• Nenhum resultado encontrado

O conceito de cultura apresenta-se como algo complexo e difícil de definir de forma unânime pelos inúmeros investigadores das mais diversas áreas científicas, pois trata-se de um termo detentor de múltiplos sentidos, ainda que seja transversal a todos esses sentidos o facto de o ser humano, na sua relação social com os outros, se encontrar no centro de qualquer uma das definições. 7

Sarmento (2000, p. 80) defende que “a cultura é o repositório de significações (de ideias, de valores e de formas materiais de reconhecimento e identificação) que reflete o horizonte das possibilidades interpretativas e comunicativas entre os actores sociais.”. Do mesmo modo, Torres (2006, p.143), defende que se trata do “conjunto de valores, de

7 - Os mais comuns partem da definição de Tylor, E. (in: Primitive Culture): “A cultura ou civilização, entendida no

seu sentido etnográfico mais amplo, é o conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e toda a demais capacidade ou hábito adquiridos pelo homem enquanto membro de uma

crenças, de ideologias accionadas pelos actores nos processos de interacção social.”. Em ambas as definições é possível a depreender que é na relação dinâmica entre os vários elementos de um grupo que a cultura se vai construindo, desenvolvendo e adequando às características que a definem. Estes traços vão servir, simultaneamente, de sistema regulador das relações e das ações desse mesmo grupo. Assim sendo, um indivíduo é concomitantemente influenciado e influenciador de uma cultura onde se insira. As organizações, neste caso escolares, apresentam-se assim, como agentes produtores e reprodutores de cultura e dos seus sistemas simbólicos.

A cultura é pois algo que não é estático, vai-se construindo e reconstruindo, sendo o resultado não só da interação social entre os diversos indivíduos mas também entre estes e as oportunidades e os constrangimentos causados quer pela estrutura organizacional, quer pelo ambiente organizacional externo. É neste sentido que, segundo Torres (2006, p.142), a cultura não pode ser pensada

“[…] como o reflexo ou a tradução directa e imediata da estrutura, ou como o produto exclusivo das interacções humanas, aprofunda-se, alternativamente, o seu processo de construção, convocando para o efeito as complexas relações de implicação mútua entre a estrutura e a acção organizacional.”

Assim, para além dos princípios normativos impostos formalmente na tentativa de regulação organizacional, os atores de uma determinada cultura, detentores de uma autonomia relativa, usufruem da liberdade de escolher entre aceitar integralmente esses mesmos princípios normativos e de os implementar na sua ação, ou de criar regras alternativas ou complementares às normas formais, dando origem a tensões entre a estrutura e a ação (Lima, L. 2003; Torres, 2006).

Nas organizações educativas, tratando-se de organizações onde as interações sociais não só são uma constante, como são o instrumento principal do desenvolvimento da sua atividade organizacional, as premissas defendidas, tornam-se ainda mais relevantes. Neste sentido, Sarmento (1994, p. 95) vai ainda mais longe e afirma que “a cultura organizacional das escolas é mesmo a única variável que permite entender como se realiza a unidade organizacional, dada a fragilidade das suas diversas articulações”. No entanto, num Sistema Educativo como o português, caracterizado pelo forte centralismo administrativo, facilmente se adivinha a existência de um “quadro de constrangimentos, historicamente consolidados assentes na adoção de dispositivos de controlo ideológico e simbólico” (Torres, 2006, p.144). No sistema educativo do nosso

país, é de facto fácil percecionar a detalhada regulação que é aplicada às nossas escolas. Torna-se possível, por vezes de forma significativa, percecionar a tensão que frequentemente surge entre esta regulação (estrutura formal), e a ação organizacional (regras não formais e informais).

É, muitas vezes como consequência desta tensão entre a regulação e a ação organizacional dos indivíduos e grupos de indivíduos, no uso da sua margem relativa de autonomia e geridos pelos seus interesses pessoais, que faz mais sentido falar, não de cultura de escola mas de culturas de escola. São precisamente os diversos grupos e subgrupos, condicionados pelos seus próprios valores e interesses, que vão formar o perfil identitário da organização escolar. Deste modo, faz sentido aludir ao que Torres (2006, p. 170) refere, na esteira de Alvesson (2000, p.190 e seg.), como “configurações culturais múltiplas”, para ilustrar a ideia de que a cultura de uma organização não é homogénea e pode, portanto, manifestar-se segundo níveis e naturezas distintas, gerando como que constelações socioculturais, que se formam quando estes grupos, ao partirem da regulação formal, tomam direções que vão de encontro aos interesses, às crenças e aos valores que lhes são específicos.

É neste sentido que vão os estudos desenvolvidos pelos investigadores portugueses, que ao longo das últimas duas décadas têm dedicado a sua atenção às questões das culturas de escola. Tomamos como exemplo principal, o trabalho desenvolvido por Leonor Lima Torres do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, que possui um vasto e rico leque bibliográfico, na área da cultura organizacional de escola (ver Torres, 1997a, 1997b, 2003, 2005, 2006, 2008a, 2008b, 2011). A investigadora, iniciou os seus trabalhos de pesquisa sobre as culturas organizacionais durante o seu mestrado no qual realizou um estudo exploratório a partir das representações dos professores sobre a cultura da sua organização escolar (Torres, 1995). Da mesma forma, a pesquisa para a sua tese de doutoramento incidiu sobre os processos de construção de culturas e os seus aspetos simbólicos numa escola secundária (Torres, 2003).

Ainda na continuação destes trabalhos de investigação referimos aqui, como exemplo, o capítulo do livro Compreender a escola, de Licínio Lima (2006), “Cultura organizacional em contexto escolar”, no qual Torres esclarece, de forma sucinta, acerca do tema das “escolas, enquanto contextos organizacionais” recorrendo a uma abordagem crítica, reflexiva e com múltiplas perspetivas, a qual se tem tornado frequente no panorama nacional mas que entra em confronto com algumas das

abordagens dominantes no panorama internacional, nomeadamente das que se orientam numa perspetiva mais gestionária (Torres, 2006, p.135). Neste sentido, a autora propõe- se a desenhar uma matriz teórica de análise da cultura organizacional, centrada nos simbolismos que caracterizam a organização escolar enquanto cultura.

Já antes, Rui Gomes, investigador do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, no seu estudo que resultou na obra Culturas de escola e identidades dos professores (Gomes, 1993), entra, com recurso ao fio orientador da Sociologia e da Psicologia Social das Organizações, nos meandros da organização escolar, analisando de forma crítica tanto culturas de escola como um todo, quanto as culturas identitárias e profissionais dos professores (os seus valores, crenças, imagens) mais especificamente, em dois estabelecimentos de ensino portugueses.