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[...] a história apenas existe em relação às perguntas que lhe fazemos.84 Dussel não era um intelectual isolado em sua mesa de trabalho ou preso à rotina docente da cátedra. Era um pesquisador com a epiderme sensível à temperatura sócio-cultural, econômica, política no ambiente em que vivia a cada momento, mas em especial, sensível ao ambiente da América

81 Esta expressão também é utilizada por Wirth para descrever a História dussel-celhiliana.

WIRTH, 2001, p. 28.

82 Sobre isso veja o artigo de Alípio Casali in: LAMPE, 1995, p. 229-261. 83 BEOZZO, 1995, p. 13, 15.

Latina. Seus sentidos funcionavam como esponja capturando tudo o lhe que vinha à frente. Sua mente sondava e perscrutava todos os dados capturados para proceder a um processo de análise seletiva com vistas a integrar as informações que subsistissem ao seu processo crítico, em seu arcabouço sistêmico. Essa aproximação com contexto histórico, político, econômico e sócio-cultural trazia um fermento agitador em sua produção, promovendo considerável influência em sua agenda de preocupações temáticas, produzindo um nexo causal em sua pesquisa e sistema.

Dussel era um homem repleto de perguntas, especialmente as

que eram fertilizadas pela deplorável situação dos pobres e oprimidos na América Latina. Era um homem de perguntas, mas demonstrava sua inquietude em busca das respostas necessárias para semear esperança no Outro oprimido – eixo motriz, não apenas de suas reflexões, mas de seu projeto de vida. Para Dussel o indivíduo não era meramente um objeto de pesquisa, era um ser concreto, assim seus dilemas, seus problemas, seu sofrimento, por isso, não bastavam às perguntas, ele demonstrou que era preciso percorrer o caminho em busca das respostas. Portanto um homem de perguntas, mas muito mais de respostas. Neste sentido, contrapondo em parte à frase de Veyne acima, para Dussel a História só se faz partindo de perguntas, mas prosseguindo em direção às respostas necessárias para oferecer esperança ao Outro pobre e oprimido, um sujeito concreto com dilemas concretos que carece de esperança (resposta) concreta.

Ao longo de sua vida, a América Latina sofre considerável efervescência em praticamente toda a sua extensão territorial, que acaba também influenciando-o. Nesse sentido, é possível destacar o populismo, a teoria do desenvolvimento e a teoria da dependência.85

85 Foge do escopo deste trabalho fazer uma análise pormenorizada dos três modelos político-

econômicos e suas variadas compreensões ao longo do tempo que serão a seguir apresentados.Para um aprofundamento no assunto indicamos a tese de VILLA, 1993, onde também é possível encontrar vasta bibliografia sobre estes três tópicos. Sobre isso veja inclusive interessante estudo de história comparada envolvendo o Brasil e a Argentina in: FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina – um ensaio de história comparada (1850-2002), São Paulo: Editora 34, 2004. Sobre o populismo veja ainda FERREIRA, Jorge (Org.) O populismo e sua história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Veja ainda o importante artigo de GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. In: Revista

Desde 1930 o populismo foi uma forte marca nesse período na América Latina e, em especial, com o peronismo argentino, muito bem conhecido por Dussel, que até o apoiou por um tempo, mas depois foi por ele perseguido, conforme já mencionei há pouco. É possível lembrar o movimento populista de Irigoyen ocorrido desde 1918 na Argentina e depois assumido por Juan Domingo Perón; mas temos também Getúlio Vargas no Brasil, que assumiu o poder em 1930, Cárdenas no México a partir de 1934.

O populismo na América Latina se acentua na ocasião da 2ª Guerra Mundial com a união dos aliados ocidentais da Guerra, especialmente após a invasão russa entre os nazistas no início da década de 40, mobilizada pelos capitalistas norte-americanos a ponto de trazer dificuldades aos partidos comunistas, surgindo inclusive movimentos anticapitalistas e anticomunistas. Villa menciona que os movimentos populares reagiram por um lado ante o

capitalismo imperialista anglo-saxão e ante o imperialismo comunista, por outro lado. Estamos na denominada ‘terceira via’, ante a qual reagirá Dussel a partir da década de 1980.86

