• Nenhum resultado encontrado

2. BNCC: RETROSPECTIVA HISTÓRICA E SUA INFLUÊNCIA

2.1. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DA CONSTRUÇÃO DA BNCC

O projeto de construção desse documento apresenta uma linha histórica com marcos de referência que apontam para a consolidação dessa política educacional. A elaboração de uma

12 Redação dada pelo site oficial: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base , na aba perguntas frequentes para a resposta da questão “Por que ter uma Base Nacional Comum Curricular?”

base nacional comum já estava prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que em seu artigo 210 prevê a regulamentação de uma base comum como a BNCC da seguinte forma: “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, Art. 210).

A BNCC é também considerada uma exigência do sistema educacional brasileiro pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que em seu artigo 26 regulamenta uma base nacional comum para a educação básica. Em 1997, apresentou-se algumas orientações com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997) para o ensino fundamental, do 1º ao 4º ano, consolidados em dez volumes, apontados como referenciais de qualidade para a educação brasileira. O motivo de sua realização foi auxiliar as equipes escolares na execução de seus trabalhos, sobretudo no desenvolvimento do currículo.

Nos anos 2000 são lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), em quatro partes e com o objetivo de cumprir o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas abordagens e metodologias.

Esse documento foi desenvolvido para remediar uma necessidade crônica no Brasil de uma melhoria geral na educação, oferecendo um rumo para trabalhar os conteúdos nas escolas, conforme a necessidade, a regionalidade e a conjuntura em que a escola estava inserida. Esses conteúdos basilares deviam ser trabalhados por etapas, em que o aluno, no final de cada etapa, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, alcançasse certos conhecimentos necessários para o exercício da cidadania, até mesmo para estar preparado para a vida profissional.

Com a criação dos PCNs, o governo tinha como objetivo garantir que todos os alunos, em qualquer lugar do país, pudessem usufruir de um conjunto básico de conhecimento ofertado pelas escolas, o que leva a crer que os aspectos utilitaristas e generalistas das políticas educacionais são anteriores à BNCC.

Nesse processo evidencia-se o papel fundamental do currículo na estrutura educacional e no fazer pedagógico, por isso foram realizados vários esforços pautados em reformas estruturais e curriculares com vistas à ampliação e melhoria da escola pública.

Dentre essas ações, ocorreu a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental em 1998 e as primeiras diretrizes para a educação infantil em 1999. As Diretrizes foram resultados de um amplo debate e buscaram prover os sistemas educativos em seus vários níveis (municipal, estadual e federal) com instrumentos para que crianças, jovens e

adultos pudessem ter mais condições para o desenvolvimento de forma plena, recebendo uma formação de qualidade correspondente à sua idade e nível de aprendizagem e respeitando suas diferentes condições sociais, culturais, emocionais, físicas e étnicas. Elas definiram ainda as competências e as diretrizes para a educação básica que embasaram a elaboração de currículos e conteúdos mínimos com o intuito de garantir uma formação comum.

Diferente dos PCNs, que assinalavam orientações e referências curriculares, as diretrizes são obrigatórias e determinam objetivos e metas a serem perseguidas pela educação nacional. Destaca-se que as Diretrizes do Ensino Fundamental de 1998 e as Diretrizes da Educação Infantil de 1999 foram revistas levando em consideração as várias modificações educacionais ocorridas na década.

O Programa Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014) foi outro movimento que também interferiu e influenciou na composição da BNCC, com análise de propostas curriculares de estados, do Distrito Federal e municípios, tendo sido solicitado pelo MEC em 2009. O estudo foi realizado no primeiro semestre de 2010 e visava identificar as escolhas e orientações curriculares, objetivos e fundamentação, a organização prevista para o ensino e para o currículo, as orientações metodológicas e para avaliação. Ele focalizou as propostas curriculares em seus traços gerais com a intenção de apontar tendências, regularidades e singularidades encontradas no estudo das propostas e detalhou algumas indicações de orientação curricular para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Foi no Seminário Nacional “Currículo em Movimento” que aconteceu em Belo Horizonte no ano de 2010 que os amadurecimentos do trabalho com educação infantil na BNCC foram promovidos.

