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1. CURRÍCULO: UMA PALAVRA, MUITAS SIGNIFICAÇÕES

1.1. CURRÍCULO E SUA ESTREITA LIGAÇÃO COM UMA BASE

É necessário pensar na discussão de um currículo escolar e na elaboração de uma base que seja comum a toda uma nação. Vale destacar que a proposta de uma base comum de currículo tem sido uma realidade atual em diversos países.

Um currículo definido pelo tempo, de modo fragmentado, aulas recortadas em minutos, mostra-se uma forma curricular tradicional do ponto de vista da construção do conhecimento.

Embora o currículo de forma geral ainda tenha sua organização estruturada pela fragmentação, dividindo-se em séries/anos, defende-se a necessária superação dessa forma, a fim de alcançar uma aprendizagem em que o conhecimento não seja ensinado de modo estanque, por disciplinas, mas que desempenhe uma visão interdisciplinar.

Outro ponto é a limitação e organização dos conteúdos que corresponde a uma escolha.

Ao selecionar alguns em detrimento de outros, toma-se uma decisão política e não neutra.

É sabido que, de forma geral, estados e municípios utilizam sistemas de ensino próprios e elaboram os currículos de acordo com a disposição e organização do conteúdo que são abordados nesses sistemas. Fato que também ocorre nas instituições de ensino particulares.

Diferentes autores como Silva (2011), Moreira e Silva (2009), Moreira e Candau (2007), Gimeno Sacristán (2010), Young (2014), dentre outros defendem o quanto o currículo vem assumindo centralidade nas políticas educacionais na atualidade. Concebe-se o currículo a partir de um conceito abrangente, que indica um projeto educacional para um pretendido modelo de sociedade:

Os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado [...] O currículo, em seu conteúdo e nas formas através das quais se nos apresenta e se apresenta aos professores e alunos, é uma opção historicamente configurada, que se sedimentou dentro de uma determinada trama cultural, política, social e escolar; está carregado, portanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar (GIMENO SACRISTÁN, 2010, p. 17).

Isso leva ao ponto de que o currículo extrapola a relação de conteúdos e envolve um conjunto de ações que contribuem para uma análise político-social. Quando se caracteriza como uma base comum, em geral, apresenta os conhecimentos selecionados, dentre tantos outros, como necessários em cada etapa e nível de escolarização. O que permite considerar que legitima intencionalidades e ideologias presentes em sua formulação.

A discussão inicial que fundou a BNCC como orientadora para a elaboração de um currículo da educação básica foi delimitada a alguns segmentos, tais como a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o Conselho Nacional de Educação (CNE). Em 2010 iniciou de forma reservada com alguns encontros propostos pela Secretaria de Educação Básica (SEB), e em 2014 a proposta assume um contorno mais definido e amplia um pouco mais a discussão, como se verá no histórico de elaboração da BNCC.

Alguns segmentos de professores universitários, em especial da área de currículo, e poucos professores de educação básica também foram chamados a debater sobre o currículo junto à equipe da SEB (Secretaria da Educação Básica/MEC), em momentos específicos.

Entretanto, mais do que indagar sobre quem participou da elaboração e sobre sua metodologia, cabe voltar a um questionamento inicial: por que um currículo nacional?

A proposta de uma base nacional pretende, segundo o governo, além de definir com mais clareza o que se espera que os alunos aprendam nas determinadas fases escolares, guiar o processo de avaliação e da formação de professores, assunto complexo e denso que merece um estudo específico.

Hoje, as diretrizes da Prova Brasil (avaliação federal da educação básica) e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) servem de indutores dos currículos municipais e estaduais, sendo que é a avaliação institucional que determina os conteúdos aplicados, invertendo a lógica teórica, de o currículo e o ensino determinarem a avaliação.

A justificativa da proposta de um currículo nacional está amparada, de acordo com seus defensores — sobretudo aqueles vinculados ao empresariado brasileiro e grupos privados que articularam e financiaram a construção da BNCC, contextos políticos e agências internacionais6

—, na redução das desigualdades regionais, garantindo a prerrogativa à aprendizagem. Há a argumentação de que, quanto maior é a vulnerabilidade em que estão inseridos os alunos, menor é a sua aprendizagem, quando justamente é essa vulnerabilidade que deveria ser identificada e questionada para quebrar o ciclo de exclusão, fracasso e pobreza a que esses alunos estão sujeitos.

