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1 DIREITO, INTERNET, CIBERESPAÇO E MENSAGENS

1.5 Mensagens subliminares e a internet

O cérebro humano possui atividades conscientes e inconscientes. O consciente consiste na interação entre a mente e o cérebro e relaciona-se com o estado de atenção, sentimento e percepção, tanto interna quanto externamente. O inconsciente representa todo o resto, tudo aquilo a que o indivíduo não está atento47. Alerta Freud sobre o inconsciente que:

A atividade psíquica inconsciente é mais abrangente e mais importante do que a familiar atividade ligada à consciência. Ela nos permite dissecar o aparelho psíquico em um certo número de diferentes atividades ou sistemas, mostrando-nos que, no

45 BARBOSA, Raíssa Alencar de Sá. A regulação da publicidade infantil. 2013. 157 p. Dissertação (Mestrado

em Direito). Universidade Federal de Pernambuco, Recife: 2013, p. 14-15.

46 PEREIRA, Joel Timóteo Ramos. Compêndio Jurídico da Sociedade da informação. Lisboa: Quid Juris. 2004,

p. 31.

47 MALTEZ, Rafael Tocantins. Publicidade subliminar. 2008. 437 p. Dissertação (Mestrado em Direito).

sistema de atividade mental inconsciente, operam-se processos de tipo inteiramente

diferente dos percebidos na consciência48.

A palavra subliminar em sua origem significa “abaixo do limite”. Os psicólogos a empregam para referir-se ao que está aquém do limite da consciência. O cérebro subliminar é invisível, no entanto, é capaz de influenciar as escolhas do consciente humano de maneira que a capacidade de emitir julgamentos rápidos e tomar decisões importantes estão intrinsecamente relacionadas ao inconsciente.

Adverte Cavazza que expressões faciais, a entonação da voz e até a forma de pronunciar as palavras podem influenciar inconscientemente o comportamento de consumo. É o que se denomina de sinais paralinguísticos. Estes têm poderosa interferência nas emoções dos indivíduos49.

Com o advento da internet as mensagens subliminares, também denominadas sub- reptícias, multiplicaram-se exponencialmente devido à infinidade de imagens e sons a que o usuário está exposto sem que ele perceba conscientemente. A rede mundial de computadores passou a ser o meio adequado para disseminar a publicidade subliminar devido, justamente, ao seu caráter livre e de acesso imediato.

Ademais, como a regulamentação do ambiente virtual ainda dá seus primeiros passos, a veiculação de mensagens dessa natureza pode atingir proporções incalculáveis ocasionando prejuízos dificilmente reparáveis a contento. Em razão da vulnerabilidade mais acentuada do consumidor no ambiente virtual, o direito tem o dever de encarar, com seriedade, essa questão.

É certo que há um baixo grau de ciência dos indivíduos a respeito de sua vulnerabilidade como consumidores quando em contato com a internet. O impacto da mídia publicitária no ambiente virtual na vida destes é uma questão que precisa ser enfrentada. Esse é o momento certo para construir uma nova mentalidade e formação cultural do sujeito consumidor que utiliza a rede mundial de computadores.

O papel dos meios de comunicação social no mundo contemporâneo inspira diversos posicionamentos quanto ao seu impacto na formação educativa dos cidadãos. Há quem acredite que a mídia está muito mais ligada às práticas de entretenimento do que propriamente ao processo cultural humano. No entanto, não há como negar que a organização social

48 FREUD, Sigmund. O interesse científico da psicanálise. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas

Completas-ESB, v. 13, 1913, p. 7.

49 CAVAZZA, Nicoletta. Como comunicar e persuadir: na publicidade, na política, na informação e nas relações

contemporânea traz consigo o traço do consumismo, temática que será discutida no próximo capítulo50.

Além disso, a transitoriedade é marca registrada das relações hodiernas e a publicidade se aproveita da total falta de certezas e carência da humanidade para introduzir mensagens com apelo comercial (expressamente ou de maneira subliminar) nos mais diversos veículos de comunicação, inclusive na internet.

A mídia, ferramenta magnífica criada pela humanidade, aliada à perspicácia e à astúcia dos publicitários tornou-se uma das grandes responsáveis pela era do consumismo, intensificando sobremaneira suas modalidades de atuação e interferindo diretamente na construção das subjetividades do consumidor. Nesse ponto, a internet vem se destacando como o novo canal apto a ditar moda, ensinar valores e moldar as atitudes, principalmente dos jovens, razão pela qual nessa situação, devido a sua fragilidade, este consumidor dever ser considerado um hipervulnerável, assunto que será abordado no terceiro capítulo.

Um dos pontos positivos da era da globalização é a quantidade de informações à disposição e a maior facilidade de circulação destas. Seguindo esse raciocínio, o consumidor deveria, em tese, estar mais preparado para agir no mercado e melhor instruído para a compreensão do mundo capitalista.

Todavia, a avalanche de dados despejados sobre o consumidor, diuturnamente, o confunde mais do que o informa. Os publicitários se aproveitam dessa circunstância para alienar os consumidores e torná-los mais vulneráveis.

Nesse aspecto, as mensagens sub-reptícias veiculadas na rede seduzem os potenciais consumidores sem que eles se deem conta. A variedade de formatos e linguagens virtuais disseminam o desejo de aquisição de produtos e serviços.

A prática da propagação de publicidade subliminar, que será debatida com profundidade no quinto capítulo da tese, utiliza artifícios psicológicos com a finalidade de vulnerar o cidadão, de modo que ele não perceba que está sendo influenciado. A mídia, nessa perspectiva, deve ser reconhecida como um modo de regulação ou governança, aqui compreendido como um conjunto de mecanismos de orientação, de coordenação e de controle das ações dos indivíduos na sociedade de consumo.

