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CULTURA ORGANIZACIONAL

1.2 Culturas profissionais dos professores

O acesso cada vez mais facilitado dos investigadores ao universo estudantil permite pesquisas mais significativas que, de certa forma, inibem uma aplicação selectiva sobre a análise organizacional, por direccionarem mais atenção aos estudantes do que aos docentes (Bell, 1980, como citado em Lima, 2000). “Este esquecimento da cultura ocupacional dos professores estreitou o campo da sociologia da educação, ao nível internacional, durante um período bastante considerável” (p. 60). Depois, os pesquisadores começaram a dar mais atenção às formas através das quais os professores interpretam e desempenham o seu papel ocupacional.

Actualmente, e com as mudanças que se prendem com as agendas sobre a educação, as rápidas transformações sociais e as recentes políticas educativas têm-se revelado promissoras para as mudanças no contexto das escolas. Mais do que antes, hoje, os contextos de trabalho dos professores são marcados por um excesso de normas, dilemas e paradoxos que dificultam e condicionam a sua acção e suscitam sentimentos de impotência, ineficácia e desencanto perante a profissão. Contudo, numa análise prévia deve reconhecer-se que não pode ser de todo aceite a imagem negativista na escola, pois, “actualmente despontam percursos alternativos, prestam-se contas, monitorizam-se resultados, identificam-se pontos de melhoria. Aumentaram as taxas de sucesso, diminuíram as de abandono” (Raposo & Alves, 2013, p. 28).

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Na situação acima descrita, como definir então o conceito de cultura profissional dos professores? Ora, existem duas teorias, sendo umas de natureza subjectiva, que sugerem que as cognições e os comportamentos das pessoas são guiados por sistemas de crenças, valores e princípios, que os professores aplicam em situações concretas de modo a legitimar as suas práticas; e outras implícitas, que constituem quadros de referência através dos quais os professores percepcionam e processam informações, parcialmente articulados acerca do papel do professor e do processo de ensino-aprendizagem (Copraal, 1987, como citado em Lima, 2000).

Raposos e Alves (2013) são de opinião de que, fora de trazer um conceito acabado da cultura escolar, ela é influenciada por diversos factores: o contexto externo; a sua dimensão; os níveis de ensino que ministra; os departamentos e grupos que integra; a formação académica dos professores e a mistura social dos alunos.

Dirá Stoll (1999) que a cultura de escola é um dos conceitos mais complexos em educação, mas é também um dos mais importantes porque pode sustentar ou dificultar tentativas de melhoria; e funciona como uma lente, através da qual se vê o mundo (Hargreaves, 1999), ambos como citados em Raposo & Alves(2013). Parece-nos mais acabado o conceito proposto por (Schein, 1985, como citado em Raposo & Alves, 2013), que define cultura como “o nível mais profundo de ideias e crenças básicas, partilhadas pelos membros de uma organização, que operam inconscientemente e que definem, de uma forma assumida, a visão da própria organização e do seu ambiente” (p. 31).

Para Raposo e Alves (2013, p. 31) existe um consenso de que um bom “entendimento da cultura de escola é um pré-requisito fundamental para a mudança, porque esta terá de vir de dentro da própria escola, onde se tece a teia de valores, crenças, normas, emoções, de relações sociais e de poder que dão forma à cultura de escola”.

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A apreciação destes conceitos sugere que cada professor possui a sua própria cultura e que o ensino seria caracterizado por um conjunto de tais culturas idiossincráticas, o que daria um fraco contributo à compreensão das dimensões culturais da vida quotidiana dos professores nas escolas onde trabalham (Lima, 2000). Mas, na verdade

“[…] os fenómenos que são relevantes para o sociólogo da educação que se interessa pelas culturas dos professores localizam-se em realidades colectivas, em interacções interpessoais e intergrupais e não em factos personalizados. Portanto, interessa-se por aquelas interacções que dão origem aos quadros culturais no interior dos quais a vida profissional dos professores se desenrola e ganha sentido” (p. 61).

A cultura organizacional é um outro campo relevante de pesquisa que fornece um importante contributo para uma abordagem ao grupo ocupacional docente e que, inicialmente, esteve sustentado pelo movimento teórico no campo empresarial, para depois ser transferido para o contexto da escola, para responder aos processos de socialização profissional e de construção das identidades sociais ligados aos locais de trabalho (Estevão & Afonso, 1991, como citados em Lima, 2000).