Entretanto, quais aprendizagens são consideradas com vistas a reduzir as desigualdades?

Arroyo (2013) afirma que, em nome do anúncio do currículo como direito de todos, legitima-se o encargo que todos têm em aprender, com conlegitima-sequências de reprovação, recuperação ou expulsão. Esses são mecanismos de extremo rigor que se tornam negadores do direito à educação e ao conhecimento, sobretudo para os setores populares que se encontram na pobreza e miséria extrema. E complementa que:

A “salvação” de poucos, supostamente para sair da miséria e ir para o mercado de trabalho, custa caro para a maioria dos alunos pobres, que são condenados a permanecer na miséria por não aprenderem os conhecimentos e as competências dos currículos rígidos (ARROYO, 2013, p. 115).

Dessa forma, a questão do direito e da obrigação de aprender se torna mais uma forma de exceção social, pois aqueles que não conseguirem aprender o considerado necessário confirmarão a sua condição de excluídos, serão responsabilizados pelo próprio fracasso, como

6 Com maior ou menor influência estão os diversos parceiros ou entidades: Itaú – Unibanco, Bradesco, Santander, Gerdau, Natura, Fundação Victor Civita, Fundação Roberto Marinho, Camargo Corrêa, Fundação Lemann e Todos pela Educação e Amigos da Escola. Entre os agentes privados despontou, com grande relevância, a Fundação Lemann, de Jorge Paulo Lemann, um dos dirigentes da cervejaria Anheuser-Busch InBev e do fundo de participações 3G Capital (dono do Burger King, Americanas, Submarino, Shoptime e da Heinz).

afirma Arroyo (2013), quando coloca a legitimação da obrigação individual que todos têm em aprender.

Normalmente, o que se entende por vulnerabilidade, por desigualdade, por exclusão está diretamente relacionado à pobreza e à dificuldade de aprendizagem7, que estão vinculadas à questão material, mas é importante considerar outros aspectos importantes geralmente ignorados, como a cultura, os saberes, as religiosidades, os valores, as concepções e as identidades das pessoas classificadas como “pobres” (TORRES SANTOMÉ, 2013).

No cenário atual de ampliação do acesso à educação, os grupos historicamente excluídos estão inseridos nas escolas e a uniformização de um padrão cultural ignora a diversidade de vivências e a multiplicidade de entendimentos de toda a sociedade. Também causa um distanciamento, porque, por mais que a escola pública conviva com a pobreza, esta ainda é vista como resultante da carência de conhecimentos, de regras e de moralidade. Seria preciso, portanto, propiciar a esses grupos os saberes e competências necessários para torná-los aptos a ingressarem e se inserirem no mercado de trabalho e na sociedade em geral.

Ao desconsiderarem-se as peculiaridades e necessidades desse grupo, suas histórias também são negligenciadas. É importante ressaltar que boa parte das escolas empreendem esforços no sentido de atender às demandas sociais dos grupos em situação de vulnerabilidade, seja por meio dos programas governamentais (merenda escolar, ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, equipamentos, materiais didático-pedagógicos e salas-ambientes, entre outros), seja por meio de projetos próprios. Contudo, essas questões parecem não fazer parte do currículo escolar.

Como caracteriza Torres Santomé (2013), o currículo precisa contemplar uma abordagem histórica dos grupos sociais marginalizados e Arroyo (2013) complementa que os currículos e quem os definem:

Tem de considerar os coletivos empobrecidos como sujeitos de direitos, direitos específicos à sua história. Se a negação de sua história, sua memória, sua identidade e seus saberes-valores coletivos faziam parte de uma relação política de subordinação dominação, o seu empobrecimento extremo massificado, na atualidade, perpetua essa relação política. O sistema de educação e os currículos podem e devem ser um espaço de libertação (p. 117).

