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SENSIBILIZAÇÃO À DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E CULTURAL PARA UMA INSERÇÃO CURRICULAR

3. Currículo, gestão curricular e projectos de intervenção educativa 1 Currículo um conceito plurissignificativo

3.2 Paradigmas Curriculares

O campo conceptual que apresentámos é norteado por várias teorias que o fundamentam e que se constituem como marcos nas práticas educativas, nomeadamente nas curriculares, influenciando quer a acção dos intervenientes quer a determinação de conteúdos inerentes à gestão curricular, enquanto processo de tomada de decisões.

Para Roldão (2000), a teoria assume uma necessidade de contextualizar e de explicar a prática. Por seu turno Sacristán (2000) refere que a prática corporiza uma existência real que a teorização deverá explicar e esclarecer e que não se trata de uma interpretação única, mas sim de uma interpretação considerada como particular, a qual obedece a uma conjuntura específica.

Nesta linha de pensamento, as teorias curriculares assumem-se como mediadores entre o pensamento (teoria) e a acção educativa (prática), assumindo a forma de metateorias. Não corporizando per si utilidade, apenas a ganham enquanto fundamento do pensamento e da acção educativa diária do professor e dos alunos. Deste modo, segundo Sá-Chaves (2000), torna-se clara a representação da mediação entre conhecimento, aluno e professor, assim como as relações micro, meso e exossitémicas que norteiam a intervenção educativa.

Kemmis (in Dinis & Roldão, 2004) salienta a importância da evolução, da inovação e da mudança no campo da teorização e prática curricular, sustentando que nenhuma teoria deve ser considerada como um referencial estável para o estudo do currículo.

Assim, o conceito de currículo, no plano das culturas profissionais e organizacionais das práticas de ensino tradicionais, é divergente de quadros curriculares de referência do paradigma crítico-reflexivo emergente.

De acordo com Roldão (2005), vivemos num tempo de ruptura epistemológica em que o paradigma emergente põe em causa as lógicas do paradigma ainda vigente13. O campo educacional, devido à sua vinculada complexidade e diversidade, nomeadamente linguística e

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De acordo com Roldão o paradigma ainda vigente nas escolas é o ―paradigma herdado de uma época caracterizada pelo tal carácter nacional do currículo e pelo seu direccionamento para um público que já se previa que era restrito e que portanto tinha necessidades e expectativas relativamente à escola muito diferentes das que ocorrem hoje‖ (2000:10).

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cultural, não pode ser reduzido a uma ―lógica de racionalidade técnica e a pressupostos da ciência pura / ciência aplicada ou a perspectivas de generalização ou normatividade‖ (Roldão, 2005:14), previstos no paradigma da racionalidade técnica.

Urge o repensar do currículo, devido à mudança visível de uma escola de elites para uma escola de massas, numa sociedade que defende a educação para todos, uma escola destinada a públicos heterogéneos, quer do ponto de vista cultural quer do ponto de vista linguístico, tal como acontece nas sociedades actuais, como já referido (cf. página 44 do presente estudo).

3.2.1 De um paradigma da racionalidade técnica a um paradigma da racionalidade crítico-reflexiva

Bobbitt, em cuja obra aparece pela primeira vez a noção de currículo, tal como já referido, inspirou-se nos princípios teóricos que Taylor preconizava, os quais foram desenvolvidos para a indústria e cujo grande objectivo era a efeciência. Imbuído desta lógica taylorista, Bobbitt propunha um sistema educacional que fosse capaz de identificar com precisão os resultados que pretendia obter, para estabelecer métodos de modo a atingi-los, identificando também formas de mensuração que permitissem saber se os resultados haviam sido alcançados, situando-se, claramente, num paradigma de racionalide técnica (Tomaz, 2007).

Neste contexto, segundo Tyler, a organização e o desenvolvimento do currículo deveriam responder a quatro questões:

―Que objectivos educacionais deve a Escola procurar atingir?

Que experiências educacionais podem ser proporcionadas para que seja possível atingir esses objectivos?

Como podem essas experiências ser eficazmente organizadas?

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Tratava-se de uma abordagem muito pragmática do currículo em que de modo simples eram traçados os percursos de aprendizagem: objectivos educacionais; experiências educativas (conteúdos e actividades) e a avaliação, consecução ou não dos objectivos (Pacheco, 2007; Fernandes, 2006; 2002).

Assim, a rigidez e a uniformidade eram características do currículo, compreendendo-se que, segundo Roldão, o conceito de currículo estivesse estritamente ligado ao de programa, ―enquanto corpo rígido e uniforme de conhecimento a fazer passar aos utilizadores da escola‖ (Roldão, 1999a:36). Estamos a falar da prevalência de um discurso normativo como estruturador de finalidades definidas e homogéneas. Como refere Roldão, ―o saber educativo confundiu-se durante muito tempo como o saber conteudinal, o saber de que o professor era o mediador e o divulgador‖ (2005: 20).