Ainda que o populismo tentasse trazer equilíbrio entre as variadas forças político-sociais dos países, promovendo uma conciliação superadora das classes sociais, dependeriá do centro de poderio econômico – Estados Unidos (para os capitalistas) e Rússia (para os comunistas). A burguesia populista em cada país, portanto, se tornava impotente para conquistar a libertação econômica, vivendo sob o manto de um neo-colonialismo. Desse cativeiro germinava uma cadeia de desconforto e intranqüilidade nos segmentos de esquerda da América Latina, entre eles Dussel. Ao lado da inquietação pela dependência econômica ao centro, ainda inquietava esses

Tempo/Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, v. 1, n. 2, p. 31-58. dez. 1996. E ainda CERVI, Emerson Urizzi. As sete vidas do populismo. In: Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 17, p. 151-156, 2001. Para especialmente sobre a Teoria do Desenvolvimento veja: QUIJANO, Aníbal, El fantasma del desarrollo em América Latina In: Textos para discussão 16/2005, São Paulo: PUC-SP – Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política. Para especialmente sobre a Teoria da Dependência veja MANCE, Euclides André, “América Latina, Dependência e Globalização”, texto disponível em: <http://www.milenio.com.br/mance/America.htm>. Acesso em 28/03/2006.

segmentos a desesperança de que se conseguisse levar cada país sob o jugo populista ao patamar democrático com a participação do povo nas decisões estratégicas dos países. O movimento de inquietação ia tomando lugar nas classes dos trabalhadores e dos homens do campo. Duas alternativas se mostravam diante desse cenário: (1) desenvolvimento dependente; ou, (2) libertação por meio da revolução. Mas, resistentemente, o movimento populista levava a economia latino-americana a se internacionalizar, em contrapartida crescia a dependência ao centro mundial, pois fomentava a “aliança para o progresso”,87 o desenvolvimento econômico-industrial, mesmo com a sacrifício da liberdade e autonomia.

Diferentemente dos movimentos populares que surgem de baixo para cima, o populismo é criado e funciona de cima para baixo, exigindo liderança influenciadora ou carismática que mobiliza os variados segmentos políticos de um país, tais como a burguesia nacional e as classes populares que ficam confinadas em partidos, sindicatos ou qualquer outro movimento necessário para se conseguir o desenvolvimento econômico, circundados, na América Latina, seja pelo socialismo, seja pelo capitalismo. O líder se mostra como um “Big Brother”88 que busca a conciliação entre as classes contrárias, entre a burguesia e o proletariado ou classe trabalhadora. Mas também é importante o papel das forças armadas para prover o apoio necessário e suficiente ao movimento. Villa destaca que os intelectuais e as classes médias

normalmente se situam numa posição crítica.89

87 A “Aliança para o Progresso” foi um programa de ajuda econômica e social promovido pelos

Estados Unidos para a América Latina entre os anos de 1961 e 1969, quando foi extinto pelo Presidente Richard Nixon. O programa teve origem com o Presidente John Kennedy, em 13 de março de 1960, quando discursava, na Casa Branca, aos embaixadores latino- americanos. Projetou-se um investimento de cerca de 20 milhões de dólares americanos para o projeto que viria em grande parte dos Estados Unidos, mas também de organizações internacionais, empresas privadas, da Europa. A proposta foi apresentada em agosto daquele ano ao Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) da OEA, que foi rejeitada apenas por Cuba.

88 A expressão "Big Brother" (Irmao Maior, ou Grande Irmão) vem do livro de George Orwell,

1984. Big Brother. No livro, o “Big Brother” é representado pela figura de um homem fictício, que teria o papel de vigiar o povo de um país e governá-lo despoticamente de modo a manipular o pensamento da população. Aqui neste texto indicamos a idéia do “Grande Irmão” que tem em suas mãos os “segredos” e respostas para a nação, uma espécie de “pai-da- pátria”.

O poder de influência do líder populista é tão importante que em muitos casos o movimento gerado pela sua liderança acaba sendo adjetivado pelo seu nome, tal como o Peronismo (Argentina), Varguismo (Brasil), Cardenismo (México). Isso tudo indica que há no sistema populista um senso ambíguo em termos ideológicos de modo que se torna difícil o mapeamento de seus contornos ideológicos.

