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CULTURA ORGANIZACIONAL

1.3 Elementos de diferenciação e consenso cultural

A análise da ocupação docente exige uma apreciação profunda sobre os elementos constitutivos de clivagens e de convergência dentro da ocupação da profissão docente. A questão de fundo é que não se pode considerar toda e qualquer diferença particular entre os actores como um sinal de divisão interna numa categoria ocupacional, pois, assim a acontecer, tornar-se-ia difícil encontrar qualquer grupo social

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que fosse possuidor de uma identidade colectiva (Nóvoa, 1989). Este autor entende que certos factores de diferenciação interna ao corpo docente têm uma origem exterior, o que, de certa forma, escapa à organização administrativa da própria ocupação docente e constitui obstáculo à solidariedade e à criação de um espírito de grupo entre as diferentes categorias da classe docente.

Assim, torna-se relevante repensar a validade da diferenciação dentro da profissão docente feita com base em categorias de natureza administrativa e passar-se a centrar a atenção nos próprios professores, no modo como se vêm a si e aos seus pares e se relacionam com eles. Neste sentido, é importante “procurar determinar os padrões internos de interacção através dos quais a diferenciação cultural é constituída e sustentada no dia-a-dia da vida nas escolas através da construção contínua de significados, entendimentos e interdependências” (Lima, 2000, p. 68).

Outro elemento de relevo prende-se com o sistema de oposições internas entre os docentes, que decorre da relação que estes estabelecem com as reformas e transformações substanciais a que as escolas têm sido sujeitas no decorrer dos anos. Dentro desta relação, Lima (2000) visualiza dificuldades notáveis da reorganização educacional, sobretudo i) quando as tentativas de congregar em categorias idênticas professores ligados a diferentes tradições de longa duração falham por conta do efeito de divisões herdadas do passado; ii) os membros do corpo docente de uma escola atribuem à sua profissão significados e objectivos diferentes para o mesmo propósito; e iii) quando a construção de uma identidade ocupacional, baseada em ideologias bifurcadas, deixa um sentimento de um estado anómico.

No mesmo diapasão, Lima (2000) cita a opinião de Blase e Anderson (1995) que aponta para o facto de que

“[…] embora existam, talvez, algumas normas culturais gerais na profissão que seriam subscritas pela maior parte dos professores, existem também muitas diferenças entre eles no que diz respeito a filosofias de ensino, objectivos e valores pessoais e interesses políticos” (p. 64).

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Este entendimento traduz a ideia de que enquanto, por um lado, se analisam elementos de discórdia na definição da cultura, do outro lado, investigam-se aspectos de consenso cultural da ocupação docente. Neste última dimensão, a ênfase é dada às formas de sociabilidade nas quais estes actores se envolvem nas escolas, que se encontram organizadas em padrões de interacção que estruturam, de forma decisiva, as experiências nesses contextos de trabalho (Sarason, 1982, como citado em Lima, 2000). Estudos confirmam a existência de um consenso prático no seio de inúmeros e alargados grupos de professores, que se materializa em entendimentos tácitos sobre as formas adequadas de conduzir as suas relações profissionais e pessoais uns com os outros.

Há cada vez mais reconhecimento de que os professores e os directores devem coordenar as acções. Como partilham os mesmos alunos, deve haver uma colaboração interdisciplinar com outros colegas, tanto dentro assim como fora das estruturas convencionais da escola. Contudo, esforços nesse sentido, às vezes, esbarram com atitudes de indiferença entre os professores nas escolas, por conta, basicamente, da estrutura fechada das organizações, da ecologia do tempo e dos espaços escolares e da ausência de uma cultura técnica forte entre os professores (Lortie, 1975, citado em Lima, 2000).

Nos últimos tempos, o carácter individualista das culturas dos professores tem sido encarado pelas entidades promotoras de mudanças educativas como obstáculo importante aos seus planos de mudança. Assim, advoga-se a colegialidade como segredo para a criação de um bom clima no estabelecimento de ensino. Autores como Barroso (1991) e Blase e Anderson (1995) destacam os benefícios da colaboração entre os professores, enquanto aspecto-chave para as reformas alternativas de exercício do poder no contexto das organizações escolares e reconhecem o papel do controlo profissional e de um crescimento intelectual contínuos, que reside no contacto estimulante com os pares que desafiam as ideias existentes sobre as crianças, o currículo, a gestão de sala de aulas e os problemas ligados à relação entre a escola e a comunidade.

