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Historicamente, a profissão docente sempre foi entendida como uma atividade profissional que se desenvolve de forma solitária, indo de acordo com o que Neto- Mendes (2004, p.122) caracteriza como uma “matriz individual”. Cada professor na sua sala, a desenvolver o seu trabalho de ensino dos seus conteúdos, com os seus métodos e técnicas específicos e com o(s) seu(s) grupo(s) de alunos. Atualmente, esta tendência, parece manter-se. Com efeito, é neste âmbito, que Hargreaves (1998, p.187) afirma que “a maior parte dos professores continua a ensinar a sós, por detrás de portas fechadas, no ambiente autocontido e isolado das suas salas de aula.”

Com a nova organização escolar que está em curso desde os últimos anos e, na qual têm vindo a ser criados agrupamentos escolares cada vez maiores e escolas com cada vez mais alunos e, consequentemente mais professores, identificam-se, com crescente frequência, as situações em que os professores não conhecem a grande maioria dos seus colegas.11

Estamos, assim, perante um Sistema Educativo maioritariamente dominado por uma cultura profissional docente caracterizada essencialmente pelo que Hargreaves (1998) denomina de individualismo/isolamento. Esta foi, igualmente, a conclusão a que Ávila de Lima chegou no seu estudo, sendo que “os professores estabeleciam um conjunto relativamente diminuto de relações profissionais informais com os seus colegas.” (2002, p.66).

Ainda segundo Ávila de Lima (2002), a personalidade individualista dos docentes tem sido, com frequência, apontada como principal causa do seu isolamento profissional. Porém, como o autor defende, os constrangimentos estruturais são muitas vezes, mais responsáveis pelo trabalho isolado dos docentes, do que as características pessoais dos

10 - Além destas, Hargreaves sugere uma 5.ª forma de cultura docente pouco frequente mas que começa a emergir em

escolas de pequenas dimensões, a cultura do mosaico fluído. Esta forma cultural caracteriza-se pela existência de fronteiras ténues, sobreposição de categorias e filiações. Flexibilidade, dinamismo e reação; incerto, vulnerável e contestado. Esta forma cultural beneficia o clima de escola e baseia-se em procedimentos claros, honestos e democráticos e requere elevada qualidade na comunicação e intensa participação dos indivíduos nos processos de tomada de decisão.

11 - Apesar de mais comum nas escolas de 2.º e 3.º ciclo, nas escolas de 1.º ciclo com jardim-de-infância agregado,

com dimensões por vezes consideráveis, tais situações verificam-se ocasionalmente. Muito mais frequentes, no entanto, são os casos dos professores que no seu dia a dia laboral, apesar de conhecerem os seus colegas, não

mesmos. O modo como a escola é construída, como os horários são elaborados e até como o trabalho em grupo é incentivado e valorizado pelos gestores escolares, podem ser considerados elementos que influenciam o desenvolvimento da cultura docente. Hargreaves (1998, p. 193) defende que “quando falamos de individualismo, estamos a referir claramente, não uma única coisa, mas antes um fenómeno social e cultural complexo que possui muitos significados, […]”. É esta linha de pensamento que leva o autor a apresentar três formas de individualismo na cultura docente: individualismo

constrangido (condicionalismos administrativos, arquitetura das escolas, construção

horária, etc..); individualismo estratégico (contingências quotidianas do trabalho, concentração na preparação de tarefas individuais, etc..); individualismo eletivo - opção pelo isolamento e trabalho solitário.

Ao nível da eficiência laboral, o individualismo reflete-se em vários domínios, pese embora nem todos possam ser considerados negativos, de um modo geral causam limitações ao desenvolvimento profissional dos professores. Hargreaves (1998) refere que se por um lado, o individualismo pode permitir que o professor demonstre a sua capacidade de trabalhar autonomamente e o desenvolvimento do sentido de conforto, proteção e segurança ao manter os outros do lado de fora das suas práticas pedagógicas, por outro, ficam a carecer de feedback e indicadores de reflexão, que levem, eventualmente, à melhoria das suas práticas, assim como da exposição e partilha de práticas inovadoras e eficazes. É neste contexto que, no seu trabalho conjunto, Fullan & Hargreaves (2001, p. 29) afirmam que

“[…] quaisquer que sejam as coisas maravilhosas que os professores possam fazer, ninguém dará por elas e quaisquer que sejam as más, ninguém as corrigirá. Muitas das soluções para os problemas estão algures, lá fora, mas permanecem inacessíveis. Não conseguimos vê-las.”

- Balcanização

Andy Hargreaves (1998) define a balcanização como a “colaboração que divide”. Segundo o autor culturas docentes balcanizadas são

“[…] situações nas quais os professores trabalham, não em isolamento, nem com a maior parte dos seus colegas (enquanto escola, como um todo), mas antes em subgrupos mais pequenos, no seio da comunidade escolar, tais como os departamentos disciplinares das escolas secundárias, as unidades de educação especial, ou as divisões juniores e primárias das escolas elementares.” (1998, p. 240)

Nestas situações os professores definem a sua identidade a partir da pertença a um subgrupo específico, através de fortes princípios de lealdade e apoio mútuo, mas com a definição de fortes limites no que se refere ao envolvimento de elementos externos ao próprio grupo, ou pertencentes a outros subgrupos dentro da mesma escola, ou agrupamento de escolas.

Também Ávila de Lima (2002, p. 112) percebeu que os professores estabeleciam as suas relações com um grupo bastante limitado de colegas, sendo que “estes pequenos subgrupos são a forma de associação mais comum encontrada nas redes de contactos profissionais entre os docentes” e, na sua grande maioria constituem-se a partir da sua divisão disciplinar/departamental.

Tendo em linha de conta o princípio de que o trabalho desenvolvido em pequenos grupos não tem necessariamente de ser avaliado como algo negativo e prejudicial, o principal ponto a considerar prende-se com as configurações que esses grupos apresentam. É neste sentido que Hargreaves (1998, p. 241) apresenta quatro características específicas das culturas profissionais balcanizadas: permeabilidade baixa (pouco notória, ou mesmo inexistente, a pertença dos professores a mais de um subgrupo que são pouco recetivos a novos elementos); permanência elevada (pouca mobilidade dos elementos de um subgrupo para outro); identificação pessoal (grande ligação ao seu subgrupo de pertença, defesa de princípios fortes e pouco flexíveis, pouca abertura à colaboração com outros subgrupos); compleição política – partilha de objetivos políticos e interesses particulares comuns a todos, pelos quais lutam em conjunto).

Em suma, as culturas balcanizadas têm origem em princípios de colaboração, mas ficaram cingidas a pequenos grupos que se fecharam sobre os seus princípios, interesses e dinâmicas, manifestando-se intolerantes a interações e trocas de conhecimentos com outros elementos da comunidade escolar, o que traz como consequências, limitações na aprendizagem profissional dos professores e a aniquilação, a priori, de possíveis articulações produtivas com profissionais de outros subgrupos, no sentido de melhorar o seu desempenho e o processo de aprendizagem dos alunos.

Não obstante a sua comprovada ineficácia, através de diversos estudos ao longo das últimas décadas, desta forma da cultura profissional docente (ver Hargreaves, 1998; Neto-Mendes, 1999; Ávila de Lima, 2002), as formas culturais docentes balcanizadas,

em conjunto com as de cariz individualista, permanecem como sendo as dominantes nas escolas atuais, mesmo naquelas que demonstram, de algum modo, abertura à mudança e à inovação.