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EDUCAÇÃO PARA A ERA PLANETÁRIA

1. Para uma compreensão da era planetária 1 Noção de era planetária

1.2 Cidadania planetária

1.2.3. Educação para a era planetária

As discussões sobre cidadania planetária abrangem as diversas áreas do conhecimento, estando também presentes na área da educação. Com efeito, a educação deve-se

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responsabilizar pelas questões emergentes das nossas sociedades, contribuindo assim para a criação da humanidade comum. Ora, segundo Sacristán (2002:30), ―uma nova sociedade, conetada em rede está emergindo como consequência de fenómenos económicos, políticos e culturais globalizadores que incidem sobre a educação e exigem dela uma resposta‖.

Neste quadro surge a necessidade de uma educação para a era planetária (EEP), a qual nos remete para a crescente necessidade da construção de um ethos mundial (Boff, 2003), ao que é inerente a necessidade da reforma do modo de conhecimento, do ensino, do pensamento, reformas estas que são interdependentes (Morin, Motta & Ciurana, 2004).

Torna-se necessário mobilizar saberes para interagir com o contexto para perspectivar os problemas a um nível global, para conseguirmos compreender do geral para o particular e do particular para o geral. Assim, cada parte do mundo faz cada vez mais parte do todo enquanto o todo está cada mais presente nas suas partes, ―cette identité globale peut se boucler à l‘horizon d‘un processus complexe, résulter du desequilibre dynamique de la vie‖ (Lévy4

). Autores como Boaventura (2002), Morin, Ciurana & Motta (2003), Gadotti (2000a) discutem a necessidade de introduzir uma perspectiva planetária na educação do futuro, uma educação para a cidadania planetária que não perca de vista o sentido planetário.

Para Boaventura, ―a educação na perspectiva planetária repousa em convicções e crenças fiéis aos valores humanos‖, os quais possibilitam uma mais profunda ―compreensão internacional do mundo atual e futuro, de seus problemas e desafios‖ (2002: 48). Assim, de acordo com o autor, a EEP deve contribuir para estabelecer as relações de interdependência, de interacção entre os diversos povos.

De acordo com Gadotti (2000a), ―educar para a cidadania planetária supõe o reconhecimento de uma comunidade global, de uma sociedade civil planetária‖, sendo que as necessidades da sociedade planetária devem ser trabalhadas de forma pedagógica a partir da vida quotidiana. Gadotti (ibidem: 80), defende que uma educação para a cidadania planetária ―deveria nos levar à construção de uma cultura de sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da convivência harmónica entre os seres humanos e entre estes e a natureza (equilíbrio dinâmico)‖. Segundo o referido autor precisamos de uma educação para a

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reconstrução paradigmática apropriada à cultura da sustentabilidade e da paz, a qual se fundamenta num paradigma filosófico emergente que enuncia um conjunto de saberes/valores interdependentes. Poderemos enunciar o conjunto de saberes/valores: a) educar para pensar globalmente; b) educar os sentimentos; c) ensinar a identidade terrena como condição humana essencial; d) formar para a consciência planetária; e) formar para a compreensão; f) educar para a simplicidade e quietude (Gadotti, 2002).

Segundo Gutiérrez & Prado, educar para a cidadania pressupõe o desenvolvimento de competências/capacidades tais como:

―- sentir, intuir, vibrar emocionalmente (emocionar); - imaginar, inventar, criar e recriar;

- relacionar e interconectar-se, auto-organizar-se; - informar-se, comunicar-se, expressar-se;

- localizar, processar e utilizar a imensa informação da ‗aldeia global‘; - buscar causas e prever consequências;

- criticar, avaliar, sistematizar e tomar decisões;

- pensar em totalidade (holisticamente)‖ (in Gadotti, 2000a: 79).

Na concepção de Morin, Ciurana & Motta (2004: 107), a educação planetária encontra- se associada à ideia do desenvolvimento da hominização, sendo que ―a missão da educação para a era planetária consiste em reforçar as condições que tornarão possíveis a emergência de uma sociedade-mundo‖, sociedade-mundo essa que comporta cidadãos protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção da civilização planetária. Estes autores definem seis eixos orientadores, cujo fim reside em ―organizar a informação e a difusão dos conhecimentos para a elaboração de uma mundiologia quotidiana‖, e que estão fundamentados na necessidade de prosseguir a hominização e reforçar as atitudes para que isso aconteça (ibidem: 109).

