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Diversidade linguística e cultural competências a desenvolver

SENSIBILIZAÇÃO À DIVERSIDADE LINGUÍSTICA E CULTURAL PARA UMA INSERÇÃO CURRICULAR

1. Da biodiversidade à diversidade linguística e cultural algumas considerações

2.3 Diversidade linguística e cultural competências a desenvolver

Como podemos depreender, a partir do que temos vindo a descrever, a SDLC passa necessariamente pelo desenvolvimento de uma competência plurilingue e intercultural dos alunos, uma vez que se assume como ferramenta fulcral para o cidadão, devido à crescente complexidade e diversidade do tecido social.

Segundo Beacco & Byram (2003), desenvolver a competência plurilingue (CP) é valorizar a construção da identidade pelo contacto com outras línguas e culturas através da promoção de uma educação para a cidadania, de abertura, respeito e valorização da diferença. O contacto com outras línguas, outras vivências, outras formas de ser e de estar promove o enriquecimento humano assim como uma maior abertura de espírito conducente à compreensão e respeito por outras línguas, culturas e comunidades.

A competência plurilingue fomenta o desenvolvimento da consciência da língua permitindo a construção da uma identidade linguística e cultural através de uma experiência plural, de confronto com o diverso (cf. Candelier, 2008). Coste refere a competência plurilingue como ―la capacité à mobiliser un répertoire de ressources langagières à la fois multiple et un : multiple dans sa composition (plusieurs variétés à des degrés variables de maîtrise), un dans sa gestion (alternances codiques, restructurations de contacts, traduction) (Coste, 2008:93).

Neste quadro, a CP designa a competência que cada falante tem para activar capacidades e conhecimentos de que é detentor, ou seja, diz respeito ao repertório linguístico de que o falante dispõe de modo a que seja capaz de comunicar e compreender mensagens num determinado contexto comunicativo que se constrói pela presença de mais do que uma língua. Assim, para Andrade & Araújo e Sá (2001), a CP

―é relativamente autónoma face aos conteúdos e matérias escolares, já que se estrutura e evolui para além da escola, noutros contextos que são os contextos da vida e de formação dos próprios sujeitos, afirmando-se como uma competência plural, evolutiva e flexível, necessariamente desequilibrada e aberta ao enriquecimento de novas competências em função de novas experiências verbais‖.

As autoras prosseguem referindo que a CP pode ser abordada em função de quatro dimensões interligadas:

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- gestão dos repertórios linguístico-comunicativos (capacidade do indivíduo lidar com a sua história linguística e comunicativa, utilizando a experiência adquirida aquando da vivência de situações de comunicação plurilingues e interculturais);

- gestão dos repertórios de aprendizagem (capacidade de utilizar diferentes processos e meios de aprendizagem verbal, observando e analisando as línguas em presença); - gestão dos repertórios sócio-afectivos (representando as vontades, predisposições, motivações e atitudes em relação às línguas, às culturas, aos interlocutores e à comunicação);

- gestão da interacção (capacidade individual para gerir os processos interactivos inerentes às situações de comunicação plurilingues).

De acordo com as autoras citadas, estas quatro dimensões são dinâmicas, estabelecendo entre si relações de interactividade, agrupando-se e evoluindo segundo os percursos de vida dos sujeitos (ibidem).

Desta forma, para desenvolver a CP importa ajudar os aprendentes a ―construir a sua identidade cultural e linguística através da integração nessa construção da experiência diversificada do outro; e a desenvolver a sua capacidade para aprender, através dessa mesma experiência diversificada de relacionamento com várias línguas e culturas‖ (Conselho da Europa, 2001:190). Neste contexto, assegurar o desenvolvimento harmonioso da CP nos aprendentes passa por desenvolver uma abordagem que considere e valorize as línguas existentes no repertório linguístico-comunicativo dos aprendentes e suas funções.

Neste momento, importa referir que a competência plurilingue está intrinsecamente ligada à competência intercultural (CI), uma vez que de, acordo com Abramovici (2006:96), não existe ―(…) multiculturalisme sans multilinguisme‖, ou como refere Biseth (2008:2), ―throughout human history language and society have always been deeply interconnected‖.

A competência intercultural (CI) é entendida como sendo plural, compósita e evolutiva, uma vez que compreende como componentes o conhecimento, as atitudes e os valores que um sujeito tem e em que procura noutra cultura alargar os seus horizontes culturais, sociais, linguísticos e pessoais. Esta competência envolve um processo de negociação com outras culturas, animado pelo diálogo intercultural. De acordo com Byram

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(2003: 5-6), a ―acquisition of intercultural understanding and the ability to act in linguistically and culturally complex situations that European citizens could benefit from a common framework of theory and practice not only for linguistic but also for cultural learning‖.

O supracitado autor refere que a CI ―includes the notion of discovery and negotiation but also adds the possibility that intercultural and native speakers – or intercultural speakers of different language and culture origins – need to negotiate their own modes of interaction, their own kinds of text, to accommodate the specific nature of intercultural communication‖ (1997: 49).

