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O modelo de internacionalização segundo a Perspectiva de Networks

2.2. U M APROFUNDAMENTO DAS ABORDAGENS COMPORTAMENTAIS DE

2.2.2. Perspectiva de Networks

2.2.2.1. O modelo de internacionalização segundo a Perspectiva de Networks

A abordagem mercadológica centrada nos fornecedores e nas relações entre produtores e consumidores é, segundo Johanson e Mattsson (1988), insuficiente para entender plenamente os relacionamentos e interações que ocorrem dentro de uma determinada indústria, principalmente no que tange o processo de internacionalização. É necessário olhar

para um universo mais amplo, com foco no complexo padrão de relacionamentos e interações que ocorrem entre todos os agentes atuantes no mercado.

Para estudar as múltiplas interações dentro de uma determinada indústria, é necessária, portanto, a abordagem de redes, ou Networks. Esta abordagem busca explicar a ação gerencial em função das redes de relacionamento nas quais uma empresa está inserida (JOHANSON; MATTSSON, 1988). Embora utilizada inicialmente de forma restrita, essa terminologia veio a ser adotada por diversas áreas de estudo. Na área de internacionalização, ela ressalta a complexa interação entre os diferentes atores envolvidos no processo.

A perspectiva de Networks é uma evolução natural do modelo de Johanson e Vahlne (1977), precursores da abordagem comportamental da internacionalização com a escola de Uppsala (HEMAIS; HILAL, 2002). Da mesma forma que no modelo de Uppsala, a perspectiva de Networks sugere que o processo de internacionalização de uma empresa não vem necessariamente de sua interação com o mercado, mas é resultado de uma rede de relacionamentos mais complexa. O primeiro passo em direção a um território estrangeiro pode vir, por exemplo, não da própria empresa, mas de seus parceiros e fornecedores (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Assim, segundo a perspectiva de Networks, o processo de internacionalização está vinculado à rede de negócios e de contatos da empresa dentro das indústrias onde ela atua ou das quais ela depende. Diferente do processo proposto por Uppsala, onde a internacionalização ocorre apenas entre a empresa e o mercado, nesta perspectiva a internacionalização tem diversos influenciadores. O processo não é anônimo, mas sim dependente dos diversos relacionamentos cultivados pela empresa. De fato, estes relacionamentos atuam como uma ponte que pode iniciar ou facilitar a entrada em mercados estrangeiros (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

A rede de negócios de uma empresa é construída ao longo de sua existência e, quando bem trabalhada, permite a construção de parcerias e relacionamentos de confiança de longo prazo entre a empresa e os outros componentes da rede – fornecedores, clientes, prestadores de serviços e outros (MADSEN; SERVAIS, 1997). Com a evolução dos relacionamentos, o mercado se torna uma rede de negócios interconectada por diferentes laços, todos eles cada vez mais próximos. Desta visão vem a principal diferença entre a perspectiva de Networks e a

escola de Uppsala: enquanto a primeira enxerga o mercado como um emaranhado de relacionamentos, a segunda vê a empresa como um elemento discreto em sua relação com o mercado.

A perspectiva de Networks traz a mesma visão comportamental da transição da empresa para mercados internacionais que o modelo de Uppsala, ou seja, ambos vêem o aumento da participação no exterior como um processo progressivo e condicionado ao aprendizado crescente. Pela perspectiva de Networks, no entanto, esse aprendizado não vem exclusivamente da firma, podendo se originar na rede de relacionamentos da mesma (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Uma empresa com fornecedores internacionais, por exemplo, pode receber de um fornecedor uma oferta de representação comercial dos seus produtos no mercado de origem do mesmo. Através de uma proposta deste tipo, a empresa pode dar início a sua jornada internacional não através de um movimento próprio, mas através de um movimento de sua rede de relacionamentos.

Além da geração de oportunidades, ilustrada no exemplo acima, uma rede de relacionamentos eficaz permite também a superação mais fácil de uma escassez de recursos e a promoção do aprendizado entre participantes da rede. No exemplo apresentado, o fornecedor internacional que trouxe a proposta de exportação detém conhecimento do mercado em que atua, transferindo automaticamente este conhecimento para a empresa exportadora, e, consequentemente, reduzindo os riscos. É possível notar que, assim como a teoria de Uppsala, a teoria de Networks está sujeita às diferenças culturais (ROCHA; ARKADER; BARRETO, 1993). Em sociedades dominadas por relações pessoais, por exemplo, é natural que as relações entre as empresas se deem através dos relacionamentos pessoais entre pessoas das duas empresas, havendo, assim, uma forte influência dos aspectos culturais nessa relação.

