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Questões metodológicas

No documento Centro Universitário UniProjeção (páginas 121-129)

CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E A MÚSICA COMO FONTE DE PESQUISA EM SALA DE AULA: POSSIBILIDADES DE

3. Questões metodológicas

Visando estabelecer as possibilidades da pesquisa em desenvolvi- mento, serão apresentados autores que aliaram pesquisa teórica e pos- sibilidades metodológicas na utilização da música como suporte para o ensino de história.

Primeiramente abordemos a questão das fontes. Uma série de re- cursos pode ser explorada como suporte para a pesquisa utilizando a

música como fonte e objeto de pesquisa em sala de aula. Nesse caso, muitas vezes, a própria mídia (suporte físico) torna-se, também, uma fonte, revelando aspectos da produção cultural, das dinâmicas de con- sumo de seu tempo, do acesso, podendo este ser popular ou não, e da própria dinâmica da indústria cultural no período pesquisado. Napo- litano (2011) descreve o LP (long playing) como “um importante for- mato que se confunde com a Era Clássica da MPB (1960 e 1970)”. O mesmo aponta ainda para o universo de informações disponíveis nos websites das próprias gravadoras e artistas.

Com relação aos Compact Discs (Cd´s), formato hegemônico até a utilização ampla da internet no século XXI, o uso deve ser cautelo- so, pois, as reedições e relançamentos realizados em profusão nos anos 1990 e 2000, muitas vezes negligenciaram informações que podem ser preciosas no trabalho de pesquisa, além de não reproduzir de forma fidedigna o aspecto conceitual da obra. Quanto à internet, o autor a descreve como mais um depósito de informações, um grande arquivo virtual de referência, do que um arquivo virtual de fontes primárias.

Napolitano também sugere uma sistematização de fontes essen- ciais, identificando os seguintes elementos: Gênero Musical, Suporte (meio físico ou virtual), Origem (localidade onde a obra foi produzida), autoria (compositor, intérprete e músicos) e acervo (no qual a fonte foi encontrada).

Passemos agora as possibilidades de abordagens, segundo Napo- litano (2011):

• A letra de uma canção, em si mesma, dá o sentido histórico-cul- tural da obra;

• O sentido assumido pela letra depende do “contexto sonoro” mais amplo da canção, tais como entoação, colagens, acompa- nhamentos instrumentais, efeitos eletroacústicos e mixagens; • O sentido sociocultural, ideológico e, portanto, histórico, in-

trínseco de uma canção é produto de um conjunto indissociá- vel que reúne: palavra (letra); música (harmonia, melodia, rit-

mo); performance vocal e instrumental (intensidade, tessitura, efeitos, timbres predominantes); veículo técnico (fonograma. Apresentação ao vivo, videoclipe).

Abordando o uso da música em sala de aula, Abud (2010) destaca que, estando inserida no meio social, ela pode expressar resistência, indignação, ou religiosidade. Destaca ainda que, como função social, a expressão musical, conforme é trabalhada pelo professor acaba consti- tuindo um elo entre as vivências coletivas do passado, e as do aluno no tempo presente.

Sobre as possibilidades metodológicas para o ensino de história, tendo a música como suporte, Bittencourt, destaca a música sendo explorada através sua função social, sobretudo, explorando o meio no qual fora produzida.

De grande relevância para as abordagens pedagógicas na utiliza- ção da música como recurso didático é a obra Como usar a música em sala de Aula, de Martin Ferreira (2010). Abordagens sobre música e ensino, além das ciências humanas, explorando também, possibilida- des do uso da música produzida nos períodos anteriores à produção musical do século XX.

