortes nos níveis nacional e internacional e nesse jogo das grandes crises os fracos enfraquecem e os fortes se reforçam. Durante os últimos decênios houve uma profunda modificação no mundo, e de diversas maneiras as grandes crises favoreceram sempre uma "outra distribuição" que se

39 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo - Séculos XV-XVIII: as estruturas do cotidiano, v. 1. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 401.

40 Ibid, p. 12. 41 Ibid, p. 582. 42 Ibid, p. 401.

desenhou à escala internacional, pois a hegemonia mundial às vezes muda "de mãos e de localização geográfica"43, como no caso dos Estados Unidos em relação à Inglaterra.

Para Braudel por si mesmo o capitalismo não vai ruir e não será uma deterioração "endógena", pois hoje como ontem, há a resistência de uma minoria dominante e sempre prevenida que possui solidariedade mundial e um peso gigantesco sobre a sociedade, e que não se abala facilmente com programas e discursos ideológicos ou sucessos eleitorais momentâneos de esquerda44.

O capitalismo tem, sim, a possibilidade de sobreviver às crises e favorecer o desenvolvimento no que diz respeito ao processo de acumulação com a centralização e a concentração do capital. Nesta perspectiva da sobrevivência às crises nada mudou, porque a centralização e a concentração são os elementos "silenciosos", "construtores" e "demolidores" das arquiteturas sociais e econômicas e o que as favorece são as "crises essenciais", como as caracterizadas pela inflação e pelo desemprego45.

Em geral o papel das crises na Europa pré-industrial foi o de fazer desaparecer os pequenos da escala capitalista: "as empresas frágeis criadas num momento de euforia econômica, ou pelo contrário, as empresas envelhecidas – aliviar, portanto, a concorrência, e não a reforçar e concentrar em algumas mãos o essencial das atividades econômicas" 46. Assim sendo, certas atividades econômicas definharam ou desapareceram nas novas "linhas de lucro" que ao mesmo tempo surgiram mais centralizadas e concentradas para salvaguarda dos sobreviventes.

Em que pesem as crises, “o monopólio” ainda "não perdeu seus direitos", apesar de tudo o que se tem dito do capitalismo liberal e concorrencial dos Séculos XIX e XX. O monopólio assume, ainda, uma série de outras formas, como trustes, holdings e as multinacionais norte-americanas, vistas como "sucessos americanos" envolvendo muito dinheiro e triplicando, na década de 1960, o número de suas filiais47.

Segundo Braudel, no início da crise mundial em 1973 havia pelo menos cinco países estrangeiros onde estavam instaladas 187 multinacionais que realizavam algo em torno de

43 Ibid, p. 582. 44 Ibid, p. 581. 45 Ibid, p. 582. 46 Ibid, p. 582. 47 Ibid, p. 577.

33% das vendas totais de bens manufaturados no mercado interno, 50% das exportações, e ¾ dos investimentos externos. Estas empresas - apesar de serem o foco de intensas acusações e objetos de inquérito no Senado norte-americano - "também jogam em qualquer quadro": no quadro industrial jogam "investindo em países com salários baixos"; no quadro financeiro jogam "obrigatoriamente” em função do peso dos seus fundos disponíveis de curto prazo, que, somados, significam mais que o dobro das reservas bancárias controlados pelos diversos bancos centrais e pelas instituições monetárias internacionais, onde, por outro lado, o poder político é de tal monta que, pelos cálculos do próprio Senado, basta um movimento de 2% da liquidez para que provoque “uma verdadeira crise monetária aguda”, e, esperando o pior, ela pode acontecer em qualquer lugar do planeta; e no quadro comercial, enquanto as multinacionais americanas asseguravam apenas 34% da produção nos cinco países em 1971, eram ao mesmo tempo responsáveis por 62% das exportações. Para manter determinadas "liberdades de escolha" criou-se uma série de regras e de cumplicidades "em defesa das multinacionais"48.

O capitalismo contemporâneo, para Braudel, apesar de atravessar por crises e peripécias, já não suscitaria admiração como nos tempos de Marx e já não pode ser visto, como nos tempos de Max Weber e Werner Sombart, como a coroação de sua evolução na sua última fase49.

O que se pode observar aqui é a gênese da definição da idéia força sobre uma concepção do capitalismo contemporâneo e tem a ver, segundo Braudel, com o livro Der

Moderne Kapitalismus de Werner Sombart, publicado em 1902. A partir desta evolução, Braudel propõe que o conceito de capitalismo tem que ser reinserido na "vida econômica" por não ocupar o lugar inteiro dela. Para ele a "palavra capitalismo" surge neste momento com toda a força como “antônimo natural” de socialismo e se diluiu nas discussões políticas daquele início de Século XX50. O mundo se modificou muito profundamente nestes últimos

48 Ibid, p. 577.

49 O consenso na intelectualidade alemã estava sendo demonstrado no novo comitê de redação da Revista Arquivo para a Ciência e a Política Sociais, de Berlim, publicada em 1904, cujas preocupações estavam no “debate político das idéias”, com o consenso se orientando em torno dos critérios para publicação e o conteúdo dos ensaios na Revista. O Comitê era composto por Max Weber, Werner Sombart e Edgar Jaffé, cujo debate transcorria sobre temas centrais de ordem teórico-metodológica abordando questões sobre a “objetividade do conhecimento nas ciências sociais e políticas”. Para maiores detalhes ver “A Objetividade do Conhecimento nas Ciências na Política Sociais”, In: WEBER, Max. Sobre a teoria das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Moraes, 1991. (Título original Essais sur la Théorie de la Science, Plon, 1967). Ver também CHACON, Vamireh. Max Weber: a Crise da Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.

decênios e Braudel argumenta que os pesadelos que pesam sobre a nossa existência são: a "tradição e as gerações anteriores", pois atualmente nenhuma sociedade no mundo tem renunciado à "tradição" e ao "uso de privilégio"51.

