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Nesta subseção, apresenta-se o conceito de currículo trabalhado nesta tese, para o qual se faz relevante a retomada do nó 7, que evidencia a relação entre planejamento de aula e currículo: o planejamento de aula, que pode explicitar o currículo em ação, pode também evidenciar se existe uma conexão ou desconexão entre o que está prescrito em documentos oficiais da escola e as práticas pedagógicas.

O momento especial de replanejamento, no qual, após a aula, o docente revisita e avalia as ações propostas no plano de aula, pode provocar mudanças e revisões no currículo da escola. Esses momentos de idealização das ações nos planejamentos e replanejamentos podem ser relacionados à já transcrita citação de Marx (1980 apud VASCONCELLOS, 2010, p. 67):

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. O currículo seria, então, o desenho de uma teia complexa e forte, mas elástica – mostrando certa flexibilidade –, e essa trama encontra-se nas ideias e na mente dos docentes, sendo projetada no currículo em desenvolvimento. A tecnologia encontra-se entrelaçada nessa trama, uma vez que o docente pensa sobre como utilizá-la em suas aulas, de forma que os alunos passem a pensar com TIC.

Segundo Eisner (1985 apud SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998), de uma maneira recíproca e circular, o ensino seria o conjunto de atividades que transformam o currículo na prática para produzir a aprendizagem. Assim, o início do ensino é embasado em um plano curricular prévio, mas que pode ser modificado, e novas intenções podem surgir a partir da prática

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pedagógica. Para Sacristán e Gómez (1998, p. 125), o currículo “tem uma certa capacidade reguladora da prática, desempenhando o papel de uma espécie de partitura interpenetrável, flexível, mas de qualquer forma determinante da ação educativa”. Os autores utilizam o adjetivo elástico para conceituar o currículo.

Sacristán e Gómez (1998) inserem, no âmbito da discussão sobre currículo, um aspecto importante a ser considerado: a maneira de estudo dos alunos.

[...] além dos conhecimentos próprios de cada caso (área ou disciplina), é importante, do ponto de vista educativo, considerar a relevância dos hábitos de trabalho do aluno/a nessa matéria. Habilidades específicas que pode desenvolver e que precisa para continuar progredindo na mesma... (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 127).

Na perspectiva de quem aprende, o currículo é “o conteúdo de toda a experiência que o aluno/a tem nos ambientes escolares” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 132). Entende-se, aqui, como parte integrante dos ambientes escolares, os potenciais das tecnologias e dos dispositivos móveis, que ampliam e flexibilizam os momentos e ambientes de aprendizagem, aumentando as possibilidades de desafios das situações de aprendizagem no meio.

Então, “[…] o significado real do currículo não é o plano ordenador, […] mas a prática real que determina a experiência de aprendizagem dos mesmos” (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p. 133). Uma das contradições nos currículos escolares vem das diferenças entre o oficial e o oculto – condição da experiência educativa – do currículo real (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998). Está nas tensões e conflitos entre o currículo prescrito formal, traduzido em documentos, e aquele em ação, experienciado na prática. Nessa dialética constante, é que o currículo da escola se desenvolve, absorvendo de forma consciente os aspectos sociais, culturais e históricos que a sociedade atravessa (GIROUX, 1997). São nessas contradições que se encontram frutíferas reflexões para as possíveis mudanças no constante processo do currículo.

Uma intervenção no currículo real, para Sacristán e Gómez (1998), significa modificar as dimensões fundamentais no âmbito físico (arquitetura, disposição do espaço, mobiliários), organizativo (formas de organizar os alunos, distribuição de tempo) e pedagógico (relação entre professores...).

O currículo é, então, esse percurso desde a retórica oficial das intenções prescritas em documentos até a prática e suas contradições, conflitos e tensões, que ocorrem nos ambientes escolares durante o processo de desenvolvimento em que ele se dá.

O currículo se desenvolve na reconstrução desse conteúdo prescrito nos processos de representação, atribuição de significado e negociação de

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sentidos, que ocorrem primeiro no momento em que os professores elaboram o planejamento de suas disciplinas levando em conta as características concretas do seu contexto de trabalho, as necessidades e potenciais de seus alunos, suas preferências e seu modo de realizar o trabalho pedagógico. Em seguida, o currículo é ressignificado no momento da ação quando os professores alteram o planejado no andamento da prática pedagógica conforme as demandas emergentes de seus alunos, o seu fazer e refletir na ação (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 14-15).