Libertação essa que está explícita na expectativa de uma escola capaz de trabalhar um currículo significativo, em que o ensino e a aprendizagem de fato se efetivem, em que a proposta

7 Essa afirmação é defendida por Carara (2017) em seu trabalho. Dificuldade de aprendizagem e vulnerabilidade social sob a percepção da comunidade escolar.

política pedagógica esteja alicerçada a uma pedagogia crítica, capaz de desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social, política e histórica, e que o educador, na concepção de Paulo Freire, seja aquele que: “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (1996, p. 25).

Entende-se, portanto, que a escola possa, com seus educadores, trazer as mudanças desejáveis para uma sociedade justa e igualitária. Isso não será possível se a escola não tiver clareza de seu currículo, de sua proposta pedagógica, de seu sistema de avaliação no processo de ensino e de aprendizagem, compromisso humano e a capacidade de agir e refletir sobre a realidade, se responsabilizando pela formação do seu aluno. De acordo com Paulo Freire,

se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa (2005b, p. 22-23).

Assim, indaga-se como uma base comum para todo um país de dimensões continentais e com uma cultura que é resultado da miscigenação de diversos grupos étnicos, consequente das diferentes características geradas em cada região do país, dará conta de resgatar a diversidade nacional.

Uma base comum curricular tem como objetivo orientar o currículo. Entende-se também que o currículo apresenta uma rede de determinações e deliberações intrincadas: questões políticas, pedagógicas, administrativas, avaliativas, de controle e de inovação pedagógica.

Assim, um currículo não pode ser entendido à parte do contexto territorial no qual se configuram as condições em que se desenvolve, caracterizando-se como um objeto complexo, por ser teórico, social e histórico. O que dificulta a unicidade de um documento desse porte.

No entanto, como destaca Gimeno Sacristán (2010, p. 16), “existe uma tendência em simplificar o que é bastante complexo”, pois o currículo é algo muito usual no discurso das escolas. Segundo o autor, a existência dessa disposição à simplificação do conceito acarreta que os próprios usuários do termo não se dão conta da acepção do termo e tal simplificação provoca novas significações.

Young (2014) reforça essa afirmativa, colocando que as questões a respeito do currículo ainda estão longe de serem claras e de contribuírem para a discussão do tema, uma vez que a maioria das pessoas tem respostas rápidas e pouco aprofundadas, inclusive por quem detém o poder político ligado à educação. O autor afirma ainda que parte da responsabilidade dessa

fragilidade conceitual está na polarização crítica e normativa do currículo, estabelecida pelos próprios especialistas.

Comumente chega-se a entender que currículo é algo óbvio, muito simples, já que está presente em todas as ações na escola, mas as escolas nem sempre se dão conta de sua própria produção de currículo. Porém, a complexidade e diversidade de fatores envolvidos na elaboração e desenvolvimento do currículo vão muito além do que é inerente à sala de aula, e muitas vezes a escola e seus envolvidos não estão preparados para entender e discutir as dimensões do currículo, estabelecendo, assim, uma simplificação da ideia de currículo para uma ordenação que determina o que se deve ou não ensinar na escola, que regula e determina os conteúdos, as orientações para cada segmento escolar, além do calendário e da carga horária, que fixa também o avanço escolar, determinado pela avaliação. O que compõe um modelo frágil para julgar o que está dentro dos padrões.

Essa fragilidade não se coaduna com o direito à educação, que se ampliou como um elemento de direito social e, consequentemente, ampliou o conhecimento das ciências, dos avanços tecnológicos e das tecnologias de informação, além do direito à cultura, artes e às diversidades de forma geral.

Moreira e Silva (2009), em seu livro Currículo, Cultura e Sociedade, trazem considerações sobre o “porquê” das formas de organização do conhecimento escolar e definem o currículo como um dispositivo social e cultural. Eles evidenciam que há uma intenção, isto é, esclarecem que o currículo não é neutro, que sofre influências das relações de poder, transmitem padrões e valorizam interesses particulares, interferindo, consequentemente, nas identidades dos alunos. É mister ressaltar que o currículo tem uma construção carregada na compreensão de temporalidade e espacialidade, em outras palavras, ele está atrelado à vivência, emoções, descobertas, posicionamentos, significações e ressignificações. Ele influencia na organização da sociedade e da educação.