Os segredos das estratégias capitalistas estão na vitalidade de sua capacidade de mudança de rumo a qualquer momento uma vez que seus agentes possuem o poder de poder escolher a assumir uma posição social dominante. Esta capacidade de mudança pode acontecer, pois, segundo ele, o "sistema" capitalista pode ser substituído sem atritos numa evolução, mas o seu “substituto” pode muito bem se parecer "como um irmão"52.

Isto se torna possível em função do peso político que possuem os capitais na capacidade de realização de empréstimos, na organização das redes de informações e pelos vínculos próximos entre os seus membros ativos, mas que acabam divididos por obra do jogo da concorrência. Assim, eles criam as regras e as cumplicidades.

Para a ampliação do campo de atuação do capitalismo contemporâneo nos quadros acima descritos, lhes servem todos os setores da economia que possam lhes permitir a penetração ampla da produção, mas podem deixar também importantes volumes de atividades de fora do “sistema” ou, ainda, abandonar determinadas atividades para serem processadas no nível da “economia de mercado”. Esta gira fundamentalmente por conta própria, guiada por "iniciativas de pequenas empresas, ao empenho artesanal e operário, por conta do povo" 53.

As profundas mudanças acontecidas no mundo contemporâneo reforçam ainda mais as estratégias de mudanças da hegemonia e da localização geográfica, e essas “regras e cumplicidades” podem ser observadas como aquela espécie de consenso formando unidades dentro da diversidade de interesses, que se estruturam objetivando organizarem-se para a manutenção dos privilégios e das liberdades de escolha nos grupos capitalistas. Para Braudel, se observarmos os EUA neste contexto como o "país mais avançado do mundo", segundo uma concepção política do tipo de Estado, norte-americano, dentro dele, certamente, pode-se ter bons exemplos de “economia concorrencial”, mas que foram consideradas "obsoleta" por serem vistas como parte do "atraso econômico".

De acordo com Braudel, nove grupos partilhavam sozinhos 80% da produção mundial em meados da década de 1980, e estava havendo um deslocamento do “eixo econômico” do

51 BRAUDEL, 1997, p. 583.

Atlântico para o Pacífico. Isto para ele significava que Nova Iorque “a primeira cidade industrial do mundo” estava sendo debilitada com o deslocamento da economia interna dos EUA para o Sul e para o Oeste, numa espécie de eixo econômico com o Japão, onde a economia-mundo do ocidente está dominando há muito, mas precisa rever suas políticas estratégicas em grande parte do mundo devido justamente às crises instaladas54. Durante os dois últimos decênios que precederam a crise dos anos 70, a cidade de Nova York:

viu declinar uma atrás da outra as minúsculas empresas, muitas vezes com menos de vinte participantes, que eram sua substância industrial e mercantil – o enorme setor da confecção, centenas de tipografias, muitas indústrias de produtos alimentícios, um bom número de pequenos empreiteiros da construção civil... Enfim, um mundo verdadeiramente "concorrencial" em que as unidades se chocavam, apoiando-se também umas nas outras55.

Assim, passa a ser uma prática de "política consciente" a compreensão de que, sendo uma “economia de sobrevivência”, estes pequenos empreendimentos deveriam desaparecer, "deixando na Nova York desertada um vazio irreparável" com a eliminação da pequena empresa. Para Braudel:

a desorganização de Nova York resultou do desaparecimento dessas milhares de empresas que antes, permitiam encontrar na cidade, fabricado localmente, armazenado localmente, tudo o que o consumidor pudesse desejar. Foram grandes empresas que suplantaram, destruíram esse universo em benefício de grandes unidades de produção, fora da cidade. O pão, que antigamente era fabricado por uma velha empresa local para as escolas nova- iorquinas, vem hoje de Jersey56.

Desde a última Segunda Grande Guerra Mundial, também se praticou essa "política consciente" na eliminação das pequenas empresas em vários países europeus, por terem sido consideradas como de "sobrevivência" e portanto no nível do "atraso econômico".

Os EUA incentivavam então regras e cumplicidades para os monopólios e os créditos estavam sempre disponíveis para eles, tendo os bancos recebido ordens de “fechar o crédito” para empresas menores. Esta “ajuda parasitária” do Estado passa a ser, segundo Braudel, a

53 Ibid, p. 578.

54 Ibid, p. 582. O termo economia-mundo foi forjado por ele a partir de um significado especial da palavra alemã weltwirtschaft e envolve “apenas um fragmento do universo, um pedaço do planeta economicamente autônomo, capaz, no essencial, de bastar a si próprio e ao qual suas ligações e trocas internas conferem certa unidade orgânica”. Ou seja, a idéia de Braudel é a de que a partir do exame de um caso particular pode-se deduzir que uma economia-mundo: “é uma soma de espaços individualizados, econômicos e não econômicos" que são por ela agrupados e "representa uma enorme superfície" que por princípio torna-se a "mais vasta zona de coerência" que e se manifesta em determinada época e região do globo e "habitualmente, ela transcende os limites dos outros grupos maciços da história”. (BRAUDEL, 1998, p. 14)

55 Ibid, p. 584 56 Ibid, p. 584.

forma de eliminação destas empresas cujas características consistem de "efetivos minúsculos e uma gestão personalizada" e que se viu declinarem em crises sendo condenadas a vegetar ou desaparecer. Assim os elementos da estratégia capitalista que levam à manutenção dos privilégios e da liberdade de escolha destes grandes grupos corporativos vinculam-se a uma

Outline

Documentos relacionados