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ORGANIZAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR EM MOÇAMBIQUE

1.1 Enquadramento histórico de educação moçambicana

Moçambique foi, durante muito tempo, uma colónia portuguesa e, nesse tempo da colonização, as oportunidades educacionais para o grosso dos moçambicanos eram reduzidas, as poucas existentes eram proporcionadas pela Igreja Católica, visando fins concretos, tais como a provisão do ensino de adaptação para dominar a língua portuguesa como um veículo para o acesso à escolaridade primária (Isaacman & Stephan, 1984, como referidos por Mafuiane, 2016, p. 7).

Como resultado imediato do ensino totalmente discriminatório e de exclusão, o efectivo dos cidadãos fora do sistema público de educação aumentou, chegando-se até a uma taxa de 90% de analfabetismo. Outrossim, o ensino era dividido em três categorias, sendo o oficial destinado aos filhos dos colonos e assimilados; o rudimentar destinado exclusivamente aos indígenas; e, finalmente, o ensino superior ao qual tinham acesso os colonos europeus. Ademais, os ensinos primário e complementar eram apenas leccionados nas zonas urbanas, locais onde morava a classe mais alta (Mazula, 1995).

Castiano (2005) escreve que, com a Independência Nacional de Moçambique, em 25 de Junho de 1975, foram introduzidas várias reformas no sector da educação, de forma a garantir o acesso à educação para todos, no âmbito do escangalhamento daquilo que era prática no regime colonial. A política educacional do Estado, que surgiu

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em 1975, orientava-se por uma série de princípios gerais que se pensava serem práticas bem-sucedidas nos países socialistas, entre os quais o mais sagrado era a garantia de acesso de todas as crianças à educação, através da nacionalização das escolas. Outro testemunho é dado por Mazula (1995, como citado em Mafuiane, 2016), no seu estudo em que refere que

“[…] após o pais alcançar a sua independência, herdou do sistema colonial um modelo educativo de exclusão, um sistema virado para uma minoria, caracterizado pela exiguidade de quadros e com uma rede escolar extremamente reduzida, o que obrigou ao Estado à um repensar e à um redobrar de esforços, ou seja, a exclusão dos moçambicanos do sistema de educação durante o período colonial conduziu o país à criação de leis que se conformassem com a nova realidade do pós-independência” (p. 6).

Esta realidade de massificação, como referem Awortwi e Sitoe (2007), vem contrastar com a crença que levou os portugueses a recusarem o acesso às infra- estruturas de ensino para a massa de africanos nos seus territórios coloniais. Para estes autores, citando Ngoenha (2000), o sistema colonial português esteve à altura dos objectivos que o colonialismo português tinha fixado, tratava-se de dar um ensino teórico, humanista à maioria dos portugueses com que a colónia contava, mas o resto dos trabalhos, das profissões simples, técnicas, intermédias era destinado, segundo uma hierarquia rácica e de assimilação, à população indígena.

Com a independência nacional, a educação foi declarada simultaneamente direito e dever de todo o cidadão, que deveria traduzir-se na igualdade de oportunidade de acesso a todos os níveis de ensino e na educação permanente e sistemática de todos. “Pela importância que lhe é atribuída, a educação transformou-se num dos mais importantes instrumentos com a intenção de alavancar o desenvolvimento económico e social do país, reduzir a pobreza e as assimetrias sociais que caracterizavam o país” (Mafuiane, 2016, p. 7).

As palavras de Mafuiane (2016) testemunham, mais uma vez, o propósito do preceituado na Lei 4/83, de 23 de Março, que visava, entre outros aspectos, garantir a educação uniforme não só a todas as crianças, mas também aos jovens, mulheres, adultos, idosos, camponeses, operários, antigos combatentes da luta de libertação.

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Este processo educativo define o desenvolvimento permanente do indivíduo em diversos contextos da vida e mediante vários agentes de educação, revestido de natureza mais formal e menos organizada […], corresponde a um conjunto de actividades mais amplas e variadas; acontece em todas as idades; tem lugar em múltiplos contextos, mediante agentes diversificados (Castiano, 2005).

Para Awortwi e Sitoe (2007), a evolução do Estado conduz à transformação da concepção da escola que, de um sistema fechado, se passa ao conceito de comunidade educativa, onde os muros e fronteiras se estabelecem. Ou seja, desenvolve-se, segundo estes autores, “a crença no potencial de emancipação da educação que levou a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), enquanto ainda um movimento nacionalista, a atribuir uma prioridade elevada à educação, paralelamente à luta de libertação” (p. 14).