Na mesma medida, tem-se os estudos de Moreira e Candau (2007, p. 19) que abordaram a mudança das “preocupações dos pesquisadores sobre as relações entre currículo e conhecimento escolar para as relações entre currículo e cultura”. Eles ampliam o conceito de conhecimento para além dos conhecimentos escolares, incorporando os procedimentos e as relações sociais que conformam os cenários nos quais os conhecimentos transitam. Além disso, abordam as consequências dos conhecimentos nos sujeitos e na construção de valores e identidades.

Moreira e Candau também reconhecem a importância da cultura e da pluralidade na organização da vida social e destacam a dimensão simbólica da cultura: “conjunto de práticas

por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo” (2007, p. 27), definindo a cultura8 como esse conjunto de práticas significantes transformadoras.

A partir dessa compreensão de cultura, pode-se entender o currículo também como um conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados coletivamente, o que cria um laço entre currículo e cultura. Com isso, o currículo é visto como aparelho político que se vincula à cultura, à ideologia, à estrutura social e ao poder.

Ponderar sobre a função e as perspectivas do currículo no contexto educacional traça um caminho àsteorias críticas, que confirmam que a escola tem sido um lugar de subordinação e reprodução da cultura da classe dominante. Todavia, com a diversidade cultural, aparece a moção de reivindicação dos grupos culturais dominados que resistem para ter suas raízes culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional.

Esses significados compartilhados exigem escolhas: quais conceitos, conteúdos e valores serão selecionados para serem transmitidos pelo processo educativo. Essas escolhas também têm um significado e uma intenção. Aqui se relaciona as “escolhas” com quem realiza tais seleções, enfatizando, assim, que elas são referentes aos desejos e intenção de quem pode escolher. Sendo, portanto, um ato revestido de poder. Como diz Moreira e Candau:

O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um dado grupo quanto o conteúdo dessa cultura. O currículo é um território em que se travam ferozes competições em torno dos significados. O currículo não é um veículo que transporta algo a ser transmitido e absorvido, mas sim um lugar em que, ativamente, em meio a tensões, se produz e se reproduz a cultura (2007, p. 28).

O currículo atua, por conseguinte, como um instrumento político que se vincula à ideologia, à estrutura social, à cultura e ao poder. Ele representa um conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social, contribuindo, intensamente, para a construção da identidade dos educandos. Segundo as teorias críticas, a escola tem sido um lugar de subordinação e reprodução da cultura da classe dominante, das elites, da burguesia, dos detentores do poder de escolha.

Assim, essa ascendência do currículo está sendo refletida no tipo e condição dos arranjos escolares oferecidos aos alunos nos diferentes espaços e tempos, de acordo com o que decidem aqueles que têm o poder de determinar o tipo de educação que se terá e, consequentemente, a quem ela se destinará.

8 Segundo Freire, cultura é atividade humana de trabalho que transforma (STRECK, REDDIN e ZITKOSKI, 2019).

Diferentes autores defendem a centralidade que o currículo vem assumindo nas políticas educacionais da atualidade (LOPES, 2004). Ele é elaborado a partir de um conceito abrangente, o que indica um projeto educacional para um intencionado modelo de sociedade.

O currículo extrapola a relação de conteúdos e envolve um conjunto de ações que contribuem tanto para uma análise político-social quanto para uma análise da contribuição na formação geral do sujeito. Questionam-se as ações empreendidas pelas instituições educativas quando inseridas numa base curricular comum, apresentando desta forma os conhecimentos, selecionados entre muitos, como necessários em cada etapa e nível de escolarização. O que permite afirmar que ele legitima intencionalidades e ideologias presentes em sua formulação.

Apple (1999) defende o mesmo princípio e destaca que

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos que, de algum modo, aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. É sempre parte de uma tradição seletiva, da seleção de alguém, da visão de algum grupo do conhecimento legítimo. O currículo é produto das tensões, conflitos e compromissos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo [...] a decisão de definir o conhecimento de determinados grupos como o mais legítimo, como conhecimento oficial, enquanto o conhecimento de outros grupos raramente consegue ver a luz do dia, revela algo de extremamente importante sobre quem tem o poder na sociedade (p. 51).