O primeiro eixo estratégico é o conservador/revolucionante, que está associado à promoção da acção conservadora no sentido de pertença do meio, da vida e da humanidade. Este eixo associa-se ainda às acções transformadoras cujo objectivo é o desenvolvimento da hominização e da emergência da sociedade-mundo.

O segundo eixo estratégico, progredir resistindo, ―consiste em estimular as resistências da cidadania contra os regressos e os desenvolvimentos da barbárie‖ (Morin, Ciurana & Motta, 2004:111).

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Já o terceiro eixo remete-nos para a necessidade de problematizar e repensar o

desenvolvimento e criticar a ideia de desenvolvimento, tendo como referente as

experiências realizadas no século passado. A educação deverá, então, contribuir para um desenvolvimento que contemple a ética, que repense a perspectiva do reducionismo economicista. Este eixo também procura que a educação promova a valorização e respeito pelas diversas culturas, envolvendo simultaneamente as dimensões cognitiva, afectiva e comportamental, que são imprescindíveis ao desenvolvimento humano.

O eixo estratégico seguinte aponta para o regresso (reinvenção) do futuro e a

reinvenção (regresso) do passado. Relativamente a este eixo, Morin, Ciurana & Motta falam

na relação com o futuro que deve ser revitalizada na medida em que a procura da hominização é ela própria tensão direccionada para o futuro. Os autores falam de um futuro aleatório e incerto, mas aberto a inúmeros possíveis, em que se podem projectar as aspirações e as finalidades humanas sem contudo haver promessa de desejos satisfeitos. Neste contexto, a ―restauração do futuro‖ reveste-se de grande importância para a humanidade (cf. conceito de ―memória do futuro‖ de Geraldi in Martins, 2008: 91).

A educação planetária não pode dispensar, de acordo com os autores anteriormente citados, uma educação imbuída de uma perspectiva política, tendo assim como eixo estratégico a complexificação da política e uma política da complexidade do devir planetário da humanidade. Aposta-se numa educação que favoreça ―a percepção e a crítica da falsa racionalidade em política‖, que esteja comprometida em construir uma visão política global complexa, para além do pensar global e de agir local, pois comunga da ideia de que a política da complexidade ―exprime-se no duplo par pensamento global/acção local, pensamento local/acção global‖ (Morin, Ciurana & Motta, 2004:118).

Por fim, para uma educação planetária é preciso “civilizar a civilização”, a educação nesta linha de pensamento deve reforçar aptidões e acções para a superação de obstáculos próprios de estruturas burocráticas e institucionalização das políticas unidimensionais.

A educação para a era planetária aponta para a valorização da ideia de unidade da espécie humana, não descurando a diversidade que lhe está subjacente. Morin, Motta & Ciurana propõem que se assumam identidades éticas, e que esse movimento se aprofunde e

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amplie, sem se negar a si mesmo, como referem é o regresso às raízes, ―de uma Terra- Pátria‖ (2004:99).

Desta forma, a compreensão da unidade e da diversidade tornam-se fundamentais na nossa sociedade devido ao complexo processo de globalização a que estamos expostos, enquanto indivíduos inseridos num contexto sociológico. Esse processo leva-nos a identificar a unidade dos problemas, reconhecendo também ao mesmo tempo a necessidade de preservar a riqueza humana, a diversidade cultural (cf. Martins, 2008: 76-94). Segundo Morin (1999: 27-28), a ―diversidad no está solamente en los rasgos sociológicos, culturales y sociales del ser humano. Existe también una diversidad propriamente biológica en el seno de la unidade humana; no solo hay una unidad cerebral sino mental, psíquica, afectiva e intelectual‖.

Face ao exposto, verificamos que existe a necessidade emergente de uma educação para a era planetária, fruto dos complexos processos de globalização, migrações, mobilidades, avanços tecnológicos, europeização, que influenciam quotidianamente as nossas acções. Assim, iremos de seguida reflectir sobre o conceito de globalização e a sua relação com o conceito de cidadania planetária.