• Nenhum resultado encontrado

uma história que quer ser escrita a partir das maiorias esquecidas e oprimidas.324

Partindo do princípio de que a História é escrava da trajetória do

historiador que se encontra no território gerenciado pelos seus pertencimentos, acessibilidades e penetrabilidades às fontes que julga lícitas, além dos marcos conceituais com os quais vai operar em seu empreendimento na produção histórica, também escrava do conhecimento e da tecnologia existentes numa

321 Veja site CEHILA-USA: <http://www.latinoreligion.com/index/mn25099/CEHILA_USA>.

Acesso em: 15/04/2007.

322 Veja ANEXO I ao final da tese, que descreve com detalhes as duas conferências gerais. 323 Veja ANEXO II ao final da tese, que traz um resumo de cada Simpósio realizado, para se ter

a idéia de como os temas foram se desenvolvendo e sendo objeto de diálogo e tensões dentro de CEHILA.

324 BEOZZO, As Américas negras e a História da Igreja: questões metodológicas. In: CEHILA,

determinada época, 325 será preciso avançar um pouco mais na descrição de elementos fundantes e no ideário do empreendimento dussel-cehiliano, apresentando o que foi um dos pilares matriciais da construção da “História Geral”, que ficou conhecido como “Criterios del proyecto que promueve la Comisión de Estudios de História de la Iglesia em America Latina (CEHILA)”, que foram elaborados no 2º encontro de CEHILA, que ocorreu na cidade de San Cristobal de las Casas, Chiapas, México, entre os dias 9 a 12 de junho de 1974. Chiapas foi o berço da diocese onde foi bispo Bartolomé de las Casas. Por ser um dos principais documentos que fundamentou este projeto, julguei importante inseri-lo integralmente aqui para depois elaborar um comentário sobre eles:326

1. Pressuposto metodológico: A História da Igreja reconstrói a vida da Igreja conforme a metodologia histórica. É uma ocupação científica. Porém ao mesmo tempo a História da Igreja inclui como momento constitutivo da reconstrução do fato histórico a interpretação à luz da fé. É uma ocupação teológica.

2. Pressuposto teológico: Se entende teologicamente a História da Igreja na América Latina como a História do Sacramento de Salvação entre nós: a Igreja como instituição sacramental de Comunhão, de missão, de conversão, como palavra pofética que julga e salva, como Igreja dos pobres. Ainda que todos estes aspectos são expressões vivas de um só Corpo, nos parece que é mais conveniente por razões evangélicas, históricas e exigências presentes, prestar especial atenção em nosso enfoque histórico ao pobre. Porque na América Latina a Igreja se tem

325 Sobre isso veja MARROU, H. I. Les étapes sucessives de l’élaboration de l’histoire. In :

SAMARAN, Charles (org). L’Histoire et ses méthodes. Paris : Gallimard, 1967, p. 1501ss. Veja também GONDRA, José G. h=P/p : reflexões acerca das servidões da História. Artigo avulso, disponível em: <http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A12GONDRA.htm>. Acesso em: 30/04/2005.

326 Em geral o texto dos 10 critérios figuram no original em espanhol na literatura de CEHILA. A

tradução dos dez critérios para o português foi feita por mim e o texto original dos criterios está no ANEXO VII e aparece em Critérios del Proyecto que promueve la Comisión de Estudios de Historia de la Iglesia en América Latina (CEHILA). In: CEHILA, 1976. p. 199-200. O texto dos critérios (em espanhol) aparece também em BEOZZO, 1998, p. 41,42. Dussel faz um comentário aos principais critérios em HG, p. 85-87.

encontrado diante da tarefa de evangelizar aos pobres (o indígena, o negro, o crioulo, o povo e sua cultura, etc.)

3. Ecumênico: O projeto de CEHILA se realiza em espírito ecumênico com participação de católicos e protestantes na elaboração da obra. 4. Latinoamericana: Porque todas as realidades eclesiais da América

Latina serão levadas em conta sem se importar com a língua ou a diversidade cultural das regiões estudadas dentro das quais a Igreja se tem feito presente. Conseqüentemente, incluirá a presença da Igreja entre os latinoamericanos nos Estados Unidos e Canadá.

5. Destinatários: A obra se dirige não apenas ao historiador erudito, mas também deseja servir ao homem contemporâneo: ao cristão comprometido por sua fé na Igreja, leigo, estudante, professor, líder, agricultor (trabalhador rural), obreiro, presbítero, pastores, etc. e a todo aquele que queira informar-se sobre a vida da Igreja.

6. Trabalho em equipe: CEHILA trabalha em equipe. Para tanto promove a realização de encontros latinoamericanos e regionais. Com a presença de peritos noutras disciplinas se fomenta o diálogo interdisciplinar.

7. Liberdade: CEHILA é uma comissão juridicamente autônoma. É livre em seu trabalho. Os compromissos que assume, os assume por si mesma em função do serviço.

