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Colegialidade artificial

2.5. Lógicas de ação dos professores

Todas as organizações escolares desenvolvem uma rede complexa de valores e lógicas que lhes são específicas e que influenciam as ações e dinâmicas desenvolvidas pelos atores escolares no seu interior (Sarmento, 2000).

Deste modo, o conceito de lógica de ação apresenta-se como sendo bastante abstrato, podendo revelar-se complexa a tarefa de o colocar num plano mais concreto e acessível. Surgindo no mundo da sociologia e importado para o campo das organizações, muitos têm sido os autores que se apropriam do seu uso a fim de dar sentido à realidade organizacional. É neste contexto que Barroso et al (2004, p. 25) esclarecem que por lógicas de ação se entende “a existência de racionalidades próprias dos actores que orientam e dão sentido (subjectivo e objectivo), às suas escolhas e às suas prácticas, no contexto da acção individual ou colectiva.”, ou seja, por lógicas de ação, pode-se aqui entender que são as razões subjacentes à ação do indivíduo (ou de grupos de indivíduos), que o levam a decidir ir por um caminho em detrimento de todos os outros.

12 - A este respeito a Lei-quadro da Educação Pré-escolar (Lei n.º 5/97 de 10 de fevereiro) no artigo 2.º diz que: “A

educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário.”.

Igualmente nesta linha, e considerando a organização escolar um privilegiado centro de relações sociais, Sarmento (2000, p. 147) defende que

“As lógicas de acção são os conteúdos de sentido, relativamente estáveis e consolidados, com que os actores sociais interpretam e monitorizam a acção nas organizações escolares, ordenando, ainda que de forma precária e provisória, a realidade organizacional aparentemente fragmentada e dispersa.”

Partindo do pressuposto acima descrito, podemos concluir que, quando de certo modo uniformizadas no interior de um grupo (leia-se, neste contexto, departamento ou grupo disciplinar), são as lógicas de ação que orientam e justificam as tomadas de decisão e o desenvolvimento das práticas específicas desse grupo, permitindo simultaneamente, algum controlo da realidade mais alargada e sempre instável na qual o grupo se insere. Como já antes referimos, as organizações escolares em Portugal, são altamente reguladas por normativos emanados pela administração central. No entanto, os indivíduos que as constituem, possuindo margens de autonomia na sua ação, não se limitam a cumprir, de forma sistemática, cada uma das regras a que estão sujeitos formalmente. Neste contexto, Licínio Lima (1991, p. 582) advoga que os atores escolares “não jogam apenas um jogo com regras dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectivamente as regras disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas regras.”

É neste contexto, com recurso às regras formais e às regras criadas pelos atores no exercício da sua autonomia, que surgem, no interior da organização, nos contactos diários formais e informais, jogos de estratégia, de interesse e de poder que geram relações de conflito, de indiferença ou de cooperação entre os diversos atores. Estes jogos baseiam-se em elementos simbólicos (crenças, valores, ideologias, saberes, etc.) que caracterizam a cultura de escola onde os atores se inserem. Assim, concordamos com Sarmento (2000, p. 150), ao afirmar que “as lógicas de acção sustentam-se em sistemas simbólicos mais vastos, de incidência organizacional, em particular nas culturas organizacionais de escola.”.

As dinâmicas da organização escolar, vista esta como um sistema de ação concreta (Friedberg, 1995), são influenciadas, por um lado, pela margem de autonomia que autores como Torres (2005) referem e, por outro, por uma racionalidade fortemente influenciada pelo seu carácter limitado e restrito (Friedberg, 1995; Sarmento, 2000; Torres, 2005 entre outros). As lógicas de ação, sob forte impacto dos dois aspetos

supramencionados, vão-se construindo na ação e pela ação e constituem-se tanto como disposição para a ação quanto como justificação a posteriori da mesma (Sarmento, 2000, p. 149; Barroso et al, 2004, p.26).

