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1 DIREITO, INTERNET, CIBERESPAÇO E MENSAGENS

1.3 Direito e internet

Em consonância com o exposto acima, a internet é uma ferramenta que possui poucas décadas de existência e, portanto, tem pela frente um longo caminho para se desenvolver. No caso da escrita, por exemplo, foram necessários pelo menos três mil anos para que se atingisse o atual estágio, no qual grande parte das pessoas sabe ler e escrever. Com a inclusão digital provavelmente não será necessário o mesmo período de tempo, mas é preciso ter em mente que há muito ainda para acontecer nessa seara.

Em razão disso, cabe ressaltar que é muito cedo para prever categoricamente o futuro do ambiente virtual. Ao invés de pronunciar conclusões precipitadas, é tempo de estudar o tema com cautela. Sobre o exposto adverte Aquino Júnior:

Qualquer normatização que venha a tratar do assunto deverá ser genérica o suficiente para sobreviver ao tempo e flexível o bastante para atender às idiossincrasias próprias desse campo sem cair na obsolescência de institutos passageiros. Na verdade, a volatilidade e a universalidade da informação, pela dinamicidade de sua natureza, estão ainda acima da capacidade de regulação jurídica, uma vez que se leva certo tempo para que se apreendam os novos fenômenos sócio-político-culturais e, assim,

passem a ser valorados juridicamente33.

Nos últimos anos as ferramentas digitais estão revolucionando o mundo e sua maneira de pensar e de solucionar os problemas. Ainda é cedo, todavia, para saber se, considerando vantagens e desvantagens, esta revolução é positiva ou negativa.

A fase é de conjecturas e incertezas. No entanto, existem alguns consensos acerca do destino do ambiente virtual. Prima facie mister se faz refletir sobre o comportamento do fornecedor de produtos e serviços. Aqueles que trafegam no setor do comércio e no mercado de consumo não devem ficar indiferentes à nova realidade digital e, necessariamente, precisam

33 AQUINO JÚNIOR, Geraldo Frazão de. A boa-fé objetiva como cânone hermenêutico-integrativo limitador

da autonomia da vontade nos contratos eletrônicos de consumo. 2010. 153 p. Dissertação (Mestrado em

se adequar ao novo modelo, mesmo que isso implique grandes investimentos em equipamentos, programas e treinamento de pessoal. Diante dos novos paradigmas do mercado contemporâneo, a modernização na estrutura empresarial é algo extremamente valorizado.

No atual cenário de economias globalizadas, onde imperam a eficiência e a comunicação, a diminuição virtual das distâncias entre fornecedores e consumidores tornou-se não somente uma estratégia das empresas, mas também um imperativo de sobrevivência comercial34.

O comércio eletrônico se apresenta hoje como uma realidade. As marcas conseguem atingir diversas partes do mundo com o auxílio da publicidade virtual. Os empresários entenderam que estar on line não significa mais apenas estar na vanguarda, mais sim uma necessidade de mercado35.

Assim, os que não acompanharem essa nova revolução tecnológica (assim como aqueles que não acompanharam a primeira ou a segunda Revolução Industrial) podem vir a ser vítimas de um ostracismo negocial em um futuro não muito distante. Nesse contexto, a oferta de bens, serviços e informações no ambiente virtual, o número de sites e aplicativos de fornecedores e de shopping centers eletrônicos (lojas virtuais) crescem em ritmo acelerado, facilitando o contato das empresas com o maior número possível de consumidores.

Diante do exposto pergunta-se: qual seria o papel do Direito frente a essa nova modalidade de relação jurídica? As relações jurídicas de consumo por meio da rede mundial de computadores nada mais são do que um estágio evolutivo da sociedade contemporânea que decorre do desenvolvimento tecnológico vivenciado em todo o mundo. O ordenamento jurídico pátrio tem o dever tomar uma atitude quanto a nova realidade que se impõe.

Na verdade, o Direito tem a obrigação de tentar acompanhar, se possível na mesma velocidade, esta revolucionária evolução social. É papel da ciência jurídica estar sempre a reboque da sociedade, tutelando os interesses mais relevantes de um determinado momento histórico. Hoje, as relações que envolvem o comércio e o consumo por meio da rede constituem uma dessas prioridades a serem tuteladas.

A grande questão é que, em face da novidade da matéria, não se sabe exatamente a forma pela qual o Direito deve intervir no comércio eletrônico. Nessa perspectiva afirma Finkelstein:

34 VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Internet: responsabilidade dos provedores pelos danos praticados.

Curitiba: Juruá, 2003, p.25.

