• Nenhum resultado encontrado

Publicidade infantil, dos fumígenos e das bebidas alcoólicas

4 PUBLICIDADE: DEFINIÇÃO, SUJEITOS, FUNÇÕES, CONTROLE E

4.6 Publicidade infantil, dos fumígenos e das bebidas alcoólicas

Não é difícil perceber que, nos dias de hoje, as crianças já nascem imersas na cultura do consumo. Desde a infância já encontram-se submetidas a incríveis pressões para serem bem- sucedidas a fim de possuírem mais elevado poder aquisitivo e, assim, consumirem mais. Além disso, suas obrigações para obtenção de um melhor desempenho só aumentam com o passar dos anos.

Observa Alves que o público infantil vê de quatro a seis mil anúncios por ano. Tal fato causa efeito sobre o comportamento da criança que, por sua vez, transfere tal influência para o consumo da família254.

Alguns produtos destinados às crianças promovem verdadeira coação para alcançar um determinado padrão de beleza e estética. A famosa boneca Barbie, símbolo dessa violência psicológica contra o público infantil, recebeu novas versões no início do ano de 2016, com diferentes tipos de corpo, tons de pele e estilos de cabelo, com o escopo de atrair mais consumidores. Senão vejamos.

253 PAIVA, Christianne Matos de. Responsabilidade civil por publicidade enganosa na internet. 2002. 141 p.

Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Federal de Pernambuco, Recife: 2002, 47.

254 ALVES, Carlos Teixeira. Comportamento do consumidor: análise do comportamento de consumo da criança.

Figura 5 – Bonecas Barbie: novas versões para atrair o público infantil

Fonte: https://estilo.catracalivre.com.br/comportamento/barbie-apresenta-tres-novos-tipos-de-corpos-para-sua- linha-de-bonecas/

O tempo dedicado à televisão, ao videogame e à internet cresce constantemente e a falta de convivência com o mundo exterior desenvolve valores materialistas na mente do público infantil. Aproveitando-se da exposição aos veículos de comunicação, a publicidade influencia deliberadamente as crianças para que se tornem consumidores autônomos e com mais autoridade. Na visão de Fernández:

La publicidad se vale de su gran poder de persuasión, de su sutil mensaje “informativo”, para hacer del menor um cliente potencial, atrae su atención recurriendo a multitud de técnicas que manejan el color, sonido, imagen, rimas fáciles, brevedad de los mensajes, así como um ritmo rápido en el cambio de los planos que

condicionan una lectura automática255.

Diante da alteração da realidade e do enfoque do papel protagonista do público infantil como alvo do marketing restou evidente que o direito do consumidor precisava exercer seu papel de proteção psicológica e social daqueles considerados a parte mais frágil da relação de consumo.

255 FERNÁNDEZ, Marta Morillas. La protección jurídica de los menores ante la publicidad: una visión común de

España e Portugal. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, Curitiba: Vol III, N. 10, p. 125-152, jun 2013, p. 129.

Nos termos do artigo 69, inciso I, da lei 8.069/1990, as crianças e os adolescentes estão em uma condição peculiar de pessoas que se encontram em fase de desenvolvimento. Por essa razão, são mais facilmente influenciáveis pelas mensagens publicitárias. Em outras palavras, possuem um mais alto grau de vulnerabilidade e tornam-se o público-alvo preferido, inclusive dos anúncios subliminares, conforme será constatado no próximo capítulo.

Prova do reconhecimento da situação de fragilidade desse parcela da população é a demonstração da preocupação especial do legislador consumerista com a publicidade dirigida ao público infantil, nos termos do § 2º, do artigo 37 do CDC.

O poder de persuasão da publicidade infantil ganhou tamanha relevância no Brasil que, em 2014, foi o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. Aproximadamente nove milhões de estudantes se depararam com o assunto e tiveram que pensar e externar sua visão sobre o mesmo.

Embora não sejam parte formal da relação de consumo, as crianças merecem atenção diferenciada visto que são mais suscetíveis aos apelos publicitários. A depender da faixa etária, o menor sequer tem condições de distinguir o caráter publicitário da mensagem a que está submetido e compreender os seus efeitos persuasivos.

Nos termos do artigo 71, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 71. A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento256.

Ao observar o dispositivo citado, é possível inferir que as informações publicitárias devem observar a condição peculiar do público infantil, sendo vedada a exploração de sua inexperiência ou de sua deficiência de julgamento.

Outro dado relevante acerca da temática em questão é o fato de que as crianças influenciam profundamente na decisão das compras das famílias e representam para as empresas a fidelização de consumo para o futuro, tornando-as dependentes do produto. Nesse sentido afirma Schor:

Hoje em dia, crianças e adolescentes são o epicentro da cultura de consumo norte- americana. Demandam atenção, criatividade e dólares dos anunciantes. Suas preferências direcionam as tendências de mercado. Suas opiniões modelam decisões estratégicas corporativas. No entanto, são poucos os adultos que reconhecem a

256 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Organização do texto:

magnitude da mudança e de suas consequências para o futuro de nossas crianças e de

nossa cultura257.