Um dos itens que compõem a elaboração do currículo é uma análise das condições escolares, que são históricas e interligadas com as políticas públicas e com os sistemas de ensino.

Portanto, o currículo é uma construção social; advém da interação entre docentes e alunos, entre docentes e gestores, entre o corpo docente de uma escola – são nessas relações e experiências práticas que o currículo se desenvolve.

“O currículo, ao querer modelar um projeto educativo complexo, é sempre um veículo de pressupostos, concepções, valores e visões da realidade” (SACRISTÁN; GOMES, 1998, p. 137).

Os autores descrevem três obstáculos para uma abordagem processual do currículo. O primeiro ocorre quando uma concepção burocratizada de escola predomina, em detrimento de existir, nas instituições de educação, certa autonomia e negociação entre as partes envolvidas em decisões. Um segundo é relacionado a uma concepção política e técnica do professor, visto como um aplicador daquilo que recebe pronto, interferindo somente na parte técnica, não sendo considerado um criador de práticas pedagógicas ousadas e um participante da orientação educacional da sua escola. O último diz respeito à perspectiva técnica e mecanicista da concepção de ensino direcionada para objetivos concretos, dando importância maior aos planos curriculares produzidos fora do âmbito da escola, em detrimento de “compreendê-lo como algo complexo em que as concepções e decisões dos professores/as desempenham um papel importante que dá sentido e realidade ao que se faz [...]” (SACRISTÁN; GOMES, 1998, p. 143). Superados esses obstáculos, seriam, então, os professores vistos como criadores, e até mesmo tradutores, em suas práticas pedagógicas, daquelas eventuais propostas curriculares elaboradas por especialistas externos.

Os autores destacam a responsabilidade e a subjetividade do docente no processo curricular, sem se esquecerem dos outros mediadores, os quais não serão neste momento discriminados. Em suas palavras, vale

[...] destacar a importância que tem a qualidade do professorado como o aspecto decisivo na mediação e no desenvolvimento que farão dos currículos pensados, decididos e concretizados em materiais, quando os trabalhados

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com os alunos/as. Mediação contaminada de toda a cultura do professor/a […] Suas crenças mais gerais sobre o mundo, sobre os homens e a sociedade são componentes essenciais de sua filtragem quando ensina. […] nessa atividade prática, mostra-se globalmente como pessoa que sabe e entende o mundo de uma determinada forma [...] (SACRISTÁN; GOMES, 1998, p. 144).

E, nessas decisões, encontra-se presente a dimensão subjetiva, evidenciando as questões ética e política.

No nível inter, o currículo expressa as relações entre a educação e a sociedade; já no nível intra, mostra as questões das relações entre teoria e prática. “O contexto social, econômico, político e cultural que o currículo representa, ou deixa de fazê-lo, deve ser o primeiro referencial em relação a como analisar e avaliar um currículo. […] o currículo proposto para o ensino é o fruto das opções tomadas dentro dessas práticas” (SACRISTÁN; GOMES, 1998, p. 129).

Portanto, Sacristán e Gómez (1998) apontam quatro aspectos importantes do currículo a serem considerados nas práticas pedagógicas: o primeiro oferece uma visão da cultura – oculta e manifesta – que acontece nas escolas; o segundo é um projeto compreendido dentro do processo histórico; o terceiro integra ideias e práticas reciprocamente; e o quarto condiciona a profissionalização do docente.

Compreende-se que a escola teria uma membrana permeável seletiva e fluída, com filtros críticos, para escolher os acontecimentos da sociedade e os conhecimentos a serem trabalhados nas práticas pedagógicas, no currículo em ação. Nessa proposta, o currículo seria composto por dois núcleos: um “núcleo duro”, com os conceitos básicos, acumulados historicamente, selecionados e descritos em documentos, bem como as expectativas de aprendizagem; e um “núcleo mole”, dos fatos diários que compõem a sociedade, novidades tecnológicas, novas estratégias de aprendizagem e metodologias de ensino. Os conhecimentos selecionados e a cultura estão descritos no currículo da escola e são vividos pelos alunos e docentes na prática pedagógica diária. Assim, o currículo seria inconstante, leve, adaptável e constantemente analisado pelos docentes e alunos em reuniões pedagógicas com coordenadores e diretores, ou em formações com especialistas.