Na óptica de Delors (1996), existe hoje um consenso de que a escola deve satisfazer o interesse público, contudo, é difícil fazer coincidir o interesse público com o controlo estatal, por um lado E, por outro, a complexidade das sociedades modernas, o crescimento estatal e a consequente grandeza do aparelho administrativo central parecem configurar a escola como uma organização de interesse público comunitário

versus uma organização ao serviço do Estado.

Para atingir gente de várias camadas etárias e sociais, o novo Estado deveria criar condições de alargamento da rede escolar para todo o país, com destaque para as zonas rurais, onde a exiguidade de estabelecimentos de ensino era gritante, pois o governo colonial tinha direccionado as condições de educação para as cidades onde viviam as populações colonas e uma ínfima parte de assimilados (Castiano, 2005). Outrossim, continua Castiano, havia falta de recursos humanos capazes de formular políticas e geri-las em conformidade com a nova realidade que se desenhava no país e uma enorme escassez de recursos financeiros que poderiam suportar as despesas ligadas à construção de novas escolas, à contratação de mais professores e à produção de materiais escolares para todos.

98 “Em face desta pretensão, o Estado levou avante uma campanha de sensibilização,

mobilizando e capitalizando os recursos humanos muito escassos que o país possuía, todos aqueles que tinham um mínimo de condições para ensinar […]. Para o efeito, uma grande vontade foi demonstrada pela maioria da população, um entusiasmo que se caracterizou pelo voluntarismo para assegurar o ensino, os populares por seu turno dando grande apoio às iniciativas do Governo” (Mafuiane, 2016, p. 7).

Este facto, como afirma Castiano (2005), mostra claramente que a intenção de alterar o regime de educação vigente no período colonial e de edificar um novo aparelho centralizado, que reflectisse a política de massificação e garantisse a unidade nacional, não se afigurava fácil e nem isento de conflitos. Na sequência disso, tornava- se inevitável levantar algumas questões de reflexão: como conseguir uma gestão educativa efectiva num país marcado pela diversidade cultural e étnica? Como materializar uma liderança e administração escolar num país que ainda carece de infra- estruturas básicas como estradas e comunicações? Estas e outras questões são diariamente levantadas, mas as respostas são (ainda) uma incógnita.

Assim, no ensino secundário, será consolidado o currículo profissionalizante, incluindo habilidades para a vida, virado para o emprego e auto-emprego e, no geral, para o aumento do sentimento de bem-estar. No ensino técnico profissional e superior, serão continuados os processos de reformas para incrementar a qualidade de formação, a fim de responder cada vez mais às crescentes necessidades do mercado em pessoal com as competências adequadas. Enquanto isso, a educação para os adultos terá o seu enfoque na criação de habilidades para melhorar a qualidade de vida, incluindo uma melhor preparação para o auto-emprego.

Entretanto, estes avanços conheceram uma série de constrangimentos na consolidação dos resultados conquistados pois, poucos anos depois da proclamação da independência, o país ficou mergulhado numa guerra civil (de 1976 a 1992) que ceifou vidas humanas, destruiu infra-estruturas escolares e fez regredir os sonhos de uma economia promissora, como é relatado por Mafuiane (2016):

99 “[…] o sucesso alcançado durou pouco tempo devido à eclosão da guerra civil que durou

dezasseis anos no país, destruindo quase metade de infra-estruturas escolares, dispersando os seus quadros à procura de segurança e mais tarde ao encontro de melhores condições de trabalho e salários condignos em outras instituições” (p. 8).

Pelas razões acima apontadas e com o fim da guerra em 1992, o Governo viu- se na contingência de esboçar e implementar novas políticas educativas, tendo em vista a busca de alinhamento com a nova conjuntura do país, para dar seguimento aos novos desafios da educação, plasmados pela nova Lei do Sistema Nacional de Educação, a Lei 6/92, de 6 de Maio, tais sejam: i) erradicar o analfabetismo de modo a proporcionar a todo o povo o acesso ao conhecimento científico e desenvolvimento pleno das suas capacidades; ii) garantir o ensino básico a todos os cidadãos de acordo com o desenvolvimento do país através da introdução progressiva da escolaridade obrigatória; iii) assegurar a todos os moçambicanos o acesso à formação profissional; iv) formar cidadãos com uma sólida preparação científica, técnica, cultural e física e uma elevada educação moral, cívica e patriótica; e v) formar o professor como educador, profissional, consciente com profunda preparação científico e pedagógica capaz de educar os jovens e adultos.