Para que uma empresa sobreviva em um mercado cada vez mais especializado e competitivo, é fundamental o estabelecimento de relações de cooperação e parceria (MADHOK, 1996). Quanto maiores e mais fortes forem os relacionamentos dentro de uma rede, maior a probabilidade de sucesso em empreitadas de internacionalização por empresas desta rede. A construção de relacionamentos duradouros é, portanto, de suma importância

para o desenvolvimento futuro das empresas. A simples participação e contribuição para redes de negócios resultam em aprendizados importantes para as empresas envolvidas.

A perspectiva de Networks amplia o processo de internacionalização descrito no modelo de Uppsala com o conceito de colaboração dentro de uma rede de negócios. Assim, os conceitos de “comprometimento com o mercado”, “conhecimento do mercado”, “atividades correntes” e “decisões de comprometimento de recursos” apresentados por Uppsala devem ser entendidos como multilaterais (e não unilaterais), e a internacionalização deve ser vista como um processo não apenas inter-organizacional, mas também intra-organizacional, conforme ilustrado na figura 5.

Figura 5. O aspecto multilateral do processo de internacionalização

Fonte: Johanson e Vahlne (1990)

Dentro dessa rede três tipos de aprendizado são os mais relevantes: o aprendizado de características específicas de um parceiro de negócios, que ocorre quando uma empresa realiza negócios com seus fornecedores, e permite uma melhor coordenação das atividades e estreitamento das parcerias; o aprendizado de habilidades específicas e transferíveis para

outros relacionamentos, que ocorre na busca por parcerias e na troca de conhecimentos específicos; e o aprendizado de como desenvolver uma nova rede de negócios, que ocorre quando uma empresa tem que coordenar, em paralelo, atividades de diferentes parceiros e fornecedores (JOHANSON; VAHLNE, 2003).

De acordo com a perspectiva de Networks, existem diferenças significativas entre empresas de acordo com seu nível de internacionalização. Os bens, tangíveis e intangíveis, de uma empresa altamente internacionalizada são bastante diferentes de uma empresa que atua apenas no mercado doméstico. O mesmo vale para os mercados. Mercados com grande internacionalização - ou seja, que importam grande parte da produção - possuem características distintas de mercados onde toda a produção é local (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Figura 6. Os quatro cenários da internacionalização

Fonte: Johanson e Mattsson (1988)

Combinando estas diferenças, Johanson e Mattsson (1988) apresentam quatro cenários que uma empresa pode encontrar quando avaliando a decisão de se internacionalizar ou não. São eles: o primeiro entrante (the early starter), o internacional solitário (the lonely

international amongst others). Esses cenários diferem nos níveis de custos e riscos que

estarão associados ao processo de internacionalização e estão dispostos na figura 6.

Um mercado com baixo grau de internacionalização combinado a um baixo grau de internacionalização da empresa resulta no primeiro cenário, o “primeiro entrante”. Nele, existem fortes incertezas quanto ao comportamento dos consumidores no novo mercado a ser abordado, o que representa maiores riscos para a empresa. Ao mesmo tempo, a empresa não possui experiência de internacionalização, o que exacerba estes riscos. Neste cenário, as empresas buscam a aquisição de conhecimento para apoiar a internacionalização, resultando em um processo lento e incremental, seguindo a lógica da “tentativa e erro” (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Uma empresa com elevado grau de internacionalização buscando penetrar em um mercado com baixo grau de internacionalização configura o segundo cenário, do “internacional solitário”. Nesta situação, os riscos relacionados com o mercado são semelhantes aos do primeiro cenário – de incerteza do comportamento do consumidor –, mas o conhecimento adquirido da empresa resulta em uma redução do risco percebido (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

No terceiro cenário, do “retardatário”, uma firma com baixo grau de internacionalização é carregada para um mercado amplamente internacionalizado por elementos de sua rede de relacionamentos. Esse cenário ocorre normalmente em situações onde existe uma forte demanda pelo produto ou serviço da firma, e o processo de internacionalização é rápido e os riscos são suavizados por parceiros locais (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Finalmente, situações de alta internacionalização tanto da firma quanto do mercado configuram o quarto cenário, do “internacional entre muitos”. Neste cenário, o ambiente é extremamente propício para a integração de redes de negócios de diferentes origens. O processo de entrada de uma empresa é consideravelmente mais rápido e menos arriscado, uma vez que o comportamento dos consumidores com relação a firmas internacionais já é conhecido e a rede da empresa já detém bastante conhecimento sobre o mercado (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Esses cenários são fortemente influenciados pela força dos laços entre as empresas de uma determinada rede de negócios. Laços fortes implicam em adaptações conjuntas das empresas, como uma sincronia na produção e relações sociais bem sucedidas, além de comprometimentos de recursos que levam a um estreitamento da interdependência entre elas, e, assim, um fortalecimento dos laços (EASTON; ARAUJO, 1989). Laços fracos, por outro lado, são característicos de empresas que não mantém contato regular, ou que sustentam apenas volumes reduzidos de trocas. Muitas vezes, laços são mantidos fracos por que uma das empresas envolvidas prefere a flexibilidade da independência aos benefícios inerentes de uma parceria mais estreita.

