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Proteção da relação jurídica de consumo na internet

1 DIREITO, INTERNET, CIBERESPAÇO E MENSAGENS

3.4 Proteção da relação jurídica de consumo na internet

Existe uma crítica recorrente de parte da doutrina consumerista brasileira no sentido de que houve omissão do Código de Proteção e Defesa do Consumidor em relação ao tratamento das relações jurídicas por meio da internet.

No entanto, ao observar a questão sob aspecto puramente cronológico, percebe-se que realmente havia certa dificuldade em tratar da matéria haja vista que, quando da promulgação da lei 8.078, em 11 de setembro de 1990, a internet no Brasil ainda dava seus primeiros passos rumo à era digital que vivencia-se hoje.

Dessarte, parece plausível presumir que, não obstante seus diversos méritos, o CDC não pôde regulamentar as relações que ocorrem no meio eletrônico por uma razão óbvia e evidente, qual seja, estas ainda não se faziam sentir e inexistia repercussão digna de tutela por parte do direito naquele momento histórico. Segundo Souza:

Nesses vinte e um anos de existência do CDC, novos casos surgiram, envolvendo o mundo real e o mundo virtual. Os Tribunais começam a pacificar soluções para diversos assuntos, como a responsabilidade do intermediador de serviço, que inundou de reclamações as cortes superiores. O comércio eletrônico, embora sem lei específica, começou a entrar nos ditames do CDC, cujo regulamento abarca também

essa forma de comercialização164.

Naquela época jamais poderia se imaginar que, vinte e seis anos depois, ainda estaria se discutindo no Congresso Nacional a aprovação de normas que assegurem direitos e deveres aos consumidores usuários da internet.

A despeito desta não regulação expressa pelo CDC é cediço que o advento da rede mundial de computadores trouxe profundas modificações nas relações de consumo. Seguindo esse raciocínio, muitos vêm se questionando acerca da aplicabilidade do CDC às relações de consumo celebradas por meio da internet, havendo controvérsia, não só com relação aos contratos celebrados com fornecedores de produtos ou serviços nacionais, mas, em especial, quando a relação de consumo é firmada com fornecedores de outros países.

164 SOUZA, Ana Paula Marques de. Responsabilidade dos sites de compras coletivas e o Código de Defesa do

Consumidor. Temas relevantes de direito do consumidor: doutrina e jurisprudência. Org. Hebert Vieira Durães. Coord. Fernando A. de Vasconcelos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012, p. 44.

Há quem questione até se em relação à oferta ou venda pela internet poderia ser aplicado o artigo 33 do CDC165 visto que tal norma somente teria tratado da oferta por telefone ou reembolso postal. No entanto, para boa parte da doutrina, as normas constantes na lei 8.078/90 se aplicam também às relações de consumo no ambiente digital.

Corroborando esse entendimento, em 15 de março de 2013, o Decreto 7.962 passou a regulamentar a contratação no comércio eletrônico e, em seu artigo 2º, trouxe um texto jurídico que se coaduna perfeitamente com a ideia trazida no referido artigo 33, do CDC. Senão vejamos.

Artigo 2º, do Decreto 7.962/13. Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:

I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;

II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;

III – características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e segurança dos consumidores;

IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias tais como as de entrega ou seguros;

V – condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e

VI – informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta166.

Quanto à problemática da aplicação das normas, pondera De Lucca que o caráter naturalmente cosmopolita existente na internet, com inúmeras relações consumeristas celebradas entre fornecedores e consumidores domiciliados em diversos países e até em continentes distintos, traz em seu bojo delicadas questões acerca da legislação e da jurisdição aplicável aos casos concretos167.

No que se tange às relações de consumo por meio da internet celebradas com fornecedores nacionais, parece não haver dúvidas de que são perfeitamente aplicáveis às

165 No termos do art. 33 do CDC: “Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o

nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial”.

BRASIL. Código de Proteção e Defesa do Consumidor: Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Organização do texto: Carmem Becker. Niterói: Impetus, 2013, p. 690.

166 BRASIL. Decreto 7.962 (2013). Decreto que regulamenta a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, para

dispor sobre a contratação no comércio eletrônico: Decreto 7.962, de 15 de março de 2013. Palácio do Planalto.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm. Acesso em: 26 de janeiro de 2016.

167 DE LUCCA, Newton. Comércio eletrônico na perspectiva de atualização do CDC. Revista Luso-Brasileira

disposições constantes do CDC. Obviamente deve-se verificar se os sujeitos da relação concretizada em meio virtual se enquadram nos requisitos dos arts. 2° e 3° da Lei 8.078/90, debatidos no tópico 2.2, e se estão presentes as condições que caracterizam uma relação jurídica de consumo.