Os já referidos Azambuja e Schmidt (2012) realizaram um interes- sante estudo sobre o uso da música em sala de aula, a partir de temas e conceitos trabalhados no currículo e de discussões e gostos discutidos brevemente com os alunos. Os próprios alunos propuseram as canções a serem relacionadas com os conceitos trabalhados. Entre as consi- derações do trabalho de pesquisa, apontaram para a uma perspectiva metodológica com base nos gostos dos alunos como ponto de partida para o uso da canção como fonte de pesquisa e de elemento desencade- ador entre passado e presente. Concluíram também que, no contexto observado, a canção popular urbana, estava presente na vida prática dos alunos, sendo elemento constituinte de suas identidades juvenis. A incorporação da cultura juvenil a cultura histórica escolar, é uma pos- sibilidade metodológica para a superação da tão criticada abordagem tradicional da história.

A utilização da canção como fonte, segundo Azambuja e Schimdt: (...) pode se significativa nos processos de ensino e aprendizagem histó- rica e na subjacente constituição, formação e progressão da consciência histórica de jovens e alunos do ensino médio. No entanto, deve emergir dos interesses musicais dos sujeitos investigados, e não ser imposta pe- los gostos musicais dos professores e pelas “ilustrações” dos manuais didáticos que, segundo pesquisas privilegiam a MPB em suas relações com o período da ditadura militar brasileira (1964-1989).” (AZAMBU- JA & SCHMIDT, 2012, p. 22).

Os autores da investigação citada consideraram a atividade rele- vante no que diz respeito ao seu caráter instigante, sob o ponto de vista didático/metodológico.

Outro artigo pesquisado, com o objetivo de coletar experiências acadêmicas do uso da música como possibilidade metodológica, pos- sui como objeto a exploração do Estado Novo (1937-1945), durante a Era Vargas (1930-1945), através da análise de canções. Perez (2008) utiliza como pressuposto para seu estudo as Diretrizes Curriculares da 3ª série do ensino médio, que indica como tema “Estado Novo através da música: uma experiência em sala de aula”, tendo como conteúdos estruturantes “poder” e “cultura”. Com base em canções que debatam temas relacionados ao Estado Novo, bem como a abordagem do Depar- tamento de Imprensa e Propaganda (DIP), na manipulação da produ- ção musical do referido período. Assim como na proposta de Azambu- ja e Schmidt, Perez coloca o uso da música como forma de se superar concepções tidas como ultrapassadas no ensino de História. O uso da canção, mais uma vez surge como alternativa a repetições mnemôni- cas, exaltação de supostos heróis nacionais e mera reprodução de fatos. Outro aspecto em convergência com os artigos analisado é a percepção de que buscar conhecer os conhecimentos prévios dos alunos, partindo do senso comum para que se possa, através do uso de fontes e da re- flexão proposta, acrescentar novos elementos de percepção acerca do passado. O conceito de consciência histórica, de Rüsen, aparece mais uma vez como referencial teórico. Neste sentido, a música foi pensada como forma de instrumentalizar os estudantes, possibilitando novas percepções sobre o presente e perspectivas de futuro.

Acerca da aplicação metodológica, Perez centraliza a canção como fruto de uma realidade histórica a ser estudada, e não como mero ele- mento decorativo. Outra percepção interessante neste trabalho, diz respeito ao veículo de propagação da época em que a canção utiliza- da como fonte foi produzida, isto é, os meios de comunicação do seu respectivo período histórico. Sobre a aplicação da metodologia, Perez descreve a utilização de questionários para a realização de uma leitu- ra social dos estudantes, bem como, sobre suas preferências musicais. Para o desenvolvimento das análises das canções, foi descrito como fundamental o desenvolvimento de conteúdos sobre o contexto da épo- ca estudada, bem como, uma breve descrição da trajetória do compo- sitor/intérprete.

A pesquisa enfatizou a atuação do Departamento de Imprensa e Propaganda e, na censura na elaboração da imagem do regime estado- novista sob a liderança de Getúlio Vargas. Após as análises musicais e da exposição de conceitos, foram realizados novos questionários, com o intuito de se verificar a aprendizagem e a elaboração de conceitos por parte dos estudantes.

