• Nenhum resultado encontrado

1 DIREITO, INTERNET, CIBERESPAÇO E MENSAGENS

2.4 Sociedade de consumidores, modernidade líquida, consumismo e cultura

2.4.2 A cultura do consumismo

Pode-se definir a cultura consumista como a maneira peculiar como os indivíduos que compõem a sociedade de consumidores se comportam. Esse comportamento se traduz em atitudes de consumo não programadas, ou seja, a aquisição de bens ou serviços se dá de forma irrefletida.

Em outras palavras, no consumismo, as pessoas passam a consumir além de suas possiblidades, ocasionando diversas consequências negativas, dentre elas o endividamento das famílias. Essa maneira de agir, sem ponderar o que realmente é indispensável para viver, é influenciada pelas disposições constantemente ditadas por uma pequena parcela da sociedade, auxiliada pelos veículos de comunicação de massa.

Apesar de ser um sintoma característico da sociedade contemporânea, é um equívoco pensar que antes não havia consumismo. A impulsividade do homem sempre esteve presente na história da humanidade e mecanismos para estimulá-la e inibi-la são aplicados com o objetivo de controle social.

Na atual cultura do consumo vende-se a ideia de que é preciso estar e permanecer à frente da moda para não correr o risco de ficar à margem da sociedade. Por que razão é tão importante não se sentir excluído no mundo do consumo?

“Estar à frente” indica uma chance de segurança, certeza e de certeza de segurança – exatamente os tipos de experiências de que a vida de consumo sente falta, de modo

conspícuo e doloroso, embora seja guiada pelo desejo de adquiri-la107.

Ocorre que a certeza de segurança descrita pelo sociólogo polonês é algo inalcançável – mas bastante estimulado – na sociedade de consumo. Na cultura do consumo a vida dos consumidores torna-se uma sucessão perene de tentativas e erros, pois estes sempre têm a falsa certeza de que os produtos ou serviços que acabaram de adquirir são essenciais. No entanto, logo em seguida, julgam que se tornaram obsoletos, insuficientes e inúteis. A consequência disso é o excesso de consumo e um eterno recomeço na busca da satisfação momentânea.

Além disso, as classes econômicas desfavorecidas não encontram seu lugar na sociedade e não se identificam nos meios de comunicação que ditam o que deve ser usado ou vestido. A única realidade existente é a de participação no mercado. O contrário representa a completa exclusão.

Assim, as angústias do ser humano na contemporaneidade são resultado de uma imensa gama de oportunidades e não de restrições de todos os matizes como acontecia no passado. Hoje, vive-se uma falsa sensação de livre-arbítrio, tendo em vista que, apesar de vigorar o exercício da liberdade como direito fundamental nas sociedades democráticas, na verdade, os consumidores são forçados a comprar e a se adequar a padrões instáveis e imediatistas.

Bourdieu estabelece uma relação entre as classes sociais e as diferentes maneiras de apropriação de bens por parte dos consumidores. Segundo o autor há uma violência simbólica e impositiva que aparece na ação sutil de comer, vestir, cuidar do corpo, ouvir música ou até mesmo na conduta de consumir uma obra de arte108.

Na cultura do consumismo, consumidor é uma maneira de ser. O consumo constitui um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos que são socialmente regulados através de significados culturais. O desejo de possuir o novo depende da cultura coletiva a que se pertence109.

Extrai-se das ideias dos autores citados a desmistificação de afirmações da ordem do senso comum quando se propaga que o gosto acerca de determinada matéria não se discute. Ao contrário, as preferências são classificadas e manipuladas no mercado de consumo. A escolha

107 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro:

Zahar, 2008, p. 108.

108 BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2015, p. 9.

109 CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de

é resultado de um feixe de condições materiais e simbólicas acumuladas no percurso da trajetória de vida dos consumidores.

O gosto, como propensão e aptidão para a apropriação de bens, constitui a fórmula geradora que se encontra na origem do estilo de vida. Na sociedade contemporânea há uma falsa noção de que existe liberdade na opção da maneira como se vive, quando, na verdade, o que ocorre de fato é um aprisionamento por meio das práticas de consumo.

Dentre de tal contexto, cabe destacar o papel preponderante da publicidade, especialmente a subliminar, na cultura do consumo vivenciada nos tempos hodiernos. O casamento perfeito entre a psicologia e o marketing foi responsável pela construção de uma sociedade e de uma mentalidade consumista.