É com o conhecimento dessas informações que os anunciantes imprimem uma espécie de pressão psicológica em seus comerciais provocando o constrangimento dos pais para aquisição de bens de consumo. Segundo Frota:

A apresentação do conteúdo das mensagens varia consoante a idade. Para um adulto serão necessários 13 contactos (13 visionamentos da mesma mensagem) para interiorizarem todo o seu conteúdo. Pelo contrário, uma criança necessita de apenas 2 contactos. Dados incontroversos dizem-nos que de 30 a 40% na Europa (80% no Brasil) dos orçamentos domésticos são fortemente influenciados pelas crianças. Os menores entre 2 e os 5 anos vêem, em média, 27,5 horas de televisão por semana, o que representa uma média de 26 mil (ou mais) anúncios por ano. 20% deste tempo é gasto em publicidade, o que representa, no final do ano, cerca de 26 ou 27 mil

mensagens publicitárias258.

Caso emblemático que ilustra bem o poder de influência da publicidade dirigida ao público infantil foi o anúncio televisivo do tênis da Xuxa. Na aludida peça publicitária, as crianças eram incentivadas pela apresentadora infantil a destruírem seus tênis antigos e pedirem a seus pais o novo “Tênis da Xuxa”. Houve representação no Conar e o anúncio foi retirado do ar por ter sido considerado abusivo. (Representação 081/1992).

Seguindo a mesma linha, o órgão de autorregulamentação publicitária sustou o comercial veiculado pela Nestlé no qual crianças invadiam um armazém a procura de sobremesas daquela marca. A reprovabilidade do anúncio se deu em virtude do comportamento socialmente reprovável das crianças que, além de invadir o estabelecimento, atiravam contra o vigia bolinhas de vidro fazendo com que este escorregasse e elas conseguissem escapar. (Representação 43/1991).

Na figura a seguir verifica-se um exemplo de publicidade que tem por intuito incentivar crianças a adquirirem hábitos alimentares não saudáveis. A ação de marketing da McDonald’s utilizou, inclusive, técnica subliminar induzindo o consumidor a acreditar que o leite materno, o principal alimento para o bebê, poderia ser substituído por um sanduíche da referida empresa de fast food.

257 SCHOR, Juliet B. Nascidos para comprar: uma leitura essencial para orientarmos nossas crianças na era do

consumismo. Tradução: Eloisa Helena de Souza Cabral. São Paulo: Editora Gente, 2009, p. 2.

258 FROTA, Ângela M. M. S. Portugal. Educação para o consumo: publicidade infanto-juvenil: permitir, restringir

ou proibir? Breves notas. Revista Portuguesa de Direito do Consumo, Coimbra: n. 72, Associação Portuguesa de Direito do Consumo, p. 71-85, dez 2012, p. 73.

Figura 6 – Publicidade infantil subliminar: estímulo a hábitos alimentares não saudáveis

Fonte: http://imprensamarromecia.blogspot.com.br/2009/02/mamae-eu-quero-mamar-e-um-hamburguer.html

Na visão de Barber, além de migrarem o foco para o público infantil, os marqueteiros em todo mundo passaram a infantilizar os adultos. Segundo o autor, os publicitários dedicam- se diuturnamente à delicada tarefa de capacitar crianças como consumidores adultos, porém sem permitir que elas abram mãos de seus gostos infantis259.

Com fundamento na hipervulnerabilidade das crianças e dos adolescentes, a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), previu o fim da veiculação de publicidade dirigida ao público infantil por considerá- la abusiva. Senão vejamos.

Art. 2º. Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

259 BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos.

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de crianças; III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação; VII – bonecos ou similares;

VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil260.

A medida foi aprovada por unanimidade no conselho, que é vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e constituído por entidades da sociedade civil e do governo federal.

Há, no entanto, um equívoco em acreditar que os produtos e serviços destinados às crianças não serão mais anunciados. O artigo 37, do CDC, que foi reforçado pela Resolução nº 163, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, prevê que a pecha da ilicitude contamine a veiculação de publicidade voltada às crianças por considerá-las abusivas.

Isso significa que a comunicação das empresas deve ser direcionada aos adultos. Em outras palavras, em vez de anunciar para os pequenos, os fornecedores devem anunciar para seus pais. Não é o fim da publicidade, mas sim uma imposição ética do redirecionamento da publicidade para o público adulto, menos vulnerável e responsável pela mediação e controle do consumo de seus filhos.

Cumpre notar que, dada a sua condição especial, mesmo em situações que não se caracterize como abusiva, a publicidade infantil exige um controle valorativo mais intenso. É o que ocorre, por exemplo, no caso do estímulo à alimentação saudável e à qualidade de vida. Sabe-se que a publicidade, apesar de não ser a causa, tem se tornado responsável por muitos dos problemas que afetam as crianças de hoje, dentre eles a obesidade e os transtornos alimentares.