4. Considerações finais

A proposta desenvolvida no presente artigo consistiu em utilizar da bibliografia, com base nos conceitos de didática da história e seu objeto de estudo, a consciência histórica, articular uma proposta de uso da música enquanto possibilidade de abordagem para uma expe- rimentação do passado, através da pesquisa em fontes. A música en- quanto linguagem presente no cotidiano dos estudantes é um elemen- to constitutivo de suas respectivas consciências históricas e vivências. A busca por se dar um significado as fontes trabalhadas apresenta-se como proposta possível e viável, já experimentada, com erros e acertos, como demonstra a bibliografia analisada. Pensando para além da sala de aula, com base no referencial teórico da didática da história, que não se limita apenas ao ambiente escolar, mas propõe-se, segundo Cerri (2011, p. 52) “a uma reflexão sobre o que é ensinado (estudando cur- rículos, programas e manuais, mas também séries de televisão, filmes, revistas de histórias em quadrinhos etc.)”. A proposta presente é a de

se desenvolver uma forma de se pensar historicamente, fazendo uso da pesquisa e análise de fontes musicais. É importante destacar que, para um bom andamento do trabalho que se pretende realizar, não existe transferência de consciência histórica. Os estudantes, bem como todos os indivíduos, já o possuem.

Para encerrar, destacamos que música pode também ser percebida como parte de uma identidade coletiva, sobretudo quando nos referi- mos à música brasileira. Elemento desencadeador de práticas sociais, sensibilidade, criatividade e senso crítico, percebe-se na música e em sua utilização no ambiente escolar, uma ferramenta no processo de socialização, percepção e um potencial desenvolvimento de competên- cias.

A utilização da música como fonte, aliada ao desenvolvimento de conceitos, numa perspectiva contextualizante, foram percebidas como frequentes na breve bibliografia analisada para este momento. Pode-se perceber que metodologias com base na análise de canções, são fre- quentemente embasadas nas teorias de Rüsen e aos conceitos de cons- ciência histórica e didática da histórica. Foram percebidas diferenças metodológicas nos artigos analisados, sobretudo no que diz respeito ao ponto de partida em relação às canções a serem abordadas. Enquanto Schmidt e Azambuja (2012) observam a importância em se levar em consideração a identidade dos jovens e seus gostos e contextos, Perez apresentou um tema gerador, no referido caso, os conceitos de cultura e poder, buscando refletir não só sobre a canção, estabelecendo tam- bém, uma discussão em torno dos meios de veiculação da canção em seu tempo.

Considera-se que, através da bibliografia apresentada, a música evidencia um interessante potencial metodológico, desde que ancora- da em pressupostos teóricos e práticas de pesquisa bem estruturadas. Percebe-se, também, que se devem levar em consideração os contextos sociais, gostos e preferências dos estudantes, para que a prática de pes- quisa possa alcançar melhores resultados.

Referências

ABUD, Kátia Maria. Registro e Representação do cotidiano: a música popular na aula de História. Caderno Cedes. Campinas, v.25, n.67, set/dez. 2005.

AZAMBUJA, L. SCHMIDT, M. A. “Aprendi a pensar que música também é história” A canção vai à escola: perspectivas da Educação Histórica. Revista História e Ensino. v.18, n.1, 2012. BARCA, I. (Org.). Educação e Consciência Histórica na Era da Globalização. Braga: Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, 2011, p. 202-222.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e méto- dos. 4ª. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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DAVID, Célia Maria. Música e Ensino de História: uma proposta – Franca: UNESP (2014).

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PEREZ, Isabel Cristina Gallindo. Estado Novo através da músi- ca: uma experiência em sala de aula. Curitiba: SEED-PR, 2008.

RÜSEN, J. Razão Histórica. Teoria da história: os fundamen- tos da ciência histórica. Trad. de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

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SCHMIDT, M. A.; BARCA, I. (Org.). Aprender História: perspec- tivas da Educação Histórica. Ijuí: Ed. Unijui, 2009. (Coleção cul- tura, escola e ensino).

O ENSINO DE HISTÓRIA E OS ESPELHOS DE PRÍNCIPES:

No documento Centro Universitário UniProjeção (páginas 121-129)