A opção de construção da BNCC adotou uma metodologia verticalizada, alcunhada de participativa. Para essa retrospectiva, considerou-se o início propriamente dito da elaboração do atual documento apresentado pelo MEC, em que este formou um grupo de profissionais para apresentar, sem um marco de referência que conferisse unidade ao trabalho nem fundamentação teórica, um delineamento do documento.

Entre 28 de março e 1 de abril de 2010, foi realizada a 1ª Conferência Nacional de Educação (CONAE), com a presença de especialistas para debater a educação básica. O documento fala da necessidade da BNCC como parte de um Plano Nacional de Educação.

Dentre os objetivos da CONAE, destacam-se as reflexões sobre as políticas públicas necessárias para que o direito à educação de qualidade seja universal na educação básica e no ensino superior, assegurando a formação integral do cidadão e de garantir o respeito à diversidade.

Entre 2009 e 2012, diferentes Resoluções fixam as modificações das respectivas Diretrizes:

a) A Resolução n.º 4, de 13 de julho de 2010, define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNGEB) com o objetivo de orientar o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino.

b) A Resolução n.º 5, de 17 de dezembro de 2009, fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). Em 2010 é lançado o documento.

c) A Resolução n.º 7, de 14 de dezembro de 2010, fixa a Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNEF) de nove anos.

d) A Resolução n.º 2, de 30 de janeiro de 2012, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM).

A necessidade da atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais nasceu da evidência de que as várias alterações, como o ensino fundamental de nove anos e a obrigatoriedade do ensino gratuito dos quatro aos dezessete anos de idade, deixaram os documentos anteriores desatualizados. Essas mudanças ampliaram os direitos à educação de crianças e jovens e também de todos aqueles que não tiveram acesso à educação na escola convencional, na idade apropriada.

A Portaria n.º 867, de 4 de julho de 2012 (BRASIL, 2012), institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e define suas Diretrizes Gerais, expondo a responsabilidade dos entes governamentais de “alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específico13

Embora, inicialmente o PNAIC tenha sido anunciado na mídia como uma política de formação docente, com a publicação da Portaria n.° 867, de 4 de julho de 2012, é dada uma grande ênfase ao pacto como uma ferramenta de gestão, mobilização e controle social.

A Lei n.º 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), regulamenta o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de dez anos. O Plano tem vinte metas para a melhoria da qualidade da educação básica e quatro delas falam sobre uma Base Nacional Comum (BNC).

Entre 19 e 23 de novembro de 2014, foi realizada a 2ª Conferência Nacional pela Educação (CONAE), organizada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), que resultou num

13DOU de 05/07/2012 ,nº 129, Seção 1, pág. 22.

documento sobre as propostas e reflexões para a educação brasileira, sendo um importante referencial para o processo de mobilização para a BNCC.

O 1º Seminário Interinstitucional para elaboração de uma base nacional comum aconteceu de 17 a 19 de junho de 2015 e foi um marco importante no processo de elaboração da BNCC, pois reuniu todos os assessores e especialistas envolvidos na elaboração da Base. A Portaria n.º 592, de 17 de junho de 2015, instituiu a Comissão de Especialistas para a Elaboração de Proposta da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2015).

Em setembro do mesmo ano, a primeira versão da BNCC foi disponibilizada. Logo em seguida, de 2 a 15 de dezembro de 2015, houve uma mobilização das escolas de todo o Brasil para a discussão do documento preliminar da BNCC. Em 3 de maio de 2016, a segunda versão da BNCC foi disponibilizada (BRASIL, 2016).

Pelo que se pode observar na sua primeira e segunda versões, a BNCC foi arquitetada como referência e não como um currículo mínimo, intencionando apoiar os sistemas na mediação das propostas específicas. Essas versões não tinham como proposta uma relação de conteúdo a serem ensinados obrigatoriamente em todas as escolas. Na sua ideia inicial, o conceito era que o texto se tornasse um material de apoio para a elaboração de propostas estaduais, municipais, da rede privada e de cada unidade escolar. Ela objetivava influenciar professores e professoras a pensarem em objetivos que coincidissem com as intenções educativas da escola, definidas coletivamente e com a participação da comunidade. Afinal, o conteúdo, a forma como se ensina e a avaliação do processo tem que ser uma decisão de cada instituição e especificada no seu projeto pedagógico.

