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Cultura histórica, consciência histórica e a razoabili dade do indivíduo

No documento Centro Universitário UniProjeção (páginas 173-176)

A PESQUISA NO VARAL DAS MEMÓRIAS: A DIDÁTICA DA HISTÓRIA E O USO DA MEMÓRIA NA SALA DE AULA

4. Cultura histórica, consciência histórica e a razoabili dade do indivíduo

Chegamos enfim ao ponto central sobre o qual a Didática da História se debruça: a consciência histórica. Acredito que a definir seja um trabalho extremamente complexo, pois o que existe na verdade é uma imensa gama de visões sobre o mesmo termo, mas ainda assim, recorrendo ao auxílio de Luís Fernando Cerri, buscarei trazer a concep- ção que mais se alinhe ao que percebo e acredito enquanto professor de História.

A consciência histórica, portanto, pode ser definida como a forma com a qual os sujeitos se localizam temporalmente, trazendo o passado para o seu presente, em forma de memória e orientação prática da vida, mas também auxiliando em seus planejamentos. Dessa forma, todos os indivíduos são dotados de consciência histórica, e esta pode ser fruto das mais diversas fontes. Hoje em dia, destacam-se o uso das redes sociais, por exemplo, onde é difundido um número alarmante de infor- mações (ou des-informações), com as quais o cidadão precisa lidar e processar, formando não só sua opinião para algo eventual, como tam- bém normas rígidas de comportamento na vida social.

A função da escola, portanto, nessa relação com a consciência his- tórica, seria a de buscar torna-la mais complexa, com maiores fatores de influência. Não se trata de “dar” consciência, visto que o indivíduo já a possui e não necessariamente ele a percebe e utiliza na escola, mas em qualquer localidade. A orientação temporal a que me refiro acontece no momento em que nos tornamos conscientes de nossa própria huma- nidade. Cerri, que torna as proposições da Didática da História muito acessíveis, nos conta, a respeito dessa grande possibilidade de perceber a consciência histórica, que

Se precisamos estabelecer – mesmo que sempre de modo provisório – um sentido do tempo, de modo a nos posicionarmos nele e tomarmos nossas decisões, nossa coleta e organização de dados e conceitos sobre o tempo surge praticamente junto com a consciência de si. E as fontes do saber histórico variam e podem diferir muito em relação ao que se aprende na escola, a começar pelos próprios modelos de tempo e de passado apreendidos a partir da própria experiência de vida (CERRI, 2010, p. 269).

Dessa concepção de consciência histórica, pode-se compreender que ela é invariavelmente individual. O sujeito se percebe, e é sempre ele que pode ou não aumentar as fontes com as quais desenvolve sua consciência, refletindo sobre si e seu lugar no mundo. Entretanto, é possível analisar um fenômeno que foge à escala micro e destina-se ao macro, representando a consciência histórica de um conjunto de sujeitos. Tal definição é a chamada cultura histórica, em que a consci-

ência passa a ser refletida não pelo individual, mas pela coletividade, por mais que ainda seja formada subjetivamente pelo sujeito. Oldimar Cardoso a define, pondo a cultura histórica como sendo “a forma de expressão da consciência histórica” (CARDOSO, 2008, p. 159), cha- mando atenção para que essa manifestação é social, e utilizando Rü- sen para apresentar a cultura histórica como fruto da interação entre a consciência histórica e a vida social de uma comunidade. Além de Cardoso, Cerri também chama atenção para a questão da coletividade, entretanto, a chamando de “identidade coletiva” - não cultura histórica – e pondo-a como sendo “um dado essencial a qualquer grupo humano que pretende sua continuidade” (CERRI, 2001, p. 102).

Além da percepção da consciência histórica como um fenômeno individual e relacionado com a cultura histórica, cabe o questionamen- to a respeito do motivo pelo qual o professor de história deve se pre- ocupar com a complexificação dessa consciência. Afinal de contas, o professor deve levar em conta a consciência histórica de seus alunos com que intuito? A resposta para esse questionamento, por mais que se trabalhe com a Didática da História, se relaciona de maneira muito forte com as proposições de Paulo Freire, pois dizem respeito à forma- ção do indivíduo enquanto ser consciente.

O que quero dizer é que percebendo os alunos enquanto seres his- tóricos e buscando junto a eles tornar cada vez mais complexa a consci- ência histórica, criamos o que Cerri define como sendo um “indivíduo razoável”. Essa razoabilidade do indivíduo diz respeito principalmente a sua capacidade de enxergar e aceitar o outro, o diferente. Entretanto, é necessário destacar que essa visão pertence aos tempos atuais, pois é esse cidadão que teoricamente deveríamos perceber e querer na so- ciedade.

A função do ensino de História, durante muito tempo acompa- nhou a função da própria História, nos moldes franceses de consoli- dação dos estados nacionais, e buscou, através do trato historiográfico, definir quem era o cidadão e o que cabia a ele. Dessa forma, o ensino de história tinha uma função prática definida e mantida durante seu início, ainda no período imperial, mas também até muito recentemen-

te, passando por Vargas e também pela ditadura civil-militar. Hoje em dia, em um período de (atacada) democracia, foi necessário criar ou- tro modelo de cidadão para atender a essa demanda. Sendo o cidadão consciente de si, mas também consciente de seu espaço e de que esse espaço é compartilhado por outras pessoas, é possível percebê-lo en- quanto uma “identidade razoável”.

O professor de história, portanto, deve se preocupar em construir essa razoabilidade junto aos alunos, ou, em uma situação que me pa- rece ser mais condizente com a realidade brasileira, prevenir as identi- dades não-razoáveis, incapazes de aceitar o outro nas suas diferenças. Sobre essa questão, Cerri alerta que trabalhar a identidade dessa forma [...] não passa por negar a necessidade básica de estabelecer identida- des, nem por impor um padrão único a elas, já que, em alguma medida, todos os pertencimentos têm algum grau de ficção, estética e afetivida- de, que não excluem necessariamente a racionalidade, e sem o que ne- nhuma identidade seria sufi cientemente atrativa ou interessante para sobreviver (CERRI, 2010, p. 271).

No documento Centro Universitário UniProjeção (páginas 173-176)