Por sua vez, Pacheco refere que esta perspectiva equaciona a ―definição de currículo com a de programa definido em termos nacionais e implementado de modo estandardizado em todas as regiões e escolas, de modo a salvaguardar a legitimidade normativa e a racionalidade técnica do processo de desenvolvimento curricular‖ (2003: 3).

Nesta perspectiva, a educação era concebida como um encargo nacional, uma responsabilidade do Estado, um sistema administrativamente centralizado. Sendo o estado o principal responsável este deveria assumir a função de conceber a educação.

Neste paradigma, o que é ―importante e socialmente reconhecido é o saber conteudinal – eternizando o anacrónico ―sei logo ensino‖‖(Roldão, 2005: 21). O professor pratica uma economia de transporte (Roldão, 2005) das áreas científicas operada por uma passagem da informação do docente para os alunos. Deste modo, o ensinar era sinónimo ―de transmitir um saber‖, essa interpretação de ensinar revestiu-se outrora de significado socialmente relevante, ―quando o saber disponível era muito menor, pouco acessível, e o seu domínio limitado a um número restrito de grupos ou de indivíduos‖. A autora prossegue referindo que ensinar era como a ―especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos de currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém‖ (Roldão, 2007: 95).

No entanto, neste pano de fundo, duas realidades entraram em ruptura e levaram à necesssidade de um novo paradigma:

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- a massificação do ensino, outrora o público escolar era essencialmente um público homogéneo e actualmente é cada vez mais diverso social, cultural e linguisticamente; - devido à complexificação das sociedades, o Estado de gestor da educação, pela centralização de poderes, dá lugar a uma crescente assumpção de progressiva autonomia por parte das escolas (Roldão, 2000).

Inserindo-se neste quadro de mudança paradigmática, Dewey considera a educação como sendo fulcral para a reconstrução ética, uma vez que ela pode criar as condições necessárias para a ocorrência de mudanças sociais, promovendo uma forma conjunta de vida, em democracia. Este pensamento opõe-se a uma definição de currículo que exclui a praxis pessoal e personalizada que não releve a dimensão social. Falamos da educação enquanto processo de conquista, de transformação pessoal e social, onde a autonomia e a cidadania são expressões inseparáveis de uma mesma forma progressiva que conduz à democracia.

Também a investigação e o pensamento de Schön, nos anos 80, balizam um momento repleto de importância na compreensão da natureza do saber educativo e nas questões que nos remetem para a prática docente.

Sacristán (2000) refere que o currículo representa múltiplos tipos de práticas, não podendo reduzir-se à prática pedagógica do ensino. Trata-se de uma ideia de currículo enquanto construção social e cultural, enformada por valores, que se desenvolve num processo interactivo e contínuo entre acção e reflexão, sustentando-se na abordagem de tipo ecológico (cf. Tomaz, 2007; Roldão, 2000; Grundy, 1991).

Deste modo, e em concordância com a lógica global da proposta de Zabalza (1992) no sentido da flexibilidade e autonomia na gestão curricular, é importante passar-se do currículo formal para o currículo real através da actuação do professor, enquanto responsável pela mediação entre a proposta efectiva do currículo e a concretização das aprendizagens pelos alunos. Assim, segundo Roldão (1999a), a interrelação entre o conceito de currículo e o conceito de projecto rompem com a ideia de centralismo, pois a realidade dos contextos escolares é profundamente diversificada. É no projecto que o currículo incorpora e que ganha mais força.

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Nesta linha de pensamento e de acordo com Pacheco, o currículo pode ser entendido ―como um projecto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interactivo, [implicando] unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino (1996: 20).

Assim, Roldão refere que da ―reconceptualização do currículo decorre também uma nova percepção do processo de desenvolvimento curricular‖: ao currículo perspectivado como um ―corpo normalizado das aprendizagens a adquirir‖, contrapõe-se o conceito de desenvolvimento curricular, ―em termos da tradução didáctica de um conjunto de conhecimentos científicos‖ (Roldão, 1999a:38). Segundo estes moldes, o desenvolvimento curricular é reconduzido ―a um genuíno processo de decisão e gestão curricular‖ (ibidem), o que pressupõe a construção e fundamentação de propostas, implicando também a tomada de decisões, a avaliação dos resultados e o (re)adequar de processos, quer ao nível da escola quer dos docentes, pressupondo necessariamente uma gestão curricular flexível.