Outro ponto importante no relacionamento entre as empresas é o contexto no qual uma relação comercial é desenvolvida. Esse contexto irá determinar a posição das empresas, tanto dentro da estrutura da rede de negócios quanto entre si (ANDERSON; HAKANSSON; JOHANSON, 1994). A posição das empresas entre si é representada pela importância que uma possui para a outra, a força que cada uma detém dentro do relacionamento, e a importância geral deste relacionamento. Esta é chamada a micro-posição da empresa. A macro-posição da empresa é o papel que ela assume dentro da rede de negócios, a força do relacionamento dela com outras empresas da rede que não simplesmente seus parceiros comerciais diretos, e as interdependências entre ela e outras empresas (JOHANSON; MATTSSON, 1988).

Uma mesma firma pode participar de múltiplas redes ao mesmo tempo, e assumir diferentes posições em cada uma delas. Essas diferenças de papéis estarão associadas a função de outras empresas na rede, na importância da firma para os outros participantes da rede, e pela identidade de suas ligações (MATTSSON, 1989). Dado que existe uma forte interdependência entre os componentes de uma rede, promover uma alteração de posicionamento dentro da rede de uma forma unilateral, movida apenas por recursos e vontade própria, é uma tarefa extremamente complicada.

As redes também trazem consigo certo grau de inércia. Firmas com laços fortes entre si seguem naturalmente o caminho da especialização de suas atividades, confiando nos parceiros para suprir suas deficiências. Assim, ações que busquem acompanhar variações do mercado podem exigir mudanças não só dentro de uma única empresa, mas de diversos participantes da rede como um todo. Da mesma forma que mudanças intra-empresariais,

mudanças dentro de redes também levam tempo – talvez até mais tempo do que mudanças individuais (MATTSSON, 1989).

Uma rede de relacionamentos deve, portanto, ser enxergada como um organismo vivo, dinâmico e em constante evolução. Firmas devem ser enxergadas não apenas de acordo com suas atividades, mas também pelo papel desempenhado dentro das redes em que atua e pelas interdependências existentes entre ela e as outras participantes (MATTSSON, 1989).

2.2.2.2. Críticas ao modelo

A abordagem de Networks, mesmo complementando o modelo de Uppsala, não resolve todas as críticas associadas a ele. Enquanto o modelo de Uppsala enxerga as características da firma como a força condutora do processo de internacionalização, a teoria de Networks destaca o contexto da rede de negócios da firma como parte integrante deste processo, expandindo o entendimento acerca do mesmo (BJORKMAN; FORSGREN, 2000). Apesar de oferecer uma visão ampliada do processo gradual de internacionalização, a abordagem de Networks é limitada dentro de sua proposta.

A teoria de Networks tampouco possui grande poder preditivo, uma vez que seu objetivo principal é a compreensão do mercado em geral, onde a internacionalização depende não só da firma, mas também dos recursos, atividades e experiência de outros interessados dentro da rede na qual a firma está inserida (HEMAIS; HILAL, 2001). Além disso, outro potencial problema da abordagem de Networks, que também pode ser observado no modelo de Uppsala, é a postura defensiva que essa teoria propõe acerca da expansão internacional (NALDI, 2008). Essa posição comedida pode ser perigosa, principalmente quando se considera a globalização e a velocidade dos acontecimentos inerentes a ela.

Outra questão a ser considerada é que a gestão, sob o ponto de vista da abordagem de Networks, se desenvolve em um contexto onde não existe consenso sobre a estratégia a ser seguida. Não existe um objetivo ou conjunto de objetivos de um ator que possa ser tomado como guia para a gestão da rede de relacionamentos. Não existe tampouco uma clara

hierarquia entre os participantes, fazendo com que a gestão das parcerias seja feita de forma multilateral, com cada parte guiada por seu próprio interesse. Assim, encontrar um objetivo comum entre os participantes dessa Network seria uma das principais tarefas nesse tipo de relação (KICKERT; KLIJN; KOPPENJAN, 1997).

Por fim, a abordagem de Networks pecaria em não abordar de forma completa o papel dos atores públicos nas redes. Entendendo o governo, por exemplo, como um ator detentor de um poder considerável – dada a quantidade de recursos ao seu dispor – a teoria o coloca em um lugar de destaque, que não pode ser ocupado por outros. Com isso, a análise da participação desses atores públicos na rede de negócios é negligenciada. Porém, como muitas das correlações entre empresas é influenciada por eles, a perspectiva deveria abordá-los de forma mais consistente (KICKERT; KLIJN; KOPPENJAN, 1997).