Uma vez configurada a relação jurídica consumerista com fornecedor nacional, incontestável é a aplicação da legislação protetiva, o que acarreta, em consequência, a alteração do foro para o domicílio do consumidor, tendo em vista sua notória vulnerabilidade frente ao fornecedor de produtos ou serviços.

Ocorre que, nas relações jurídicas por meio da rede mundial de computadores, muitas vezes um consumidor, influenciado por uma publicidade virtual, contrata com um fornecedor estrangeiro, com estabelecimento físico no exterior.

Adverte El Kalay que, ao negociar com consumidores por meio da internet, os fornecedores confrontam-se com o risco de se sujeitarem a tantas jurisdições quantas as diferentes ordens jurídicas com as quais os seus negócios podem ter conexão. Com efeito, o comércio eletrônico internacional suscita a natureza ubiquitária da web ocasionando dificuldades de determinação dos critérios de competência internacional dos tribunais168.

Não obstante a existência das dificuldades mencionadas acima, observa-se que, configurada tal relação jurídica, e, havendo alguma irregularidade no fornecimento de produto ou serviço, surgem duas indagações importantes a fim de aferir qual a legislação aplicável: a) Existe Tratado ou Convenção Internacional que regule a matéria? b) Há escritório ou representação por meio de filial em território nacional?

Caso a resposta à primeira indagação seja afirmativa e verifique-se a existência de Tratado ou Convenção Internacional que discipline as relações de consumo com determinado país estrangeiro, e que seja o Brasil signatário, aplicam-se as normas da legislação consumerista pátria, podendo o consumidor processar o fornecedor no Brasil.

Outra hipótese que enseja a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ainda que o fornecedor que efetuou o contrato tenha sua sede física no exterior, ocorre quando se constata a existência de filial, escritório de representação ou assistência técnica do fornecedor estrangeiro em território nacional. Nesse caso responderá este por vícios ou defeitos nos produtos ou serviços bem como por indenização devida ao consumidor.

168 EL KALAY, Renata Solera Ramon. Aspectos jurídicos da proteção do consumidor no comércio eletrônico

sob uma perspectiva luso-brasileira. 2010. 110 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de Coimbra,

Para ilustrar o entendimento supracitado, mister observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça que, em sede do Recurso Especial - RESP nº 63.981/SP, reconheceu o direito de um consumidor, que adquiriu uma máquina filmadora, marca Panasonic, em Miami (EUA), e que mais tarde veio apresentar defeito, posteriormente reparado pela Panasonic do Brasil Ltda. O Relator para o acórdão, reconheceu em seu voto que:

Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado consumidor que representa o nosso país.

[...]

O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje 'bombardeado' diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.

[...]

Se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências

negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos [...]169.

A decisão do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira deve servir de alerta para que haja uma maior preocupação do Poder Judiciário com a proteção jurídica do consumidor que celebra contratos por meio da internet.

O que se observa, de fato, é que ainda não há a devida atenção que o tema merece, tanto por parte do Poder Judiciário, quanto dos legisladores que, diversas vezes, negligenciam a tutela normativa de bens jurídicos que são violados por práticas ilícitas utilizando a rede mundial de computadores e os demais sistemas informatizados, incluindo a difusão de publicidade subliminar.

Mister destacar, ainda, a hipótese de não haver Tratado ou Convenção Internacional que discipline as relações de consumo entre o Brasil e o país de um determinado fornecedor estrangeiro e também não existir qualquer escritório, representação ou assistência deste em território nacional. Nesse caso não há como pretender aplicar as normas constantes no CDC.

169 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (STJ). Recurso Especial nº 63.981/SP. Brasília, DF. Relator Min.

Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julgamento em: 11 de abr de 2000. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Produtos-comprados-no- exterior-t%C3%AAm-garantia-de-conserto-no-Brasil>. Acesso em: 26 jan. 2016.

Serão levadas em conta as disposições constantes no Novo Código de Processo Civil relativas à competência em razão do lugar, além das normas constantes no Decreto-Lei nº 4.657/42, que antes se chamava Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e, após a alteração produzida pela lei nº 12.376, de 31 de dezembro de 2010, passou a ser denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDIB).

Adverte Ascenção que, apesar de sua estrutura recente, o direito do consumidor não nasceu preparado para a revolução ocasionada pelos meios informáticos170. Diante de tal constatação e em virtude da velocidade da alteração das ferramentas de comunicação virtuais, a adaptação deve ocorrer de forma rápida, dinâmica e constante.

Apenas nos últimos anos ocorreu a inclusão, na doutrina pátria, dos temas da contratação eletrônica, da assinatura digital, dos crimes cibernéticos e, no caso do direito do consumidor, da publicidade online. A temática da identificação e atribuição de responsabilização do infrator em face da veiculação de publicidade subliminar na internet é mais inovadora ainda. Sobre a novidade do tema acrescentam Santos e Silva:

A utilização da Internet oferece grandes e inegáveis vantagens ao consumidor, que a partir dela pode assumir um protagonismo nunca antes desempenhado. Não obstante, ao lado dessas potencialidades descortinam-se situações que podem aumentar sua vulnerabilidade, o que aponta para necessidade de a comunidade jurídica refletir sobre o tema [...]171.

