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Em Portugal, as estruturas de administração e gestão dos estabelecimentos de ensino incluem unidades organizacionais de menor dimensão que, regra geral, seguem como critério de definição os grupos curriculares e disciplinares de docência.8 Apesar de mais comummente se inscreverem dentro de um quadro multidisciplinar e de complementaridade segundo cada área de conhecimento (ex. Departamento Curricular das Línguas, Departamento Curricular das Expressões, etc.), os departamentos curriculares podem surgir igualmente associados a graus ou níveis do sistema educativo escolar, como é o caso daEducação Pré-escolar ou o do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os departamentos, na sua especificidade e no desenvolvimento das suas funções administrativas e pedagógicas, possibilitam o desenvolvimento de culturas que se baseiam na perceção dos seus docentes sobre a regulação formal em interação com os seus interesses, crenças e valores.

De forma metafórica, podemos assim dizer que é comum as organizações escolares se assemelham a armários constituídos por gavetas departamentais e/ou disciplinares, em

8 - Recorda-se que a primeira intervenção legislativa que, no nosso país, requeria a criação de grupos e subgrupos

disciplinares data de 1977. A Portaria 679/77 de 8 de novembro, vem no seu ponto sete nomear os órgãos de apoio ao conselho pedagógico, os então denominados “conselhos de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade de turma”, que tinham, entre outras, as funções de: “a) Apoiar o trabalho dos professores, promovendo a troca de experiências sobre metodologia, técnicas e materiais de ensino; b) Refletir sobre os problemas relacionados com a avaliação dos alunos; c) Proceder à análise crítica dos programas e de qualquer outra documentação específica proveniente dos serviços centrais;” (Portaria 679/77 de 8 de novembro, 7.1.7).

que cada uma guarda os seus próprios elementos simbólicos culturais. São estes elementos simbólicos que vão influenciar as dinâmicas desses mesmos departamentos curriculares ou disciplinares. Regra geral, cada departamento ocupa o seu espaço específico e está protegido por uma fronteira bem definida, o que leva ao desenvolvimento de uma fraca, senão nula, articulação entre eles, fazendo com que pouca partilha ou aprendizagem ocorra entre os diversos profissionais.

As estruturas departamentais são, frequentemente, o espaço escolar onde os professores se sentem mais confortáveis e seguros, constituindo-se, tal como defende Carvalho (2002, p. 51), como

“O mais proeminente domínio de potencial de interdependência entre professores, fonte de identidade e base de um sentimento comunitário para os professores; aí, os seus membros partilham a experiência de serem um tipo igual de professor, uma especialidade, uma linguagem e modos de conceber e praticar o ensino.”

Assim sendo, poder-se-á afirmar que os departamentos curriculares/disciplinares são a forma mais comum de formação de identidade dos docentes, num contexto que é cada vez mais amplo, em virtude do aumento de alunos nos anos 80 e 90 e, mais recentemente, do redimensionamento dos agrupamentos escolares. Efetivamente, neste âmbito, é frequente os professores não conhecerem os colegas dos outros departamentos, os seus modos de pensar e de ensinar, as estratégias que aplicam e os recursos que utilizam. O departamento curricular/disciplinar torna-se um espaço onde os professores podem, de alguma forma, estar com os seus pares, levando-os a sentirem-se mais apoiados e confiantes.

É precisamente neste sentido que apontam Siskin & Little (1995, p.7) ao defenderem que “o departamento é a entidade singular que mais previsivelmente une professores uns aos outros, e mais profundamente divide grupos de professores uns dos outros”. Fica portanto em situação de evidência que, se por um lado, esta forma de identificação profissional (por vezes forte e inflexível nas suas relações com o exterior), pode promover uma cultura docente caracterizada pelo trabalho em equipa, por outro, pode inibir o desenvolvimento de uma cultura de escola unitária, onde todos trabalham de forma articulada e com objetivos comuns.

Não obstante o facto de ser difícil a criação de uma rede unitária de professores dentro de uma escola/agrupamento, devido a vários fatores, nomeadamente a vastidão e a heterogeneidade da população docente, por vezes, tais divisões também ocorrem dentro

dos próprios departamentos curriculares/disciplinares. É verificável, nomeadamente através do estudo desenvolvido por Ávila de Lima (2002), que muito frequentemente, mesmo nos subgrupos de profissionais há casos de isolamento dos professores, ou seja, elementos de um departamento que pouca ou nenhuma relação profissional desenvolvem com os seus colegas. Também no mesmo estudo se pode concluir que, mesmo em contexto de um subgrupo, se formam grupos de trabalho mais pequenos, que por vezes não ultrapassam os dois elementos.