O valor de qualquer currículo, de toda proposta de mudança para a prática educativa, se comprova na realidade na qual se realiza, na forma como se concretiza em situações reais. O currículo na ação é a última expressão de seu valor, pois, enfim é na prática que todo projeto, toda idéia, toda intenção, se faz realidade de uma forma ou outra; se manifesta, adquire significação e valor, independentemente de declarações e propósitos de partida. [...] Mas a prática é algo fluído, fugaz, difícil de apreender em coordenadas simples e,

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além disso, complexa enquanto nela se expressam múltiplos determinantes, ideias, valores e usos pedagógicos (SACRISTÁN, 2000, p. 201-202).

Encontra-se, na literatura, recentemente, uma expressão que pode se assemelhar a essa proposta de configuração do currículo com núcleos duros e moles compondo o desenvolvimento curricular, que é o currículo como hipertexto, em que se abrem diversas janelas e possibilidades de trabalhar os conhecimentos. “O hipertexto como imaginação do currículo consiste, assim, em produzi-lo sem suporte que o fixe em seqüências de ações e temas. Que seja não-disciplinar. Que busque, inspirado em narrativas multiculturais [...]” (OLIVEIRA, 2004, p. 5). Na mesma direção dessa proposta, está o currículo permeado pela web; assim, compõe-se o termo “web currículo” (ALMEIDA; SILVA, 2011).

O avanço desenfreado dos artefatos tecnológicos na sociedade – que tem suas raízes históricas – é um fato que bate às portas das escolas: por um lado, pela necessidade de melhor formação dos alunos para trabalhar e participar da sociedade; por outro, das empresas de tecnologias que enxergam a educação como potencial de mercado. Nos projetos políticos pedagógicos de aquisição das TICs, há de se analisar juntos – especialista, diretor, coordenação, docentes, pais e alunos – para averiguar os potenciais e os limites que proporcionarão para o processo ensino e aprendizagem; pode-se ainda encontrar neles algumas alternativas para alguns problemas da educação no Brasil. Segundo Sacristán e Gómez (1998, p. 201), “a opção que se faça ao conceber o plano educativo não é neutra, pois estamos falando da capacidade de intervenção na prática e do desenvolvimento de competências e de conhecimentos dos que participem”.

Autores, como os próprios Sacristán e Gómez (1998, p. 202), já começam a apontar essas questões: “inclui a abordagem do estudo dos novos meios de comunicação e de suas influências no currículo escolar [...]”. Almeida e Valente (2011, p. 9) ampliam essa discussão da seguinte maneira:

[...] o uso educacional das TDIC exige tanto o domínio das principais funcionalidades e modos de operação dos recursos tecnológicos disponíveis como a identificação de suas potencialidades pedagógicas para que o professor possa incorporar seu uso em atividades em consonância com as intenções implícitas na proposta curricular. Evidencia-se assim a necessidade de conceber, gerir e avaliar o desenvolvimento do currículo em função de sua concepção, bem como das necessidades, expectativas e condições de aprendizagens dos estudantes.

E é no plano de aula que o docente ressignifica o currículo prescrito e, a partir de sua concepção de aprendizagem, realiza as práticas pedagógicas (ALMEIDA; VALENTE, 2011). Então, o planejamento é um dos momentos relevantes e importantes para a atividade

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pedagógica, pois ele se situa entre o currículo prescrito e o currículo em ação. Já no momento da mediação pedagógica, docentes e alunos interagem – por meio dos desafios nas situações de aprendizagem – com o objetivo de aprender alguns conhecimentos cientificamente acumulados pela humanidade e habilidades que possibilitem atuar na sociedade. Planejar é colocar o currículo prescrito em execução. Para Fusari (1998), a aula é um encontro curricular.

