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2.4. P ERSPECTIVAS S OBRE C ULTURA

2.4.3. Principais abordagens sobre cultura

2.4.3.1. Cultura segundo Hall

Pessoas se comunicam através de uma série de comportamentos, que vão além da palavra, e que normalmente não são observados pelos estudiosos da cultura. O que os indivíduos fazem é, geralmente, mais importante do que o que eles falam. Embora a palavra molde o pensamento, outros sistemas culturais também influenciam a percepção do mundo, a organização da vida e a percepção de si dos indivíduos. A cultura pode ser definida, portanto, como “a forma de viver de uma pessoa, a soma dos comportamentos aprendidos, padrões, atitudes e bens materiais” (HALL, 1959).

A cultura controla o comportamento individual de uma forma profunda e, muitas vezes, inconsciente. Desta forma, ela se esconde nos comportamentos do dia-a-dia atrás das palavras. Dado que os comportamentos culturais são muitas vezes inconscientes, o maior desafio para um indivíduo não é entender culturas estrangeiras, mas enxergar e entender sua própria cultura, percebendo características normalmente ignoradas. A exposição a culturas estrangeiras facilita essa compreensão na medida em que ressalta as diferenças e contrastes existentes (HALL, 1959).

Hall (1966) identifica, assim, dez atividades primárias, denominadas de primary

message systems, que podem ser examinadas e analisadas individualmente: interação;

associação; subsistência; bissexualidade (diferenças culturais entre homem e mulher); territorialismo; temporalidade; aprendizagem e aquisição; jogos (play); defesa; e exploração (uso de materiais, desenvolvimento de extensões físicas do corpo para lidar com condições ambientais).

De acordo com a teoria de Hall, a cultura opera em três níveis: formal, informal e técnico. Apesar de um desses ser sempre dominante, em qualquer situação todos os três estão presentes. Atividades formais são ensinadas através de preceitos e advertências, em um processo emocional: o aprendiz tenta executar uma atividade, erra, e é corrigido. O aprendizado de atividades informais, por outro lado, ocorre através da imitação. Conjuntos completos de atividades são aprendidos de uma única vez, geralmente sem que o indivíduo perceba que efetivamente aprendeu alguma coisa, ou mesmo de que o comportamento possui regras e padrões que o regem. Finamente, o aprendizado técnico é formal e explícito, com a transmissão de conhecimento de um professor para um aluno. Algumas sociedades, que dão muito valor a tradições, colocam mais peso no aprendizado formal.

É possível traçar uma analogia entre as culturas e os seres vivos no que diz respeito as mudanças. Algumas culturas são mais adaptáveis que outras, e, portanto, possuem uma maior capacidade de sobrevivência. Qualquer cultura é formada por um conjunto de comportamentos formais cercado de diversas adaptações informais, e apoiado por elementos técnicos. As mudanças são feitas através de um processo circular complexo: primeiro, são informais, existentes apenas no dia-a-dia e fora da consciência coletiva. Conforme se mostram bem sucedidas, assumem a forma de melhorias técnicas, que se acumulam de forma imperceptível até formarem uma grande mudança (HALL, 1966).

No fundo, cultura é comunicação, e toda comunicação é afetada por elementos culturais. É possível, portanto, adotar preceitos similares aos utilizados no estudo da linguagem para os estudos culturais. Toda mensagem – com ou sem linguagem – pode ser decomposta em três partes: os conjuntos, que são percebidos inicialmente (palavras, no caso da linguagem); isolados, os componentes que formam os conjuntos (sons); e padrões, que são as regras que definem como os conjuntos devem ser combinados para transmitir significado (gramática e sintaxe) (HALL, 1966).

As diferenças em termos de comunicação podem ser explicadas por duas vertentes culturais: alto contexto e baixo contexto. Em uma cultura de alto contexto, existem diversos elementos contextuais que auxiliam na compreensão das regras, fazendo com que muitos comportamentos sejam tomados como dados. Uma cultura desse tipo pode parecer muito confusa para um observador externo, que não conhece as regras “não-escritas”. Uma cultura de baixo contexto, por outro lado, deixa muito pouco para a subjetividade. Se por um lado

isso significa uma abundância de regras escritas e uma maior dificuldade de aprendizado, também significa que existem menos chances de um mal-entendido para os visitantes (HALL, 1966). A tabela 1, disposta a seguir, exemplifica a comunicação a partir dessas duas classificações.

Tabela 1. Culturas de alto contexto vs cultura de baixo contexto

Fator Cultura de alto contexto Cultura de baixo contexto

Abertura das mensagens

Muitas mensagens encobertas e implícitas, com uso de metáforas e

“leitura das entrelinhas”

Muitas mensagens abertas e explícitas, que são simples e

claras

Local de controle e atribuição de erros

Foco interno de controle e aceitação pessoal dos erros

Foco externo de controle e culpa dos outros pelos erros

Utilização de comunicação

não-verbal Muita comunicação não-verbal

Mais foco em comunicação verbal que linguagem corporal

Reações Reações reservadas e

internalizadas Reações externalizadas e visíveis

Coesão e separação dos grupos

Forte distinção entre os membros e não membros do grupo; forte senso

de família

Grupos flexíveis e abertos, se alterando conforme necessário

Ligações pessoais

Fortes conexões pessoais, com forte ligação com a família e a

comunidade

Conexões frágeis, com pouco senso de lealdade

Nível de comprometimento com relacionamentos

Elevado compromisso com relacionamentos de longo prazo; o

relacionamento é mais importante que as tarefas

Baixo compromisso com os relacionamentos; a tarefa é sempre

mais importante

Flexibilidade do Tempo O tempo é fluído; o processo é

mais importante que o produto

O tempo é rígido e organizado; produtos são mais importantes que

processos

O tempo é outra característica fundamental nas distinções culturais. Embora os elementos formais e informais de descrição do tempo sejam equivalentes na maioria das culturas, elas diferem com relação a avaliação de valor do tempo (“tempo não deve ser desperdiçado”) e a tangibilidade do mesmo (“tempo é uma commodity valiosa”), bem como com relação ao senso de urgência e a monocronicidade (fazer uma única coisa de cada vez). A maneira como os indivíduos lidam com o tempo é um dos elementos mais marcantes de uma cultura (HALL, 1976).

O espaço é outro elemento importante. Cada cultura organiza seu espaço de forma diferente. A distância de interação é muito menor na América Latina do que nos EUA, por exemplo. A distância observada entre pessoas da América Latina em uma conversa natural seria considerada hostil na América do Norte. Essa territorialidade – da definição e defesa de um espaço mínimo ao redor de cada indivíduo – é muito elaborada e altamente diferenciada de cultura para cultura (HALL, 1976).