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Com a colegialidade docente podem obter-se ganhos em três dimensões fundamentais, como sublinha Nóvoa (1991): benefício da coordenação do trabalho docente nas diferentes salas de aulas; maior organização para enfrentar as contingências decorrentes das inovações pedagógicas e organizacionais; e melhor preparação para atenuar os efeitos negativos da mobilidade do corpo docente, fornecendo aos novos professores assistência necessária e a socialização nos novos valores e tradição da escola. O mesmo autor refere que, “no âmbito da necessária construção de uma profissionalidade da ocupação docente, o espaço de formação já não é o professor isolado, mas, sim, o professor inserido num corpo profissional e numa organização escolar” (p. 70).

Ainda em torno desta temática e num tom de equilíbrio de opinião, Hargreaves (1998) refere que, entre os autores que se dedicaram ao estudo de culturas profissionais é consensual que o isolamento é uma presença contínua e alargada na cultura do ensino. Para o mesmo autor, os professores, na sua maioria, continuam a ensinar “a sós, por trás de portas fechadas, no ambiente autocontido e isolado das suas salas de aula” (Hargreaves, 1998, como citado em Raposo & Alves, 2013, p. 31). Se, por um lado, esta forma de trabalhar é normalmente vista como “uma medida bem- vinda de privacidade, uma protecção em relação a interferências exteriores (…) e a atribuições de culpa e críticas”, por outro lado, “estanca fontes potenciais de elogio e de apoio” (idem, p. 31). O isolamento impede o reconhecimento do mérito, o feedback positivo, a divulgação e celebração de boas práticas. Argumenta o autor que os professores parecem ser fortemente motivados pela satisfação de trabalhar com crianças e pela ética do cuidado, não apenas confinada à sala de aula, mas também nas relações entre pares.

Hargreaves (1998), citado em Raposo e Alves (2013), destaca cinco elementos de caracterização das relações de trabalho que se estabelecem entre os professores em culturas de colaboração, tais sejam, a espontaneidade; o voluntarismo; a orientação para o desenvolvimento; as difusões no tempo e no espaço. A colaboração parece ter-

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se tornado uma espécie de metaparadigma para integrar a acção, a planificação, a cultura, o desenvolvimento, a organização e a própria investigação no ensino. Contudo, há uma contradição evidente entre a proclamação da colaboração e o peso das medidas que impõem uma avaliação individual dos professores e promovem a competição para a promoção na carreira, sendo, por isso, difícil de conciliar com a cultura colaborativa de parte das escolas moçambicanas.

O Nosso entendimento (conformado com o que relatam Nóvoa, 1991; Lieberman & Miller, 1992; Hargreaves, 1998) é de que a colaboração destacada na literatura sobre ciências da educação reveste-se de grande importância como impulsionadora da mudança, pois estimula a partilha e o desenvolvimento de competências que fazem com que os professores aprendam uns com os outros, indo além da reflexão individual. Noutra esfera de análise, está evidente que a partilha e a confiança geradas pela colegialidade conduzem a uma maior apetência para a experimentação, para correr riscos e para um maior empenho dos professores num aperfeiçoamento contínuo em conjunto. Como referem Raposo e Alves (2013), as relações colegiais são um pré- requisito para o desenvolvimento curricular eficaz, à medida que este depende da planificação conjunta realizada pelos professores, adaptando a cada escola as directivas centrais traçadas e difundidas.

Portanto, parece-nos que as conclusões produzidas por Hargreaves (1998), como descritas por Raposo e Alves (2013), explicam melhor o ponto de partida para estudos que se reportem à cultura da profissão docente e consensos da acção educativa, como consta do excerto que se segue:

“[…] as escolas eficazes terão de ser capazes de construir relações internas e ligações que simultaneamente promovam a colegialidade e o individualismo. Parece um paradoxo, mas a cultura de escola deverá promover a aprendizagem em grupo ao mesmo tempo que preserva a individualidade, porque as escolas precisam de criatividade e imaginação para lidar com o desconhecido e resolver problemas. (…) o conhecimento da cultura de escola e das culturas profissionais dos professores facilita processos de mudança. E porque há práticas que se adequam melhor a determinados contextos do que a outros, a mudança eficaz terá de vir inevitavelmente de dentro da própria escola e terá de implicar os professores” (p. 34).

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Apreciadas as opiniões e os respectivos elementos de peso que defendem consenso e clivagem entre a ocupação da profissão docente, propomo-nos, no tópico seguinte, fazer a descrição sumária do Sistema Nacional de Ensino em Moçambique, mormente as suas organização e administração prevalecentes.

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