Para Byram & Zarate (1993), a dimensão intercultural é desenvolvida em torno de quatro competências, que podem ser enquadradas em duas linhas de acção: as competências definidas com independentes de uma língua dada (saber-ser e saber-aprender) e as competências que são dependentes de uma língua dada (saber, saber-fazer). O saber-ser e o saber-aprender são definidos como sendo independentes dos conteúdos de uma língua estrangeira. Já no que se refere ao saber e saber-fazer, estes são dependentes da aprendizagem de uma língua e de um contexto de utilização, não comportando uma dimensão transversal.

Por seu turno, Byram, Nichols & Stevens (2001) referem que existem cinco componentes que definem a CI:

- atitudes interculturais (savoir être): curiosidade e abertura a outras culturas e disponibilidade para desconstruir crenças sobre elas e sobre a sua própria cultura. Tal significa vontade para relativizar os seus valores, crenças e comportamentos assumindo que não são os únicos possíveis e naturalmente correctos e ser capaz de perceber que aos olhos do Outro o seu sistema de valores pode ser perspectivado como diferente; - conhecimento de como os grupos sociais e as identidades sociais funcionam (savoirs): o conhecimento pode ser definido através de dois componentes: ―knowledge of social processes, and knowledges of illustrations of those processes and products‖ (ibidem:6);

- capacidade de interpretar e relacionar (savoir comprendre): capacidade para interpretar um documento ou evento segundo a perspectiva de outra cultura, explicar e relacionar documentos ou eventos da sua cultura;

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- capacidade de descoberta e interacção (savoir apprendre/faire): capacidade para adquirir conhecimento novo de culturas e práticas culturais e capacidade de mobilizar esses conhecimentos para comunicar e interagir;

- conhecimento crítico cultural (savoir s’engager): capacidade para avaliar criticamente e com base em critérios explícitos, perspectivas, práticas e produtos da sua cultura e das outras culturas.

De acordo com esta linha de pensamento, a competência intercultural tem como componentes: os conhecimentos, as capacidades, as atitudes e valores que possibilitam a interacção com os outros, com os seus valores e culturas, aceitando outras perspectivas e concepções do Mundo. Assim, o falante intercultural, como podemos observar na figura que se segue, deverá ser competente nas várias dimensões do saber (saber ser, saber aprender, saber fazer, saber), para desenvolver uma consciência cultural crítica que possibilite a descoberta e interacção com as diversas línguas e culturas.

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Já para Bredella, a competência intercultural ―means that we can reconstruct the context of the foreign, take the others‘ perspective and see things through their eyes. This implies that we are able to distance ourselves from our own cultural categories, values and interests‖ (2003: 39). Tal não significa que o nosso contexto cultural e a nossa perspectiva não desempenhem um papel fulcral no conhecimento do Outro. Conhecer o Outro implica um processo de negociação entre o contexto da situação e as perspectivas dos intervenientes, no entanto este processo apenas ocorre caso haja flexibilidade cognitiva para nos adaptarmos às diversas situações e perspectivas (cf. Sá-Chaves, 2002).

Relativamente à competência plurilingue e intercultural, o QECR enfatiza a necessidade de a escola a promover, sendo esta entendida como uma competência ―complexa mas una, resultado do desenvolvimento simultâneo, em graus diferentes, da competência global de comunicação em várias línguas e da experiência em culturas diversificadas. Esta competência permite que cada indivíduo, enquanto actor social, possa interagir linguística e culturalmente em diversos contextos linguísticos‖, só assim sendo capaz de dar uma resposta de qualidade aos desafios da mobilidade e do diálogo entre as diversas culturas. O QECR prossegue, referindo que o conceito de competência plurilingue e pluricultural tem tendência para:

• ―Afastar-se da suposta dicotomia equilibrada entre o par habitual L1/L2, acentuado o plurilinguismo, de que o bilinguismo é considerado apenas um caso particular;

• Considerar que um dado indivíduo não possui uma gama de competências distintas e separadas para comunicar consoante as línguas que conhece mas, sim, uma competência plurilingue e pluricultural, que engloba o conjunto do repertório linguístico de que dispõe;

• Acentuar as dimensões pluriculturais desta competência múltipla, sem estabelecer uma ligação necessária entre o desenvolvimento e capacidades de relacionamento com outras culturas e o desenvolvimento da proficiência de comunicação em língua‖ (Conselho da Europa, 2001: 231).

Neste sentido, o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural (CPI) poderá contribuir para a desconstrução de representações negativas do outro, da sua cultura e da sua língua. A evolução das representações pode ser susceptível de ―rapprocher les macro- et micro - contextes d‘enseignement, par le biais par exemple de l‘accueil en classe de différents locuteurs de langues diverses pour multiplier les contacts effectifs et mieux comprendre les diverses situations personnelles de plurilinguismes, notamment en termes de

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compétences diversifiées et adaptées à des besoins précis de communication‖ (Castelotti & Moore, 2002: 22).

Face ao exposto, consideramos fundamental que o currículo seja concebido e gerido de forma a englobar a SDLC, no âmbito de uma educação para a era planetária, que procure fomentar o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural, de forma integrada e interdisciplinar.

3. Currículo, gestão curricular e projectos de intervenção educativa