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EDUCAÇÃO PARA A ERA PLANETÁRIA

2. Processos e formas de globalização

3.1 Cultura e identidade cultural

Importa, neste momento, referir que não é nosso objectivo fazer uma apresentação exaustiva destes dois conceitos, que não caberia no âmbito deste trabalho. Trata-se de uma breve abordagem para contextualizar a conceptualização do programa de intervenção que apresentamos na segunda parte deste estudo.

A definição clássica de cultura que nos chegou pelo antropólogo inglês E. B. Tyler (1977), a quem se atribui a elaboração do conceito pela primeira vez, refere-a como a totalidade dos padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano, como o conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte ou técnicas, a moral, as leis e os costumes, assim como qualquer faculdade ou hábito que o ser humano adquira enquanto membro da sociedade. Trata-se de uma definição que tem implícita uma concepção de cultura enquanto somatório de

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dados (traços culturais). Este ponto de vista encontra-se em estreita relação com a crença, partilhada pelos evolucionistas, de que seria possível reconstruir a cultura de épocas passadas, integrando no novo os traços dispersos dos antigos costumes, que tivessem sobrevivido até aos tempos actuais. Ressalta desta concepção a cultura como manifestação do ser humano enquanto elemento da sociedade. Entende-se, assim, a cultura como um reflexo da totalidade dos traços culturais de um modus vivendi, isto é, o conjunto dos hábitos de vida, dos costumes, das representações, das emoções, das competências distintivas de um determinado grupo social, num trabalho contínuo de transmissão, socialização, iniciação ou educação. Este pensamento incide na ideia de que a cultura não é adquirida através da herança biológica, mas sim pela inculturação, ou seja pela aprendizagem, consciente e inconsciente, numa sociedade concreta com uma tradição cultural específica (cf. Silva, 2008; Vallespir, 1999).

Malinowski, no inicío do século XX, seguindo uma orientação sociológica, rompe com esta visão de reconstrução histórica advogando a necessidade do estudo rigoroso da estrutura dos elementos culturais concretos. O conceito de cultura abarca assim tudo o que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de determinado grupo e que lhes confere uma identidade dentro do seu grupo de pertença. No seguimento desta orientação sociológica, Giddens (1991) interpreta cultura por referência aos valores que os membros de um dado grupo mantêm, às normas que adoptam e aos bens materiais que produzem. Enquanto os valores são ideais abstractos, as normas são os princípios definidos ou regras que as pessoas devem cumprir na sua vida social. Deste modo, a cultura diz respeito a algo que é realizado pelos homens, que é construido por eles em interacção e que é transmitido, através de diferentes gerações pelos agentes culturais (pais, professores, pessoas mais velhas, líderes religiosos).

A cultura refere-se, assim, aos estilos de vida dos elementos de uma sociedade ou de grupos dentro da mesma, incluindo não só hábitos, saberes, ideais ou tradições, mas também os bens que são criados pelo grupo e que se tornam significativos para o mesmo. De facto, de acordo com Giddens (1991:32), ―sem cultura, não seríamos completamente ‗humanos‘, no sentido em que habitualmente compreendemos o termo. Não teríamos linguagem/língua em que nos expressamos, nenhum sentido de auto-consciência, e a nossa aptidão para pensar ou raciocinar seria severamente limitada‖.

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Deste modo, quando uma criança nasce, vai inserir-se num ambiente povoado de significantes e significados, que lhe serão transmitidos pelos elementos da sua comunidade de pertença, e que darão sentido ao seu mundo físico, pessoal e social, contribuindo para a formação da sua identidade. Esta formar-se-á através da compreensão ou discriminação de certas características culturais, ideias, valores, condutas sociais e também pelo reconhecimento cognitivo e afectivo de pertença a um determinado grupo possuidor de determinadas características, nomeadamente linguísticas.

Neste sentido, Maalouf menciona que ―L‘identité de chaque personne este constituée d‘une foule d‘éléments qui ne se limitent évidemment pas à ceux qui figurent sur les registres officiels. Il y a, bien sûr, pour la grande majorité des gens, l‘appartenance à une tradition religieuse; à une nationalité, parfois deux; à un groupe etnique ou linguistique; à une famille plus ou moins élargie; à une profession; à une institution; à un certain milieu social‖ (1998: 16-17).

Segundo Geertz (1989), o indivíduo converte em seu um sistema previamente estabelecido de significados e de símbolos que utiliza para definir o seu mundo, expressar os seus sentimentos e formular os seus juízos. A cultura assume-se, então, como padrões de significados ou teias de significação, uma vez que abre espaço para se pensar em diferenças culturais sem qualquer hierarquização que lhes seja inerente ou essencial, instigando a procurar os seus modos de produção e as relações de poder sempre ambivalentes que emergem. Ao assumirmos esta noção de cultura, chamamos a atenção para a dinâmica e a fluidez do que se denomina padrões culturais, não como modelos rígidos e definitivamente constituídos, mas sim como um conjunto ou horizonte de significados que se transforma e reconstrói na interacção.

Do confluir das diversas perspectivas apresentadas, podemos então assumir a cultura como uma abstracção obtida através da observação do comportamento e das relações entre indivíduos e que corporiza algumas características, como poderemos observar na figura que se segue.

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Figura 3 – Características da cultura (construído a partir de Peres,1999 & Vallespir, 1999)

Em síntese, poderemos dizer que:

a) a cultura aprende-se e transmite-se mediante processos de socialização complexos onde a linguagem desempenha um papel primordial, os indivíduos incorporm os múltiplos e diversos elementos culturais próprios, o que lhes confere uma identidade grupal;

b) é simbólica, uma vez que todas as culturas possuem símbolos que são compreendidos de modo semelhante por todas as pessoas que integram aquela comunidade cultural, sendo a língua um dos seus aspectos mais simbólicos;

c) é funcional e comunicativa, enquanto instrumento para satisfação das necessidades culturais e rede de sentidos que tornam possíveis as relações pessoais;

d) é normativa, a ordem social requer regras que tornem possível a convivência entre indivíduos e o funcionamento das instituições, a sociedade tende a evitar os desvios;

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e) é sistémica, os numerosos elementos que configuram a cultura formam parte de um todo; f) possibilita o desenvolvimento cognitivo e afectivo, a cultura é um sistema de conhecimento que resulta da acção mental do ser humano, assim cada cultura tem o seu modo de perspectivar a realidade e o seu modo de interagir com o outro;

g) é dinâmica, tem a capacidade de responder a situações novas, como por exemplo os movimentos migratórios ou a globalização;

h) e é partilhada, uma vez que não é propriedade de um indivíduo, é de todas as pessoas de uma sociedade, a sociedade e a cultura são inseparáveis (Peres, 1999 ; Vallespir, 1999, entre outros).