Como constrangimentos ao desenvolvimento de culturas e/ou subculturas de professores de maior união, nos estudos analisados (ver Siskin, 1995; Hargreaves, 1998; Lima, J. A., 2002) são enunciadas as questões da instabilidade do corpo docente, a construção horária e a arquitetura das escolas. De igual modo, Neto-Mendes (2004, p.122, cit. Neto-Mendes, 1999) defende, que «as condições de organização do tempo, do espaço e dos “conteúdos” que enformam o “trabalho docente” contribuem para determinar a natureza do mesmo, definem os seus contornos, traçam-lhes os limites e as potencialidades.»

Através da nossa pesquisa, foi-nos possível constatar que na sua generalidade, os estudos científicos existentes sobre os departamentos curriculares/disciplinares e as suas culturas e dinâmicas têm como objeto de estudo as escolas do 2.º e 3.º Ciclos e do Secundário. Pensamos que é, desta forma, de relevância referir que no que concerne o Departamento Curricular de Educação Pré-escolar, bem como o departamento do 1.º Ciclo do Ensino Básico, outras questões importa salientar, uma vez que estas se prendem com a clarificação de aspetos relacionados com a sua identidade e cultura e, no fundo, com o seu modus operandi.

Acontece que estes dois departamentos curriculares possuem especificidades históricas, estruturais e culturais que os distinguem dos departamentos disciplinares das escolas de 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e do Secundário. Em relação a tais singularidades, Sarmento (1994, p.34) argumenta, em relação aos professores do 1.º Ciclo (e nós parafraseamos ao falarmos dos educadores de infância), que estes se caracterizam por

“[…] trabalharem em escolas com menor número de lugares docentes, e, por consequência, vivem em muitos casos uma situação de relativo (ou total) isolamento; estarem muito dispersos no território, dada a expansão geográfica da rede escolar; exercerem o ensino, dominantemente, segundo um modelo de monodocência em classe autónoma, […]”.

Efetivamente, estes dois departamentos foram, provavelmente, os que mais fortemente sentiram os impactos do novo modelo de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, definido através do DL n.º 115-A/98. Assim, foram criados os agrupamentos de escolas, funcionando como unidades organizacionais centralizadas. Esta reorganização implicou que, frequentemente, os estabelecimentos de Educação Pré-escolar e do 1.º Ciclo, anteriormente independentes ou organizados em agrupamentos horizontais [Pré-escolar + 1.º Ciclo], possuindo órgãos de gestão e administração autónomos, conforme havia delineado o DL n.º 172/91 de dez de maio, fossem integrados em agrupamentos escolares de estrutura vertical, passando a estar sob a alçada de uma mesma direção ou conselho executivo, geralmente com sede na escola do 2.º e 3.ºCiclos, e tendo que articular o seu trabalho com os demais departamentos e escolas do agrupamento (in DL n.º 115-A/98). Na realidade, o departamento de Pré-escolar teve de se adaptar para integrar um modo operativo diferente do da sua prática.

Ainda outro aspeto a levar em conta é o facto de os departamentos do Pré-escolar e do 1.º Ciclo funcionarem, geralmente, em espaços escolares distintos dos demais departamentos, dispersos pelo espaço abrangente do agrupamento. Razão pela qual os contactos estabelecidos internamente entre os docentes de cada um destes departamentos e entre estes e os profissionais de outros departamentos sejam menos concretizáveis e assíduos, uma vez que os seus elementos estão distribuídos por edifícios diferentes e, muitas vezes, distanciados.

Por fim, importa ter em consideração que os departamentos do pré-escolar e do 1.º Ciclo se caracterizam pela monodocência. Os docentes são, neste contexto, gestores de um único currículo, o que leva a que estes departamentos apresentem uma menor complexidade estrutural (em oposição à maioria dos departamentos do 2.º e 3.º Ciclos e do Ensino Secundário, frequentemente compostos por diversos grupos disciplinares), o que poderá facilitar a estruturação de culturas profissionais mais vinculativas. Assim, podemos considerar que, de algum modo, os departamentos curriculares de Educação Pré-escolar e de 1.º Ciclo, correspondem ao que Busher & Harris (1999, p.309), referindo-se às escolas do Ensino Secundário, denominam por “departamentos

unitários”9, sendo que segundo (1994) citada pelos mesmos autores, estes “têm tendência para ter uma forte influência na sua cultura.”.

É em conformidade com o supramencionado que concluímos que as dinâmicas que se desenrolam dentro dos departamentos e entre estes tomam formas muito variadas, pelo que são relevantes os estudos que permitam ouvir os professores e compreender de forma mais abrangente estes setores organizacionais e os seus constrangimentos. O que permitirá que se clarifiquem os fenómenos sociais que se desenvolvem em contextos de departamento e interdepartamental, considerando-os como estrutura administrativa de relevância nas organizações escolares.