Ao planejar com referências no currículo, o docente idealiza e antecipa situações para agir. No currículo prescrito de uma instituição escolar, encontra-se descrito, explicitamente, o posicionamento da mesma quanto a concepções de mundo, de sociedade, de educação, de homem, de tecnologia, de política, de economia, de cultura e de ética. E, ainda, qual aluno deseja formar e para qual sociedade, assim como quais áreas de conhecimento e recortes serão contemplados e com base em quais culturas, como será a organização de espaço, tempo e agrupamentos para que a educação aconteça e de que forma ela ocorrerá. Tudo isso tomando por base determinadas estratégias de aprendizagem, metodologias, avaliação.

A formação docente em serviço, na escola, nas reuniões pedagógicas que ocorrem durante o ano letivo, é um espaço privilegiado para discussões e reflexões sobre planejamento, currículo e TIC. Como atenta Almeida (2010, p. 74) aos especialistas e gestores que concebem essas formações e outras que acontecem na modalidade de Educação a Distância:

O design curricular da formação docente segundo uma abordagem sociointeracionista parte de um planejamento que se constitui, inicialmente, como a espinha dorsal de um processo dialético com a intenção explícita de propiciar a aprendizagem significativa, por meio do diálogo reflexivo, em que forma, conteúdo e comunicação se inter-relacionam e constituem o currículo de cursos baseados nas concepções explicitadas nesta seção. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo publicou, em 2010, um currículo oficial do Ensino Fundamental ao Médio. Segundo a Secretaria:

Este documento apresenta os princípios orientadores do currículo para uma escola capaz de promover as competências indispensáveis ao enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo contemporâneo. Contempla algumas das principais características da sociedade do conhecimento e das pressões que a contemporaneidade exerce sobre os jovens cidadãos, propondo princípios orientadores para a prática educativa, a fim de que as escolas possam preparar seus alunos para esse novo tempo. [...]

O Currículo se completa com um conjunto de documentos dirigidos especialmente aos professores e aos alunos: os Cadernos do Professor e do Aluno, organizados por disciplina/série(ano)/bimestre. Neles, são apresentadas Situações de Aprendizagem para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos e a

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aprendizagem dos alunos. Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série/ano e acompanhados de orientações para a gestão da aprendizagem em sala de aula e para a avaliação e a recuperação. Oferecem também sugestões de métodos e estratégias de trabalho para as aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares.

[...]

Um currículo que dá sentido, significado e conteúdo à escola precisa levar em conta os elementos aqui apresentados. Por isso, o Currículo da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tem como princípios centrais: a escola que aprende; o currículo como espaço de cultura; as competências como eixo de aprendizagem; a prioridade da competência de leitura e de escrita; a articulação das competências para aprender; e a contextualização no mundo do trabalho.

[...]

Currículo é a expressão do que existe na cultura científica, artística e humanista transposto para uma situação de aprendizagem e ensino.

[...]

O currículo é a referência para ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos acumulados pela humanidade ao longo do tempo. [...] um currículo referenciado em competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno (SÃO PAULO, 2010, p. 7, 8, 10, 11, 12).

Segundo Maria Inês Fini, coordenadora geral do currículo:

A Proposta Curricular foi planejada de forma que todos os alunos em idade de escolarização pudessem fazer o mesmo percurso de aprendizagem nas disciplinas básicas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências (Física, Química e Biologia, no Ensino Médio), História (mais Filosofia e Sociologia, no Ensino Médio), Geografia, Língua Estrangeira Moderna (Inglês), Arte e Educação Física (SÃO PAULO, 2010, p. 4).

Diante desse contexto das escolas do Estado de São Paulo, por um lado existe um benefício de todos os alunos vivenciarem o mesmo conteúdo, estabelecendo uma base mínima comum; por outro lado, o docente pode perde autonomia e liberdade para planejar suas aulas, que vêm pré-moldadas nos cadernos do professor e cadernos do aluno.

Assim, o currículo é o que fornece as diretrizes para as ações escolares, para a prática pedagógica, enfim, para o docente planejar suas aulas e conceber o uso de TIC em situações de aprendizagem. Outro aspecto importante é a integração das tecnologias com esse currículo da escola, porque, caso não esteja explícita no Projeto Pedagógico, corre-se o risco de que não ocorra, ou de que o uso de tecnologias fique dependente apenas dos docentes simpatizantes delas. Considera-se, também, que a prática pedagógica do docente é o currículo em ação.

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