Grandes empresas passaram a investir em instrumentos que tinham o escopo de estudar a conduta do consumidor, verificando o que o levava ao ato da compra. Foi nesse contexto que nasceu a publicidade como técnica utilizada para estimular o consumismo. Esta ferramenta se tornou responsável pela tarefa de impor aos consumidores parâmetros com o intuito de manipular as probabilidades de escolha e controlar a conduta dos indivíduos no mercado de consumo.

Nesse sentido afirma Barbosa que, no mundo moderno, a figura do consumidor tornou- se o foco central da vida social. Práticas sociais, valores culturais, aspirações e identidades são definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés de e para outras dimensões sociais como trabalho, cidadania, religião, dentre outros110.

Cabe ressaltar que, na visão da cultura do consumismo, o excesso de gastos por parte dos consumidores, antes de ser um desperdício, é sinal de que os negócios estão indo bem e de que a economia goza de perfeita saúde. Nessa ótica de inversão de valores, o que antes era visto como imprevidência, agora parece ser sinal de prosperidade.

É nesse contexto que vende-se a falsa imagem de felicidade atrelada à aquisição (e troca rápida) de bens e serviços destinados ao uso imediato com promessa de satisfação momentânea. Assim, novas necessidades exigem novos produtos, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos, tornando-se um ciclo repetitivo.

De acordo com a lógica desse modelo social, aos fornecedores cabe a função de identificar quem são os consumidores considerados adequados para o mercado e aqueles que não merecem atenção alguma. No primeiro grupo estão os que adquirem e descartam objetos cada vez com mais velocidade e, por essa razão, são os responsáveis pela mobilização da

economia. Estes devem gozar de prestígio social e constituem verdadeiros exemplos de conduta de vida.

De outro lado estão aqueles que não possuem condições de movimentar a economia de consumo e, por essa razão, são tratados com indiferença. Nessa perspectiva, a cultura do consumo eleva, sobremaneira, a desigualdade já existente em todas as partes do mundo, haja vista que a capacidade ou não de consumir constitui um dos critérios para a inclusão ou exclusão social. E mais, tal discriminação faz com que o julgamento acerca dos indivíduos perante a comunidade se dê com base em um critério frágil e temerário, qual seja: sua conduta em relação ao consumo de produtos desnecessários.

Outro efeito imediato diante desse abismo instalado entre os dois grupos é o endividamento dos menos favorecidos economicamente, já mencionado anteriormente. Estes, passam a utilizar seus parcos recursos para compra de objetos de consumo supérfluos, e não com a finalidade de suprir suas necessidades básicas, no afã de minimizar a humilhação social e evitar que sejam ridicularizados por possuírem um aparelho celular que não seja um smartphone ou um veículo automotor que o recoloque apto a pertencer ao sistema.

Prova concreta dessa nova mentalidade de marketing agressivo, que deseja impor hábitos de consumo, é a conduta das empresas de treinar funcionários e investir em anúncios publicitários que empregam técnicas de pressão e incentivo ao consumo desenfreado. Muitas vezes, os fornecedores já decidem, antecipadamente, aquilo que deve ser adquirido. Ademais, tais técnicas são utilizadas cada vez com mais frequência em face dos grupos mais vulneráveis como as crianças e os idosos, tema que será discutido no capítulo 3.

Ressalte-se que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que será estudado com mais atenção no próximo capítulo, apesar de ter sido concebido no início dos anos 90, já estava atento a tendência do consumismo e do estímulo constante na aquisição de novos produtos e serviços. É o que se observa na leitura do artigo 32 do CDC:

Art. 32. CDC. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação e importação do produto.

Parágrafo Único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por

período razoável de tempo, na forma da lei111.

111 BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor: Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Organização

A legislação referida acima, ao exigir que o fornecedor oferte peças de reposição por um período razoável de tempo, visa proteger o consumidor em face de uma das caraterísticas fundamentais do consumismo que é a obsolescência programada dos bens de consumo.

Observa Bauman acerca do atributo da obsolescência programada que na cultura do consumismo os consumidores não se sentem melindrados por destinarem algo para o lixo. Ao revés, como regra, aceitam a vida curta das coisas e sua morte predeterminada com equanimidade, tornando-se tal fato, muitas vezes, um prazer disfarçado, uma espécie de alegria incontida de comemoração de uma vitória112.