A partir da promulgação da segunda versão em 2016, aconteceram vinte e sete Seminários Estaduais com professores, gestores e especialistas para debater a segunda versão da BNCC. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) promoveram esses seminários. Os seminários atingiram 9.275 participantes, em mais de cinquenta palestras, distribuídos14 por todo o território nacional: 25% na região Norte, 35% na região Nordeste; 15% na região Centro Oeste, 13% na região Sudeste e 10% na região Sul.

Em agosto de 2016, começa a ser redigida a terceira versão, num processo colaborativo com base na segunda versão, em pareceres e estudos comparativos.

Em abril de 2017, o MEC entregou a versão final da BNCC ao Conselho Nacional de Educação. O CNE – Conselho Nacional da Educação, tinha como responsabilidade elaborar um

14 Dados em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/numeros-dos-seminarios.

parecer e projeto de resolução sobre a BNCC que seriam encaminhados ao MEC. A partir da homologação da BNCC, estava previsto o processo de formação e capacitação dos professores e o apoio aos Sistemas de Educação Estaduais e Municipais para a elaboração e ajustamento dos currículos escolares. Esse processo aconteceu de forma mais visível com a Resolução n.º 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) (BRASIL, 2019). Logo, a BNCC impacta diretamente nos processos de formação inicial e continuada de docentes, o que reflete em mudanças a serem realizadas nos cursos de graduação de formação de professores (licenciaturas).

Em 20 de dezembro de 2017, a BNCC foi homologada pelo ministro da Educação. Em seguida, em 22 de dezembro de 2017, o CNE apresenta a Resolução CNE/CP n.º 2, de 22 de dezembro de 2017, que institui e orienta a implantação da BNCC.

Em março de 2018, foi proposto aos educadores do Brasil se debruçarem sobre o documento, com foco na parte homologada, correspondente às etapas da educação infantil e ensino fundamental, com o objetivo de compreender sua implementação e impactos na educação básica brasileira. Uma proposta discutível de implantação e apresentação para tentar garantir o aceite da BNCC com formação pré-moldada pelos representantes e interessados, outorgados pelo MEC15 na tentativa de ser possível na realidade das escolas.

Uma das formas de implementar as orientações e normatizações trazidas pela BNCC foi a promulgação do “Dia D”, iniciativa do regime de Colaboração estabelecido entre as Secretarias de Estado da Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais (UNDIME):

no dia 6 de março de 2018, secretarias, escolas, gestores e professores de todo o país foram convidados a se debruçarem ao estudo da BNCC em suas escolas. A informação mais importante, ou melhor, a que teve maior influência foi do Movimento pela Base Nacional Comum16 (MBNC), que representou os interesses de empresas, fundações e instituições

15 Segundo CAETANO (2019) o grupo é composto por entidades internacionais, por exemplo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial (BM), assim como a ingerência das fundações, institutos e consultorias brasileiras. Entre tantas, destacam-se: Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho, Fundação SM e Itaú BBA. Além de representantes dos gestores da educação: a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED).

16 Um grupo não governamental e apartidário de pessoas, organizações e entidades que, desde 2013, se dedica à causa da construção e implementação da BNCC e do novo ensino médio e que defendem promover uma educação pública de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros.

filantrópicas, geralmente financiadas pela alocação de impostos de grandes corporações, aquelas que tiveram seus interesses agraciados pelo MEC.

A partir de 2018, os esforços foram concentrados na organização do documento para o ensino médio com um novo processo envolvendo novamente audiências públicas para debatê-la. E em 14 de dezembro de 2018, foi homologado o documento da BNCC para a etapa do ensino médio, compondo, neste momento, uma Base com as aprendizagens previstas para toda a educação básica.

Com todo esse percurso, percebe-se que essa política educacional foi costurada por muitos fios e entrelaçada por muitas questões, desvelando o caráter não linear desse percurso político na construção do material em discussão. Principalmente na etapa final, essa construção sofreu os efeitos do processo político que o país vivia, com a constante mudança de ministros e suas respectivas equipes, o que dificultou um processo integrador e contínuo e causou rupturas, interrupções e fragmentação de ideias e de concepções. O Conselho Nacional de Educação sofreu também alterações estruturais com a ascensão de Michel Temer à presidência e a quebra de continuidade das políticas desenvolvidas, emergindo novas influências e vontades.