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Por outro lado, para John Keneth Galbraith, a moeda utilizada como metal, como artigo de conveniência, é bastante antigo e data de aproximadamente 4.000 anos. Foi Heródoto quem relatou os Lídios como os primeiros a cunharem moedas de ouro e prata no final do Século VIII a.C., entretanto faz uma ressalva dizendo que a Índia, provavelmente, já o havia feito várias centenas de anos antes, inclusive com a divisão decimal151.

149 Ibid, p. 126.

150 WEBER, 1968, p. 222;

Para Braudel, a ratio entre as moedas de prata e ouro “acarreta incessantes e vivos movimentos de um país para outro, de uma economia para outra”, e relata então os choques históricos152 entre os dois metais:

Em 30 de outubro de 1785, uma decisão francesa faz a relação ouro-prata passar de 1 contra 14,5 para 1 contra 15,3 – isto para deter a fuga do ouro para fora do reino.

Em Veneza, tal como na Cicília, no Século XVI e mais tarde , como já disse, a alta excessiva do ouro torna este uma má moeda, nem mais nem menos, que expulsa a boa, segundo a lei chamada Greshan. A boa, no caso, é a prata, então necessária ao comércio e ao levante.

Na Turquia, notam essa anomalia e, em 1603, chega a Veneza uma quantidade de zecchini, moedas de ouro, que se trocavam com vantagem, dadas as cotações da praça.

Toda a idade média monetária, no Ocidente, viveu sob o signo do jogo duplo do ouro e da prata, com solavancos, reviravoltas, surpresas que a modernidade ainda conhecerá, mas em menor grau153.

Assim, para Braudel, no plano particular das moedas nas economias, elas estiveram fortes e fracas, jogavam-se umas contra as outras e acabavam definindo uma diferenciação social importante em sua “forma trimetalista”, com suas divisões e flutuações contínuas, pois:

os ricos são praticamente os únicos que manejam largamente e conservam na sua posse as moedas de ouro e prata, ao passo que os humildes nunca têm na mão mais do que moedas de bilhão e de cobre.

Ora, essas moedas jogam umas contra as outras, como jogariam, justapostas numa economia, moedas fortes e moedas fracas entre as quais se pretendesse manter artificialmente uma paridade fixa – operação impossível, a bem dizer.

As flutuações são contínuas. Com efeito, no tempo do bimetalismo, ou melhor, do trimetalismo, não há uma, mas várias moedas. E são hostis umas às outras, opostas como a riqueza e a penúria154.

Na Inglaterra, segundo Weber, o "padrão ouro" foi implementado durante a primeira metade do Século XVIII contra a vontade dos legisladores; e o pouco tempo na exploração do “ouro brasileiro” fez com que a situação na Inglaterra se invertesse ao adotar o padrão ouro em relação ao da prata:

desde o descobrimento de ouro no Brasil, este metal afluiu à Inglaterra, em proporções crescentes; e o padrão paralelo criou embaraços, cada vez

152 Para uma leitura sobre as leis de estrutura do regime senhorial até a grande crise dos Séculos IX e X, comparando as várias formas de realização do regime sob diferentes períodos e zonas ocupando-se dos aspectos decorrentes do problema do poder, ver: BERNARDO, João. Poder e Dinheiro – do poder pessoal ao estado

impessoal no regime senhorial, Séculos V - XV- parte I. Porto, Portugal: Edições Afrontamento, 1995. 153 BRAUDEL, 1998a, p. 374.

maiores, ao governo inglês. (...) As quantidades de metais preciosos extraídos do México e na América do Sul são estimados, no período compreendido entre 1493 a 1800, em, mais ou menos 21/2 milhões de quilogramas de ouro. (...) Se o ouro caia de preços, a quantidade de moedas cunhadas neste metal aumentaria, enquanto que a prata era fundida, ameaçando, ao mesmo tempo, a sua circulação155.

As “descobertas” das minas brasileiras e a “expropriação” das riquezas dos povos pré- colombianos pelos “saques sucessivos”, puseram em movimento um enorme fluxo de metal fundido que acabou reduzindo os preços dos metais e elevando os preços das mercadorias.

Para Galbraith o resultado da grande elevação dos preços resultou numa "inflação ocasionada por um aumento da oferta do melhor tipo de dinheiro de boa qualidade" 156.

A expansão dos meios de pagamento, com a ampliação da emissão e do fluxo de moedas de ouro e prata, gerou um contexto de inflação elevada tendo como causa o aumento na oferta do ouro devido ao aumento da quantidade do metal. Por outro lado, o cenário da conjuntura mostrava uma Inglaterra ocupando a posição de principal nação mercantil e potência naval do mundo. Possuia elevada capacidade de mobilização de recursos para a manutenção de suas colônias, com volumosas quantias para a “assistência financeira” aos seus aliados nas conquistas, além de estar coligada numa guerra contínua contra a França Revolucionária, sendo o custo desta guerra suportado literalmente a "peso de ouro".

Segundo Paul Singer, o governo Inglês não resistiu à pressão da demanda bélica por empréstimos e subsídios externos excedendo-se na emissão de notas inconversíveis do Banco da Inglaterra. Por isso, "o custo elevado dessa extensa atividade bélica pesava sobre o erário público, o que acabou por suscitar problemas monetários", que geralmente acontecem em épocas de guerra. Neste caso, "os preços começaram a subir e a libra-papel passou a valer menos, em ouro, do que previa a disposição legal que fixava o conteúdo metálico da libra- moeda" 157.