8. Com conteúdos estabelecidos: no exame dos materiais e fontes históricas e a reconstrução do fato histórico, os autores prestaram a atenção a diversas categorias de conteúdos elaborados por CEHILA considerando as possibilidades temáticas de investigação.

9. Extensão da obra: a História da Igreja abrangerá o período de 1492 até nossos dias.

10. Consciência das limitacões: em virtude dos critérios anteriores e em razão das limitações inerentes a todo labor de reconstrução e interpretação históricas, a obra constituirá sempre uma aproximação ao

fato da presença da Igreja na América Latina. Não pretendemos, portanto, esgotar outros caminhos que oferecem também valores razoáveis, favoráveis e positivos.

Os dois primeiros critérios procuram demonstrar que a História dussel-cehiliana tem, ao mesmo tempo, caráter científico e teológico. Tema com que Dussel vem se debatendo desde a formulação de “Hipótesis” e mais definido acuradamente na “História Geral”. Ele pretende debater com os historiadores europeus que a verdadeira História da Igreja só pode ser escrita a partir de fundamentos teológicos. Mas, isso não significa que a História deixa de ser científica.327 Mas também o primeiro critério aponta para a reconstrução da mesma História da Igreja à luz da fé, por isso mesmo é uma ocupação teológica antes de ser histórica. É assim que temos em Dussel uma “outra’” História da Igreja e não meramente uma História.

No segundo critério, temos a Igreja como uma instituição sacramental da Comunhão, da conversão como palavra profética que julga e salva. É, portanto, a Igreja um meio de graça de Deus ao mundo, mas é uma Igreja dos pobres. Como meio de graça ela é instrumento de Deus dirigido ao mundo, é por intermédio dela, e somente dela, que o mundo receberá a graça de Deus. O pobre, neste caso, é ponto de partida e de chegada da salvação. O pobre, portanto, é o lugar hermenêutico por excelência da História da Igreja. É por intermédio dele que a realidade da vida tem de ser tomada para que a História da Igreja possa ser escrita. Ele é a fonte da verdade, para Dussel- CEHILA.

O terceiro critério indica que o projeto tem um espírito ecumênico. Neste momento há apenas a indicação da participação de católicos e protestantes, portanto, ainda no círculo cristão, para mais tarde, ampliar o conceito ecumênico para interconfessional incluindo a visão de História das Religiões.328

327 Este assunto foi discutido no capítulo anterior e ainda será discutido neste capítulo dentro

desta fase do pensamento histórico dusseliano.

O quarto critério indica outra fundamental diferença nesta “outra” História, indicando que ela não seguirá os “cânones” eurocêntricos para interpretar a realidade, mas as realidades eclesiais e locais da América Latina. Seja por isso, seja pelo pobre como eixo hermenêutico, é uma história escrita “de baixo”,329 do porão ao sótão, em contraposição à história escrita “de cima” eurocêntrica, do sótão ao porão.

O quinto critério tem a ver com os destinatários da obra que vai ser produzida, que é múltiplo indo desde ao erudito até ao homem simples, embora esse último alvo tenha sido conquistado mais pela lavra de Eduardo Hoornaert e Maximiliano Salinas (CEHILA-Popular e História Mínima), uma vez que os volumes da “História Geral” acabaram saindo mais com “cor acadêmica”.

O sexto critério fala tanto do trabalho em equipe, sempre almejado por Dussel, quanto da origem dessa equipe – América Latina –, como do diálogo interdiciplinar, fomentando a presença de peritos em outras disciplinas além da História.

O sétimo critério volta a uma questão que surgiu desde a origem de CEHILA tocando em sua autonomia para promover a liberdade de trabalho à causa do pobre na América Latina.

O oitavo critério tem a ver propriamente com a operação histórica propriamente dita, pois toca no exame dos materiais e fontes históricas e com a reconstrução – e isso é um grande objetivo de Dussel-CEHILA – do fato histórico. Aqui a indicação aponta para as diversas categorias dos conteúdos indicados pela CEHILA como seletora dos temas da investigação para o historiador.

O nono critério tem a ver com o recorte temporal da “História Geral” que deverá vir desde o “en-cobrimento” em 1492 até aquela época. Aqui é para se perguntar por que Dussel fala que o primeiro pobre é o índio, por ter sido negada a sua vida, cultura, e a História da Igreja só deve vir após 1492?

Não deveria também ser incluída a época anterior a isso, mas sem ser uma “pré-história”, já que o índio existia na América antes mesmo do seu “en- cobrimento”. Suess também faz essa crítica ao afirmar que antes da conquista

não há pré-história, mas história e etnohistória que é história no sentido pleno da palavra. Portanto, o início da história dos chamados povos latino- americanos não coincide com a conquista.330

Por fim, o décimo critério indica o necessário apontamento para as limitações que um empreendimento desse porte possui. Este critério deixa aberta a porta para que o empreendimento nunca se conclua, mesmo porque a História ainda está sendo vivida e precisa ser escrita.