É na tentativa de compreender as dinâmicas existentes nas organizações escolares, em relação à diversidade cultural que as caracteriza, que Fontoura (2005, p. 136-140) estabelece entre outras, três lógicas que se prendem diretamente com as questões da diversidade cultural nas escolas. São elas a lógica da homogeneização cultural assimilacionista, a lógica de homogeneização cultural de déficit/privação e a lógica intercultural.

- Lógica da homogeneização cultural

Pressupõe-se que o indivíduo necessita de se libertar dos traços culturais da sua cultura de origem no sentido de adquirir a cultura dominante. É igualmente defendido que a etnia/cultura dos alunos prejudica a sua integração a nível social, económico e cultural e que, portanto, os currículos não necessitam de ser adaptados.

- Lógica de homogeneização cultural de déficit/privação

Considera-se que os alunos possuem um défice a vários níveis, nomeadamente no que se refere aos valores e às regras, levando a que estes jovens desenvolvam atitudes negativas e desadequadas e possuam fracas competências sociais, de aprendizagem, de organização e de motivação, etc. Nesta lógica parte-se do princípio de que são necessários programas de carácter compensatório que anulem tais “déficits”, resolvam as disfunções culturais e desenvolvam competências sociais.

- Lógica intercultural

Baseia-se em princípios de justiça social, igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso, valoriza a diversidade cultural e promove as interações entre todos. Os professores orientados por esta lógica envolvem-se e desenvolvem projetos que permitem o desenvolvimento da consciência cívica e a valorização e participação de

todos os alunos, ao mesmo tempo que adaptam o currículo no sentido de os adequar ao contexto e às necessidades dos alunos.

Além de Madalena Fontoura, que referimos anteriormente, é de particular relevância para este estudo, o trabalho de Manuel Jacinto Sarmento, da Universidade do Minho. No que concerne o estudo das lógicas de ação em contexto educacional, Sarmento é aquele que mais se destaca no panorama português (ver Sarmento, 1992, 1997, 2000). Aquando da elaboração do estudo para a sua dissertação de mestrado (Sarmento, 1992), o autor entrou nos domínios da investigação em contexto escolar ao estudar a cultura organizacional de escola e os aspetos simbólicos orientadores da ação dos professores, partindo das suas próprias representações. Na sua tese de doutoramento (Sarmento, 1997), o autor foi mais específico e teve como objeto de investigação as lógicas de ação dos professores no contexto do, então, ensino primário. É esta tese que vai, posteriormente estar na base do seu livro Lógicas de ação nas escolas (Sarmento, 2000). Assim, tomando a escola do 1.º Ciclo como objeto do seu estudo, Sarmento propõe-se a analisar o sentido das ações dos diversos atores escolares: os valores e crenças que orientam as suas ações, e as possibilidades e os constrangimentos que condicionam a sua ação, relativamente autónoma, apesar, do seu contexto altamente regulado centralmente13.

Quadro 2 – Matriz das lógicas de ação desenvolvida por Sarmento (2000)

Lógica Principio Valor Referente organização Ênfase da Vulnerabilidade

Serviço público Uniformidade oportunidades Igualdade de Estado Estrutura Burocratização da acção pedagógica

Profissional Profissionalidade profissional Autonomia Professores Recursos humanos

Limites na participação dos alunos e da comunidade Desenvolvimento local Endogenia Desenvolvime nto

comunitário Comunidade Contexto

Permeabilidade aos atavismos locais

Mercado Competição Eficácia Mercado Resultados Desigualdade escolar e social

Direitos da

criança Autonomia Equidade Alunos

Interacções sociais

Colocação nas margens do sistema

13 - Outros autores há no panorama nacional, que se dedicaram/dedicam ao estudo das lógicas de ação de outros

atores, são disso exemplo Stöer & Cortesão (1999) que, igualmente no campo da diversidade cultural, se debruçam sobre o estudo das lógicas de ação de grupos étnico-culturalmente minoritários em relação à afirmação das diferenças