35 MELO, Romeu Pessoa de. Comércio electrónico: os principais problemas das contratações electrónicas via

Tanto na perspectiva do empresário, quanto na do intérprete ou na do legislador, o comércio eletrônico é algo tão novo e revolucionário que, até o presente momento, não se pode afirmar, com certeza, qual seja seu real impacto na economia ou a

necessidade de sua regulamentação. (Grifo nosso)36.

Buscando elucubrar sobre a parte final do pensamento ora descrito, será realizada aqui uma breve análise sobre o comportamento do Direito no mundo digital.

Os posicionamentos existentes acerca desse novo papel do Direito podem ser divididos em dois grupos. O grupo ontológico sustenta que estamos diante de um novo mundo, que demanda um Direito diferente. Já o grupo instrumental defende simplesmente a adaptação das regras já existentes no ordenamento jurídico atual, mediante o emprego da analogia.

A posição ontológica assevera que estamos perante um mundo virtual diferente do mundo físico. Segundo os adeptos dessa corrente, existe um ambiente digital dentro do qual se encontra um novo modo de pensar que segue paradigmas digitais.

No âmbito jurídico, afirma-se que deve haver a criação de uma Constituição da internet que dará origem a um Direito novo. Nesse sentido, pode-se mencionar a promulgação, após três anos de intensos debates, da lei 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet37. Tal norma tem o papel de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

No decorrer de seus trinta e dois artigos, o Marco Civil da Internet regulamentou temas específicos como a proteção aos registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas, a guarda dos mesmos diante da possibilidade de sua eventual requisição pelas autoridades, a neutralidade da rede e a responsabilidade civil dos provedores de conexão e aplicações na web. Na visão da posição ontológica, o Marco Civil serviria como divisor de águas em relação às relações travadas na rede e não representaria apenas uma norma de adaptação às novas ferramentas tecnológicas disponíveis no mercado de consumo. Da leitura da lei 12.965/14 extrai-se uma preocupação do legislador com a privacidade e, sobretudo, com a liberdade de expressão, com o intuito de estabelecer que um discurso livre e plural na rede não sofra uma indevida interferência externa ou uma eventual censura prévia38.

36 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico. Porto Alegre: Síntese,

2004, p. 27.

37 Ressalte-se que a lei 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet, apesar de se propor a disciplinar as

diretrizes atinentes ao uso da rede mundial de computadores no Brasil não tutelou de forma satisfatória a atividade publicitária na internet, razão pela qual esta pesquisa não deter-se-á na análise minuciosa de tal norma.

38 TEFFÉ, Chiara Antonia Spadaccini de. A responsabilidade civil do provedor de aplicações de internet pelo

danos decorrentes do conteúdo gerado por terceiros, de acordo com o Marco Civil da Internet. Revista Fórum de

Sobre esta base, sustenta-se que o Direito que conhecemos não estaria apto a regular esse novo espaço e também não teria muitas funções a desempenhar. Para a corrente ontológica a morosidade legislativa contribui para que o ordenamento jurídico atual encontre-se obsoleto e a ausência de legislação específica sobre o tema acaba gerando inúmeras incertezas nas relações jurídicas por meio eletrônico.

Aqui reside uma reflexão crítica relevante que merece ser arguida por este estudo, qual seja, deve haver regulamentação específica da proibição da publicidade subliminar na internet no ordenamento jurídico pátrio? A inexistência de norma expressa nesse sentido enfraquece a proteção do consumidor?

Em contrapartida aos adeptos da corrente ontológica, o grupo instrumental defende que os conflitos existentes nas relações jurídicas tradicionais e nas relações jurídico-virtuais são similares. Segundo os partidários desse pensamento, deve ser utilizado o emprego da analogia para a solução de tais demandas e, em que pese o fascínio exercido pelos novos termos, eles devem ser analisados mediante a assimilação dos fenômenos já conhecidos.

Diante de duas concepções diametralmente opostas, é comum que seja construída uma terceira via que absorva os aspectos positivos das teorias anteriormente propostas e proponha um ponto de equilíbrio.

Nesse raciocínio, na busca de conciliar as concepções trazidas pelos grupos ontológico e instrumental e observando a máxima do virtus in medium est, há uma posição intermediária acerca do tema, defendida por Lorenzetti, na obra intitulada: Comércio Eletrônico. Segundo o autor:

A posição ontológica nos parece excessiva no que toca à pretensão de consagrar um mundo novo paralelo ao real, uma nova dimensão imune ao sistema normativo. Inversamente, a tese instrumental peca por ser insuficiente, toda vez que a transposição analógica omite a consideração dos elementos específicos da nova situação fática, e, por isso, não raramente ineficaz. [...] Há que se aceitar as inovações e também inovar. É prudente que se as examine mediante o “paradigma da ancoragem”, o que significa estabelecer os pontos fixos que permitam inovação, mas não a insensatez, a hipótese aventureira ou a improvisação. A ancoragem significa estudar inovações, aceitá-las, mas num contexto de valores, de normas claras e de rigor39.