É importante observar que nem todas as mensagens subliminares tem caráter nocivo. Em outras palavras, é possível que estas sejam criadas com objetivos moralmente legítimos e

50 MORAES, Márcia Amaral Corrêa de. O impacto da mídia publicitária e relacional na formação de consumidores

jovens e adultos. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, Curitiba: Vol II, N. 3, p. 95-112, set 2012, p. 97.

aceitos pela sociedade. É o que ocorre com as técnicas subliminares que são utilizadas nos tratamentos de combate ao fumo, a obesidade e a insônia, por exemplo.

De fato, a psicologia e a psiquiatria admitem se valer do referido método para recuperar pacientes que sofrem de depressão. Assim, ao contrário das hipóteses em que o emprego de artifícios subliminares se dá em prejuízo da sociedade e dos consumidores, tal procedimento pode também ter por escopo atingir finalidades não condenáveis. Como toda ação humana, o uso das mensagens subliminares pode ter intuito negativo ou positivo.

Um caso concreto de uso de mensagens subliminares com intuito educativo e de ensinar o consumidor se deu com uma louvável ideia da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Diante da dificuldade de entrega de diversas cartas e encomendas em razão do preenchimento incorreto de endereços, os Correios decidiram patrocinar a inserção de uma cena em uma novela da rede Globo em que uma carta importante não chegava ao seu destino devido a um equívoco na informação dos dados essenciais.

No referido episódio restou subliminarmente compreendido que a atenção no preenchimento correto do endereço facilita o trabalho da empresa e diminui os possíveis prejuízos causados ao consumidor.

Ao explicar como preencher corretamente uma correspondência utilizando um veículo de comunicação de massa, foi registrada pela empresa pública federal uma diminuição de 30% no número erros no endereçamento51.

Nesse sentido adverte-se que a publicidade, em todas as suas vertentes, pode ser utilizada com as melhores ou piores intenções, assim como ocorre em qualquer outra área da comunicação ou de qualquer outra ciência. Mensagens subliminares podem ser inseridas com escopo malicioso em uma grande variedade de veículos, inclusive na web, mas nem sempre isso ocorre52.

Antes de avançar para o próximo capítulo, vale notar que o uso da técnica subliminar na internet (ou em qualquer outro veículo de comunicação) com o intento de incentivar o consumismo e fazer com o consumidor se comporte de forma prejudicial à sua saúde física, mental ou financeira é algo que não pode ser tolerado.

Nesse sentido, o primeiro passo para combater tal ato jurídico ilícito é reconhecer que as mensagens subliminares são sim capazes de influenciar o pensamento e a ação dos

51 CALAZANS, Flávio Mário de Alcântara. Propaganda subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992, 72.

52 JUNIOR, Reginaldo De Franceschi. Limiar: uma visão publicitária sobre os limites da percepção. 2009. 114 p.

indivíduos. Após o reconhecimento desse fato, o combate à manipulação do consumidor deve ser incessante.

Para atingir tal desiderato, além do preenchimento da lacuna legislativa, a atuação dos órgãos de proteção do consumidor em conjunto com o Poder Judiciário e o investimento na educação do consumidor constituem as vigas de sustentação para um consumo saudável e livre de influências nefastas.

2 SOCIEDADE DO CONSUMO, COMUNICAÇÃO DE MASSA, ARTIFÍCIOS SUBLIMINARES E CULTURA CONSUMISTA

A característica primordial de uma “massa” é o fato de, após estar pronta, não haver mais distinção entre os ingredientes que a compõem. Estes perdem sua identidade e individualidade, transformando-se em um aglomerado único. A partir dessa analogia, mister se faz discorrer acerca da chamada sociedade, consumo, comunicação e cultura de massa. Todo esse novo modelo está relacionado à ideia de produção em larga escala e ausência de personalização no consumo.

Um dos fatores que contribuíram para o surgimento e crescimento do fenômeno da comunicação de massa foi a alteração do papel cultural do computador, referida no capítulo anterior. Na década de 90, o Personal Computer começou a deixar de ser um instrumento de trabalho para tornar-se um meio de comunicação. Hoje um simples smartphone é uma ferramenta universal, capaz de armazenar, distribuir e socializar diferentes tipos de mídia, além de apto à aquisição de produtos e serviços, ou seja, de efetuar contratos de consumo.

Com as mudanças ocorridas nos planos econômico, cultural e, sobretudo, tecnológico, impulsionado pelo surgimento da comunicação de massa, o indivíduo passou da condição de mero espectador para ser inserido como um polo ativo no mercado de consumo. Não há dúvidas de que a participação do consumidor no mundo dos negócios, como agente econômico, alterou o cenário global e o direito, em sua tentativa de acompanhar as relações sociais, deve estar atento a essa guinada.

Aliado ao papel ativo referido acima verifica-se uma tendência de compra de bens de consumo com três propósitos: bem-estar material, bem-estar psíquico e exibição. Os dois primeiros são necessidades individuais: a necessidade de se alimentar, vestir e abrigar, e de paz de espírito e recreação. A última constitui um termo geral que cobre todas as demandas da sociedade53.

É nesse contexto de busca de captura do consumidor e de estímulo à criação de necessidades individuais e coletivas que surge a atividade publicitária como motor propulsor da economia de mercado e, dentre as modalidades de anúncios, cresce a utilização da publicidade subliminar, objeto de estudo central deste trabalho científico.

53 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Tradução