Em reação aos movimentos populistas nos países latino- americanos, foram assaltados pelas ditaduras militares que colocam fora do poder os líderes populistas e entra a “era do ferro”. As reações foram variadas em cada país, mas mais uma vez a população e os países passam pela dominação. A pobreza se acentua ultrapassando a margem das classes sociais mais baixas e alcançando uma parte da classe média, pequenos comerciantes e profissionais liberais. Os regimes militares vão sendo forçados a realizar aos poucos um processo de transição para governos democráticos.

Esse fermento do populismo acaba influenciando Dussel, especialmente no seu período prévio ao exílio mexicano. A linguagem de nosso

filósofo, nesta época, se presta com facilidade aos equívocos de uma terminologia que marca suas concreções definitivas e isto fica marcado no interior de um pensamento que busca sua própria sistematização.90

A teoria do desenvolvimento foi outro ingrediente germinador de reflexão e comoção em Dussel. Num texto publicado em 1986 ele lembra que o

pobre era o ponto de partida hermenêutico, o lugar ‘desde onde’ a práxis cristã da comunidade se iniciava (ortopráxis), era o mesmo pobre o término ‘ex quo’ do novo discurso. Porém para isso era preciso saber quem era, como chegou a ser pobre, quais eram as estruturas de pecado que pesavam sobre ele.91 Portanto, não basta saber que o pobre existe, que ele seja até um eixo hermenêutico,92 é preciso considerar como ele chegou a ter a condição de pobre, ou como ele deixou de possuir oportunidades de modo a mantê-lo nessa condição.

90 Ibid., p. 77.

91 EC, p. 246. As aspas são de Dussel (no texto original estão em itálico).

92 Os termos “eixo epistêmico” e “eixo hermenêutico” se equivalem nas discussões dussel-

Dussel e a Teologia da Libertação tinham como prioridade em sua agenda temática o questionamento radical dos modelos econômicos e desenvolvimentistas vigentes na década de 60 que explicitavam os interesses especialmente dos Estados Unidos num movimento centro-periferia em relação à América Latina. O desenvolvimentismo, ou teoria do desenvolvimento, exposta pelos norte-americanos em 1955, procurava aplicar aos países subdesenvolvidos um modelo econômico que já havia sido aplicado em outras nações subdesenvolvidas (e.g. milagre da reconstrução da Alemanha, do Japão) e que, por esse modelo, haviam se tornado nações desenvolvidas e modernas. Sua hipótese básica pressupunha uma espécie de relação causa-

efeito: realizando determinadas reformas econômicas, se produziria inevitavelmente o desenvolvimento econômico. Para isso, se pensa que seria necessário adotar uma tecnologia competitiva, que, supostamente, viria dos países do Norte, do centro. 93 Em outras palavras a teoria era do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, mas a práxis era da dependência aos países do Norte. O pobre iria continuar sendo pobre da mesma forma.

Dussel indicava que, com o esgotamento do modelo populista, que havia se iniciado na América Latina na década de 30 e o surgimento dos golpes militares que estavam tomando conta do cenário, havia necessidade de se reorientar os países latino-americanos dependentes a um novo modelo. Contra o nacionalismo populista que estava se atenuando, era proposta uma interdependência, e ainda contra a autonomia industrial de cada país era proposta a importação de capital estrangeiro, especialmente norte-americano e tecnologia dos países aliados do centro econômico mundial, surgindo a implantação das empresas multinacionais e o militarismo tecnocrático brasileiro com o governo do Marechal Castelo Branco e na Argentina com Ongania.94

É nesta ocasião que Dussel está retornando à Argentina, depois de 10 anos afastado em seu “exílio de estudos”. Aí ele se coloca imediatamente em

93 VILLA, 1993, p. 78.

94 DCCL, p. 75. A palavra “multinacionais” no texto de Dussel é substituída por “transnacionais”.

Uma observação: não estaria acontecendo hoje a mesma coisa, indicada por Dussel na década de 70, com a guerra do Iraque e o acesso ao mundo árabe-muçulmano?