Compreende-se que a discussão sobre o currículo seja necessária, não como base comum, e sim como princípios orientadores que leve em conta as diferenças, que partam “da exploração concreta e pública do modo como estamos diferentemente posicionados na sociedade e na cultura” (APPLE, 1999, p. 63).

Por outro lado, a uniformização curricular pela definição dos conhecimentos apregoados como adequados para cada etapa e dos componentes a serem ensinados pelos professores e aprendidos pelas crianças e jovens, mais do que promover a inclusão, poderá produzir desigualdades, pois se corre o risco de não contemplar as diferenças e multiplicidades culturais, econômicas e sociais. Na busca de um padrão curricular nacional, ao eleger os conteúdos escolares, outros conteúdos poderão ser negligenciados e, portanto, muitos saberes poderão ser silenciados, ou, ainda, algumas representações e discursos discriminatórios, conservadores e excludentes poderão ser naturalizados, uma vez que somente será privilegiada uma única e determinada perspectiva.

Uma das argumentações que sustenta a formulação de uma base curricular comum é alicerçada em discursos referentes à pouca especificação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Porém, mesmo

com poucas especificações, tais documentos orientadores permitiam que cada escola pudesse definir, em seu Projeto Político-Pedagógico, qual concepção de currículo iria adotar e quais conteúdos e componentes curriculares seriam contemplados em cada etapa, produzindo uma diversidade curricular desejável na perspectiva das diferenças locais e da gestão democrática.

Com o intuito de centrar a educação escolar na aprendizagem de conteúdos considerados indispensáveis por meio da reforma curricular da educação básica, tem-se a nova prescrição da BNCC que deverá ser usada como um referencial para o currículo.

A BNCC e os currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da educação básica,uma vez que tais aprendizagens só se concretizam por intermédio do conjunto de decisões que caracterizam o currículo em ação.

O objetivo, ao conceber tal proposta, é a garantia ao direito à aprendizagem e ao desenvolvimento pleno de todos os estudantes. Atualmente, a BNCC (BRASIL, 2017) é considerada, em seu próprio texto, como um documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais a todos os alunos da educação básica do Brasil.

A BNCC é um documento orientador obrigatório que compreende em um todo as referências para a construção dos currículos estaduais e municipais, estabelecendo os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para todos os estudantes do país, estejam eles matriculados na rede pública ou particular de ensino. Ele dita que os objetivos, as áreas do conhecimento e as disciplinas devem organizar-se para garantir a progressão do desenvolvimento do alunado brasileiro, de forma que se diminuam as desigualdades de aprendizagem. Ademais, ele mesmo traz em sua apresentação que a BNCC por si só não alterará o quadro de desigualdade ainda presente na educação básica do Brasil, mas que é um incentivo para que isso aconteça.

Com isso, a atuação docente fica alheia à reflexão e assume o caráter rotineiro do fazer, das boas práticas, dos modelos que deram certo, tão bem usados pelos livros didáticos e, atualmente com mais afinco, pelas empresas educacionais privadas. Elas atuam na venda de produtos (livros, apostilas, kits pedagógicos) e ideias por meio de materiais e cursos de formação continuada, consultorias em gestão escolar, seduzindo, especialmente, as redes estaduais e municipais de educação com pacotes rápidos de gerenciamento da escola e da sala de aula para atingir os padrões de qualidade exigidos pelas provas e indicadores nacionais.

Essa incoerente forma de organizar o currículo tem seus reflexos na escola e na formação dos professores que o reduzem a uma fração de suas múltiplas dimensões. Agregado a isso, as divergências históricas do conceito de currículo fazem com que seja considerado um conceito em constante transformação, ocasionando um estranhamento e distanciamento nos

professores acerca das discussões e reflexões sobre o tema. Principalmente quando se pensa o currículo na educação infantil, que é o que faremos a seguir