As concepções existentes de cultura das escolas são basicamente idealistas, à medida que representam a cultura como consistindo em quadros de interpretação, que conferem significado aos comportamentos dos actores, ignorando as práticas enquanto elementos integrantes do sentido original do termo. Nesta abordagem idealista, Nóvoa (1992) assume como componentes da cultura organizacional as bases conceptuais e os pressupostos invisíveis, as manifestações verbais e conceptuais, as manifestações visuais e simbólicas e as manifestações comportamentais, deixando de fora, nesta última componente, os modos de relacionamento informal que se estabelecem entre os diferentes actores da organização escolar.

A cultura é “o conhecimento socialmente partilhado e transmitido do que é e devia ser simbolizado em actos e artefactos”, nos termos dispostos por Hamilton e Richardson (1995, como citados em Lima, 2000, p. 369). Assim, a concepção de cultura como padrão de significado e de acção implica reservar um lugar importante do

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ponto de vista de interacção social que decorre do facto de elas especificarem um modo dominante e legítimo de relacionamento profissional dos professores. Esta interacção levou Hargreaves (1992, como citado em Lima, 2000, p. 217) a definir culturas como “crenças, valores, hábitos e formas assumidas de fazer as coisas entre comunidades de professores que se viram obrigados a lidar com exigências e constrangimentos semelhantes ao longo de muitos anos”.

Particularizando o estudo sobre a cultura da ocupação docente, depreende-se que o conhecimento, os valores, as normas e os padrões dominantes de comportamento dos profissionais docentes são difíceis de identificar, pois estas não se encontram disponíveis à observação directa e organizam-se de formas diferentes e complexas. Por sua vez, as acções e interacções da ocupação dos professores parecem resultar de disposições pessoais que dão aparência de uma desordem e contingência, deixando vislumbrar resultados e situações de idiossincrasias e de humores pessoais e não necessariamente de cariz colectivo (Lima, 2000). Contudo, “na sua exposição a um contexto específico de trabalho e da construção de respostas comuns a circunstâncias semelhantes, os professores partilham sentimentos e pensamentos comuns sobre o seu trabalho e manifestam comportamentos similares em relação a este” (p. 65).

Outra dimensão de análise da cultura da profissão docente relaciona-se com a constatação de que parece haver poucos professores com conhecimentos e competências adequadas às necessidades das escolas e aponta-se para uma desarticulação entre a formação de professores, o seu desenvolvimento profissional e os níveis de proficiência que as escolas reclamam para poderem responder eficazmente aos serviços que prestam, como resulta do diagnóstico. Outrossim, como destacam Raposo e Alves (2013), persiste a dificuldade em superar a matriz da oferta formativa, tendencialmente centrada na dimensão técnica de aplicação da teoria à prática, que concebe o professor como um executante, arredado dos contextos organizacionais onde o ensino acontece.

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Em face destas inquietações, parece sugerível a construção de novos modos de socialização profissional, associando estrategicamente a formação de professores a novas formas de organização do trabalho nas escolas, e a adopção de um profissionalismo interactivo, orientado para a valorização de qualidades humanas e nas relações que as pessoas estabelecem nos seus contextos de trabalho, baseado na experimentação de novas abordagens, na busca de rumos mais promissores e na redefinição de novas estruturas. Nesta perspectiva de acção/visão, emerge a ideia do professor como investigador, gerador de conhecimento, resultante das suas experiências e reflexões, capaz de gerir a sua própria formação (Torres, 2008, citando Perrenoud, 2000). O professor surge como um profissional que produz saberes e competências profissionais. “É do domínio dessas competências para agir no exercício da sua profissão, quer individual, quer colectivamente, que advém o reconhecimento da especificidade da função de ensinar” (Torres, 2008, p. 29).

Nóvoa (1989, como citado em Lima, 2000) afirma que a acção colectiva organizada dos professores em busca de um melhor estatuto social e de uma maior autonomia profissional estabelece gradualmente uma unidade interna ao próprio corpo docente, reforçando as percepções que os membros dos diferentes níveis de ensino têm de pertencer a um mesmo grupo social. Um elemento de ajuda para “contornar esta tendência para encarar a cultura dos professores como um todo homogéneo é demonstrar a diversidade de factores que podem funcionar como elementos de diferenciação cultural no interior do corpo docente” (Lima, 2000, p. 66).