contato com seus antigos amigos para tomar conhecimento da situação concreta do país e do continente.95 Vamos lembrar que ele havia passado pela sua “conversão”96 ao pobre como eixo hermenêutico com a experiência vivida com Paul Gauthier em Nazaré, e, portanto, sedento em viver e disseminar suas descobertas em sua terra natal. Para Villa, é nesta ocasião que Dussel deixa a sua etapa “ontológica”97 em que

seguia os passos de Heidegger e sua ontologia, tentando ir mais além desta ideologia dominadora [...] também é o momento da construção das primeiras obras da Teologia da Libertação latino-americana [...] que brotou nessa enxurrada, fazendo frente comum contra estas estruturas opressivas dos povos latino-americanos [...] em Dussel nos encontramos com uma concepção pejorativa e terrivelmente crítica do que é o ‘desenvolvimento’.98

Ao fim o desenvolvimento não aconteceu, em vez disso, houve

um vazamento de riqueza latino-americana em favor das empresas multinacionais e dos países do centro econômico mundial mantendo o alinhamento separador entre os ricos e os pobres.

Temos ainda a teoria da dependência como mais um dos ingredientes que fermentaram o pensamento dusseliano e da Teologia da Libertação. Neste caso a dependência de que trata essa teoria pode ser definida como

95 PLFL, p. 17.

96 Nomeio aqui “primeira conversão ao pobre” a experiência com Gauthier.

97 Temos aqui com a leitura de Lévinas, que depois vai ser superada, o que podemos chamar

de segunda conversão dusseliana ao pobre (Outro). Vide PLFL, p. 13. Nas palavras do próprio Dussel, ele acorda de seu sonho ontológico heideggeriano e hegeliano. Vale a pena indicar a citação no próprio texto original de Dussel, neste momento de sua segunda conversão:

Sin embargo, el que permitió, alguien siempre da el dispar cuando se está preparando, y ‘me despertó del sueño ontológico’ (heideggeriano y hegeliano) fue un extraño libro de Emmanuel Lévinas Totalidad e Infinito. Ensayo sobre la exterioridad (que un discípulo lo acaba de traducir al castellano y editar en Sígueme, Salamanca). Esta obra del primero y más grande de los fenomenólogos franceses (ya que con veinticuatro años fue alumno de Husserl y Heidegger en Freiburg, y que en su tesis de 1929 critica ya al Heidegger de Sein und Zeit, y que traduce personalmente para Husserl sus Meditaciones cartesianas para sus conferencias en París en 1930) me permitió encontrar, desde la fenomenología y la ontología heideggeriana, la manera de superarlos. La ‘exterioridad del otro’, el pobre, se encuentra desde siempre más allá del ser.

uma situação em que certo grupo de países tem sua economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra economia. A relação de interdependência entre duas ou mais economias, e entre estas e o comércio mundial, assume a forma de dependência quando alguns países (os dominantes) podem expandir-se e auto-impulsionar- se, ainda que outros (os dependentes) só o podem conseguir isso como reflexo dessa expansão, que pode atuar positiva ou negativamente sobre seu desenvolvimento imediato. De qualquer forma a situação básica de dependência conduz a uma situação global dos países dependentes que os situa numa situação de atraso e sob a exploração dos países dominantes.99

Já notamos a falha da teoria desenvolvimentista, mesmo porque

se mostra com clareza que o subdesenvolvimento não antecede o desenvolvimento, mas que, pelo contrário, é uma conseqüência do desenvolvimento de uns países enquanto que se cimenta o subdesenvolvimento dos outros [...] que teve como conseqüência direta a pobreza dos latino-americanos considerados como um exército de reserva nos “fundos do quintal” (leia-se América Latina) dos Estados Unidos.100

Tanto a teoria do desenvolvimento quanto a da dependência se apresentam como novas formas de colonialismo – um neocolonialismo imperialista.