Deve haver, portanto, uma preocupação no incentivo de anúncios que busquem transmitir mensagens de ingestão de alimentos adequados, evitando-se os excessos e coibindo aqueles que tragam em seu bojo o estímulo ao consumo prejudicial à saúde, conforme exemplificado na publicidade da McDonald’s exposta acima.

260 BRASIL. Resolução 163/14 (2014). Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Resolução nº 163, de 13 de março de 2014. Disponível em:

<http://www.mpba.mp.br/atuacao/infancia/publicidadeeconsumo/conanda/resolucao_163_conanda.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2015.

Das inúmeras modalidades publicitárias, há algumas que carreiam riscos extremados para saúde do consumidor e para o bem-estar das famílias. Dentre elas destacam-se a publicidade dos fumígenos e das bebidas alcoólicas.

Em relação à publicidade dos fumígenos, há norma constitucional e infraconstitucional sobre o tema, conforme mencionado no tópico 4.1.1. Assim, o uso e o anúncio desse tipo de produto, derivado ou não do tabaco, está sujeito às condições estabelecidas pela lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, nos termos do §4º, do artigo 220 da Lei Maior. Segundo Benjamin:

A lei, apesar de suas boas intenções, foi vítima do irresistível lobby da indústria de tabaco (grande anunciante), agências de publicidade, veículos de comunicação e promotores de atividades culturais. Em vez de, conforme obriga a Constituição, realmente controlar os anúncios fumígenos, com a imposição de restrições efetivas, a Lei Murad (Lei 9.294/1996) acabou por “legalizar” a publicidade de tabaco e seus abusos. Posteriormente, enfrentando extraordinárias resistências de toda ordem, o Ministro José Serra logrou aprovar, no Congresso Nacional, a Lei 10.167, de

27.12.200, a qual corrige as principais impropriedades da Leu Murad261.

Não se pode negar o efeito deletério do tabaco sobre a saúde humana. A potencialidade lesiva expressiva dos fumígenos aliada à ação viciante destes causa rápida dependência química no usuário. Ademais, os malefícios causados pelo cigarro não se limitam àqueles que adquirem o produto nocivo. Há, ainda, a situação do fumante passivo que seria uma espécie de consumidor por equiparação, nos termos do artigo 17 do CDC.

É preciso lembrar, outrossim, o impacto do tabagismo na saúde pública. Várias doenças causadas pela utilização de produtos fumígenos são tratados pelos centros de saúde públicos, seja por tratamento ambulatorial ou por meio de distribuição de medicamentos, ocasionando uma onerosidade excessiva aos cofres do Estado.

Nesse contexto, uma da principais medidas de combate ao uso de tais produtos é a informação. O processo de conscientização necessita, inicialmente, passar pela compreensão e pelo conhecimento. Exemplo concreto de estratégia de alerta ao consumidor é a inserção nas carteiras de cigarro de imagens de pacientes vítimas dos malefícios que o tabagismo pode provocar.

Assim, a publicidade de consumo dos fumígenos, por seu caráter peculiar, deve ser delimitada a fim de atender ao interesse público, esclarecendo a todos os danos causados à saúde do consumidor, direito esse consagrado no texto constitucional.

261 BENJAMIN. Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

Finalmente, quanto à publicidade das bebidas alcoólicas há uma resistência maior por parte dos fornecedores, das agências de publicidade e dos veículos de comunicação no que tange ao aspecto da restrição.

Observa Padilha que o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil é preocupante, devendo ser tratado como um problema de saúde e segurança pública. São necessárias campanhas de educação e uma fiscalização rigorosa haja vista que a ingestão de álcool é responsável por mais de 10% de todos os casos de adoecimento e morte no país, provoca 60% dos acidentes de trânsito e transforma 18 milhões de brasileiros em dependentes262.

Nos termos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, por se tratar de um produto de consumo impróprio para determinados públicos e situações, a publicidade de bebidas alcoólicas deve ser estruturada de maneira socialmente responsável. Não é o que ocorre na campanha publicitária da cerveja Skol demonstrada a seguir.

Figura 7 – Publicidade de bebida alcoólica: uso abusivo da imagem feminina

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/553379872933432648/

262 PADILHA, Sandra Maria Galdino. A publicidade na sociedade de consumo: restrições à publicidade de

bebidas alcoólicas. 2005. 174 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2005, p. 140.

Importante destacar que exige-se do anunciante a veiculação das chamadas Cláusulas de advertência que devem ser veiculadas juntamente com a publicidade desse tipo de produto no afã de alertar o consumidor. São elas: “Beba com moderação”, “Este produto é destinado a adultos”, Se for “dirigir não beba”, “Evite o consumo excessivo de álcool” etc.