De acordo com o exposto no pensamento das autoras e com fundamento no que foi debatido acima, o reconhecimento da hipervulnerabilidade dos consumidores que navegam na internet constitui elemento essencial para o amadurecimento da tutela jurídica almejada por estes. Enganam-se os que acreditam que as normas postas já são totalmente suficientes para abarcar toda e qualquer relação de consumo e que não há peculiares a serem observadas nesse ramo jurídico. Nesse passo afirma Aquino Júnior:

No campo das relações de consumo travadas no ambiente virtual, o consumidor tem aprofundada sua vulnerabilidade, tendo em vista a imaterialidade do meio de contratação, a atemporalidade da oferta e a desumanização do contrato, elementos que

propõem novos desafios para o direito172.

170 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre Direito da Internet e da Sociedade da Informação. Coimbra:

Almedina, 2001, p. 36.

171 SANTOS, Noemi de Freitas; e SILVA, Rosane Leal da. A exposição do consumidor à publicidade na

internet: o caso das promoções de vendas no Twitter. Trabalho publicado nos Anais do XX Congresso Nacional

do CONPEDI, p. 3388-3416, nov. 2011, p. 3412.

172 AQUINO JÚNIOR, Geraldo Frazão de. A boa-fé objetiva como cânone hermenêutico-integrativo limitador

da autonomia da vontade nos contratos eletrônicos de consumo. 2010. 153 p. Dissertação (Mestrado em

O presente trabalho científico defende a evolução legislativa e a inserção de normas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor que regulamentem os temas supracitados com a finalidade proporcionar segurança jurídica para as partes da relação de consumo.

Seria relevante que o legislador atentasse para a proibição expressa de publicidade subliminar em qualquer meio de comunicação, seja na mídia tradicional ou na rede mundial de computadores. O fato de existirem vedações gerais em relação a tal conduta não afasta a possibilidade de iniciativas legislativas com o escopo de estabelecer proibições mais específicas. Tal medida teria caráter, inclusive, pedagógico, no afã de intimidar os fornecedores, agências publicitárias e veículos de comunicação de massa que praticam tal conduta.

Ressalte-se, entretanto, que somente a adaptação das normas não se queda suficiente para solucionar as questões atinentes à violação dos direitos do consumidor na web. É certo que o Direito estará sempre um passo atrás da evolução das relações sociais, todavia a ciência jurídica tem o dever de acompanhá-las a fim de que todos os jurisdicionados, e em especial os consumidores, não restem desguarnecidos. Esse é o caso daqueles que utilizam a rede mundial de computadores.

Também é preciso atitude e coragem dos tribunais para decidir casos concretos atinentes à difusão de publicidade ilegal por meio da rede mundial de computadores. Somente com o enfrentamento contínuo de tais demandas será possível desmistificar o problema e avançar nas propositura e concretização de soluções.

Não se pode esquecer, também, do papel da doutrina, que tem o dever de não se esquivar de seu protagonismo no sentido de ditar os rumos que o direito do consumidor deve seguir a partir da observação das hipóteses fáticas relevantes no atual momento histórico. É com o debate sobre temas inovadores que surgem os fundamentos jurídicos para decisões justas em um determinado caso concreto. E é na doutrina que se encontra esse espaço para discussões de alto nível sobre problemas jurídicos complexos.

Adverte-se, ainda, que o direito brasileiro passa, atualmente, por um momento ímpar de sua história. Durante os últimos anos, a doutrina vem perdendo espaço para jurisprudência. A ordem natural do sistema jurídico romano-germânico está sendo invertida no ordenamento pátrio. Nesse sentido, é papel dos trabalhos acadêmicos sérios resgatar o protagonismo da doutrina e fortalecê-la como fonte de produção do direito.

Convém lembrar que é na aplicação das normas que o direito se realiza e é na doutrina que surgem os fundamentos jurídicos para uma decisão razoável. No momento em que o juiz expõe os motivos que o levaram a proferir uma sentença está concretizando a doutrina como

fonte do direito. E mais, decisões judiciais sem fundamentação sólida e que não retiram seu fundamento de validade na lei e na doutrina estão aptas a gerar insegurança jurídica.

É certo que ignorar a revolução ocasionada pela internet no relacionamento entre consumidor e fornecedor não é a melhor solução a ser adotada. Destarte, a atuação legislativa, doutrinária e jurisdicional em conjunto será capaz de revigorar o direito do consumidor, observando-o a partir da perspectiva das relações consumeristas que utilizam a rede mundial de computadores.

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