O período da dependência da América Latina pode ser situado entre 1950 e 1973, assim após o término da II Grande Guerra, quando se buscava superar as tensões e a redefinição das fronteiras na Europa. Os Estados Unidos oferecem a alguns países europeus o Plano Marshall a partir de 1947, com a promessa de que os países beneficiários não se lançassem ao socialismo, nem a experimentos que viessem a colocar em risco o modelo capitalista defendido pela política norte-americana. Estados Unidos e Rússia, dois países fortalecidos econômica e militarmente após a Guerra, se lançam a uma obra expansionista econômica em direção aos países chamados de Terceiro Mundo. Aos países periféricos é oferecido o apoio para o crescimento industrial, mas ao custo de oferecer matéria–prima aos países do centro econômico mundial a preços reduzidos por eles impostos, concretizando, portanto, um estado de dependência do centro cultural, político, econômico mundial, produzindo um comportamento nacional manipulado pelos interesses

99 SANTOS, Theothonio dos. La crisis de la teoría del desarrollo y las relaciones de

dependencia en América Latina. In: La dependencia político-económica en América Latina, México, 1969. p. 180 apud VILLA, 1993, p. 105.

das empresas multinacionais e produzindo uma empobrecida distribuição de riqueza de modo a ser concentrada nas mãos de poucos e aumentando o nível de pobreza na América Latina.

É preciso lembrar que esse período foi marcado também pelo totalitarismo assumido pelos governos militares e pelo crescente nível inflacionário que aumentava ainda mais o estado de pobreza nos países latino- americanos e o nível de dependência aos países do centro. Para Villa o

chamado ‘relatório Rockefeller’ [...] é uma das expressões máximas do imperialismo norte-americano sobre os países latino-americanos, considerados uma espécie de dispensa ou quintal [...] dito informe se propõe ‘invadir’ economicamente a América Latina, pondo-se como objetivo uma penetração econômica, tecnológica, comercial, cultural, etc.101

A reação de Dussel a essa situação é clara, pois para ele o que

se tem são os seguintes objetivos: acampamento de governos, acampamento

de forças armadas, acampamento de setores econômicos, acampamento de setores sindicais, acampamento de setores populares e ameaça constante pela força.102 Assim, instala-se uma tensão entre libertação do oprimido “versus” a dependência imposta pelo neo-colonialismo norte-americano. Segundo Rubio Cordón esta polarização que gera a tensão entre riqueza miséria na América Latina pode ser compreendida sob quatro aspectos:

1) A periferia dependente se organiza política, econômica, cultural e socialmente não em seu próprio benefício, mas em proveito do centro dominante. "O país periférico não existe mais 'para si': é um país 'para outro’";

2) O sistema de ‘dependência’ torna o centro cada vez mais rico, ao custo do empobrecimento cada vez mais da periferia;

3) Ainda que nos países do Norte as diferenças entre as classes sociais esteja se igualando ‘relativamente’, em pautas de consumo, nos países do Sul as diferenças entre os níveis de vida entre as classes ricas e as pobres, é cada vez maior. Ainda que isto também cabe a que digamos semelhantemente entre as classes mais ricas do Norte e os bolsões de pobreza, os "desperdícios humanos" ao que chamamos de Quarto Mundo;

4) A adição destes dois movimentos: (1) separação entre países ricos e pobres ou empobrecidos e enriquecidos; e, (2) distanciamento entre as classes sociais, faz com que o poder aquisitivo dos trabalhadores

101 VILLA, p. 101. Aspas do autor. 102 FEL IV, p. 149.

dos países centrais e os periféricos cresce muito mis rapidamente que o fazem as distâncias entre os países medidos de acordo com seu P.I.B. Isto significa que os salários dos trabalhadores do Norte (incluídos os subsídios de greve, salários sociais, da velhice, etc.) se separam vertiginosamente dos trabalhadores do Sul. 103

Entre outros textos, Dussel vai focar um tratamento à teoria da dependência quando escreve sobre os Grundrisse de Marx, aliás, para ele não é uma “teoria” mas uma “questão”104 da dependência, pois a dependência, para ele, não é apenas econômica, muito menos apenas política, ou mesmo sócio- cultural, mas muito mais uma espécie de imperialismo que se torna a essência primeira de qualquer manifestação da dependência contra um povo, como o latino-americano. Para Dussel, portanto, a dependência era de fato uma suprema questão como se fala da “questão nacional” ou da “questão colonial”.

Todo o debate entre dependencionistas e anti-dependencionistas, poder-se-ia aclarar se a questão fosse compreendida dialeticamente em que uma nação periférica é, antes de tudo (e por analogia com o capital em geral) uma nação capitalista; porem, posteriormente e num