Destarte, seguindo o raciocínio de Lorenzetti, o Direito vigente deve ser entendido como o ponto fixo, uma âncora com a função de evitar que o mundo digital aliene-se da enorme experiência adquirida ao longo de séculos de história do Direito tradicional, especialmente no

que se refere à hierarquia de valores, a noção de justo e razoável e, sobretudo, aos princípios elementares do ordenamento jurídico vigente.

Em síntese, as normas construídas ao longo de séculos de história devem permanecer no ordenamento, como uma âncora, todavia, como os conflitos permanecem, mas o meio os modifica, é necessário que o Direito acompanhe as mudanças e as regule de forma específica quando as situações fáticas ou a sociedade assim o exigirem.

Na visão de Neto a própria definição de ciberespaço, trazida à lume no tópico anterior, contribui para afastar a posição conservadora que simplifica o problema da aplicabilidade do direito na internet, tentando adaptar a legislação tradicional aos casos ocorridos na rede, sob o argumento de que não há necessidade de regras específicas para regular tais situações jurídicas, por serem semelhantes as relações já acontecidas no mundo antes do avento da web40.

Seguindo esse raciocínio, além da mencionada lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, que deve ser interpretado como uma norma de adaptação aos novos tempos, o ordenamento jurídico nacional vem demonstrando a intenção de acompanhar a nova era digital, como se comprova também por meio da criação do Decreto 7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta a lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico.

Entre os elementos novos e específicos presentes no ambiente virtual, onde cada vez mais se concretizam relações sociais, econômicas e jurídicas, é mister destacar aqui aqueles que, geralmente, não aparecem nas relações jurídicas tradicionais. São eles: a distância física entre o fornecedor de produtos e serviços e o consumidor nas relações de consumo; a simultaneidade da oferta e aceitação nos contratos por meio da internet, o que denota uma maior rapidez na realização do negócio jurídico; a desterritorialidade da contratação, que passa a ser feita em um território virtual; a dificuldade em definir limites territoriais e físicos; a velocidade com que as decisões devem ser tomadas; a exteriorização das vontades perante máquinas ou equipamentos eletrônicos; a crescente capacidade de resposta dos indivíduos; a invasão da privacidade e intimidade desses, que agora ocorre de uma forma diferenciada, ou seja, sem o infrator precisar sequer sair de seu domicílio.

Ainda acerca das novidades oriundas da internet, Posner aponta quatro problemas essenciais que o ambiente virtual ocasiona a toda a sociedade. São eles: a facilitação, a

40 NETO, Antônio Silveira. Relações comerciais na Internet: a violação da privacidade e dos direitos do

consumidor. 2004. 197 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: 2004, p. 23.

disseminação e o recebimento de material indecente, particularmente de pornografia infantil. O segundo problema refere-se à inexistência de um controle de qualidade na internet e à difusão de informações inexatas e enganosas. Em terceiro lugar, em razão da rede mundial de computadores oferecer às pessoas a oportunidade de levar o seu discurso a um enorme público, ela acaba multiplicando a potencialidade lesiva do discurso irresponsável. Finalmente, a internet fomenta o comportamento antissocial, por permitir que pervertidos e extremistas encontrem seus pares com maior facilidade41.

Aqui cabe uma reflexão no que tange ao terceiro problema apontado pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago. Em virtude do potencial de lesividade infinitamente maior na rede, a danosidade das informações falsas ali veiculadas se torna muito mais grave.

A título de ilustração, basta pensar no exemplo de veiculação por meio da internet de uma publicidade enganosa ou abusiva de determinado produto que causou prejuízos à saúde da população. O tamanho do público atingido por aquele discurso inverídico é demasiadamente superior em relação à publicidade veiculada em uma mídia tradicional. Por essa razão, deve haver maior rigor na fiscalização e punição dessas condutas ilegais por intermédio da rede mundial de computadores.

Ao longo do trabalho esses e outros aspectos concernentes às relações jurídicas no ambiente virtual serão discutidos e aprofundados, no intuito de alertar, esclarecer e apontar soluções para os problemas suscitados.