A partir de 1792 tornaram-se dominantes as discussões sobre as políticas monetárias, devido à queda dos preços do ouro, e os círculos acadêmicos e intelectuais tentavam dar conta do debate sobre este fenômeno que relacionava moeda e preços procurando criar as teses

155 WEBER, 1968, p. 230.

156 GALBRAITH, 1977, p. 11.

157 SINGER, Paul. Apresentação. In: RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. XIV.

básicas e necessárias para o entendimento do fenônemo e orientação estratégica ao mundo das finanças.

Para Galbraith, a tese de David Ricardo dominava e em sua proposição afirmava que os preços, em sua forma mais elementar, variavam em relação direta à variação da quantidade de moeda em circulação, permanecendo outros fatores constantes, o que o levou a formulação de uma "Teoria Quantitativa da Moeda" 158.

De acordo com Singer, Ricardo, já um banqueiro, intelectual e político, marcou sua estréia nesta temática em 1809 quando publica anonimamente seus pontos de vista numa "carta ao leitor" no Jornal diário de Londres Morning Chronicle, a pedido do proprietário. Para Singer, esta manifestação anônima de Ricardo desencadeou uma série de debates sobre as controvérsias econômicas relacionadas a preços e inflação e ele interveio por mais duas vezes. Naquele mesmo ano, Ricardo desenvolveu suas idéias de forma mais completa e extensa e as publicou no ano seguinte num panfleto dando uma prova da depreciação das notas bancárias com o alto preço do ouro. O impacto político foi tão grande que repercutiu diretamente no Parlamento, com a Câmara dos Comuns formando um Comitê do ouro (Bullion Committee) para investigar as causas da elevação do seu preço.

O assunto na pauta do debate era a inflação e, segundo Singer, o Relatório deste comitê dava razão às teses de Ricardo. Assim, com sua famosa teoria quantitativa da moeda, ao analisar o efeito do crescimento do volume dos meios de pagamento sobre os preços, Ricardo formulou uma teoria que fundamentava ainda algumas outras teorias monetárias. O que ele fez foi atribuir à alta dos preços, e particularmente do preço do ouro, exclusivamente ao excesso de emissão de notas inconversíveis do Banco da Inglaterra, pois o governo Inglês não resistiu a pressão da demanda de empréstimos e subsídios externos.

As teses de Ricardo estabeleceram também as regras do que se convencionou chamar de "padrão ouro". Segundo Singer, demonstrava que "em condições de liberdade de comércio internacional, se todos os países utilizarem moeda plenamente conversível, o volume de moedas se distribuirá entre eles de tal modo que em cada um o nível de preços será praticamente constante (em termos do referido metal)". E conclui Singer: a celebração de Ricardo ao automatismo "auto-regulador" do mercado, no qual o governo não deveria interferir, demonstra que "no fundo, a postura de Ricardo é política", pois mesmo que se

158 GALBRAITH, 1977, p. 12.

entregasse à diretoria do Banco da Inglaterra, ou a uma autoridade qualquer, o “poder de emissão de moeda de curso forçado” e que não fosse conversível ou ouro, ou prata ou qualquer outra mercadoria, por uma “taxa fixa”, seria fatal que houvesse “abuso desse poder” em “detrimento do valor da moeda e portanto dos seus possuidores” 159.

As teses de Ricardo prenunciaram, portanto, as atitudes de caráter "monetarista" que se tornaram clássicas, e são, segundo Kregel, revisitadas até os dias de hoje nos debates acadêmicos, intelectuais e no mundo das finanças160. Este sistema do padrão-ouro de câmbio prevaleceu até a I Guerra Mundial, quando se debilitou o poder financeiro e político do Reino Unido e o dólar norte-americano entrou no período de pós-guerra com uma paridade em relação ao ouro superior à da libra esterlina. Como visto, detinha os EUA a metade do ouro do mundial sendo o dólar a única moeda ainda verdadeiramente conversível por um determinado peso em ouro; o país era, também, o principal produtor de trigo, carvão e aço.

Para atingir este patamar e reinar hegemônico na condição do padrão-ouro, o que se observa é que foi no contexto inicial da implementação deste padrão e da crise inflacionária com a expansão monetária do ouro e da prata que, em 1782, o presidente norte-americano Thomas Jefferson submeteu oficialmente ao novo país, pela primeira vez, uma unidade monetária denominada Unit, ou dollar - aquele mesmo derivado do pillar e do thaller. A moeda tornou-se uma unidade monetária oficial por decisão do Congresso dos EUA em 1785, e nasce aí uma das bases estruturais do capitalismo norte-americano. Lembrando a máxima de Braudel, neste momento um "novo jogo embaralha as cartas, privilegia algumas raras pessoas, lança outras para o lado da má sorte”, e esta sociedade que nasce “tem de arranjar uma pele nova”; e abrindo suas portas à moeda, perde o equilíbrio que possuía, libertando forças que “deixa de poder controlar” 161.

159 SINGER, 1982, p. XV.

160 KREGEL, 2006, op. cit. 161 BRAUDEL, 1997, p. 401.

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