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4.2 Quais são as problemáticas e as políticas públicas do Ensino Médio?

4.2.3 Problemáticas

Ainda hoje, diversas críticas são direcionadas ao Ensino Médio. Algumas delas são: o projeto pedagógico é desvinculado da realidade vivida pelos alunos na sociedade; “temos parâmetros curriculares nacionais muito flexíveis e amplos. Sendo amplos demais, não são bons guias para a maioria das escolas”; [...] “Nas escolas privadas – que poderiam melhor decifrar os Parâmetros – reina supremo o verdadeiro currículo: o vestibular da universidade federal mais próxima”; [...] “Na prática, o inchaço curricular impede que haja qualquer profundidade no tratamento do que é ensinado. Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência” (CASTRO, 2008, p. 120).

Uma pesquisa encomendada pelo MEC (NEUBAUER; HERRÁN, 2010), realizada em 2009, pela Fundação Carlos Chagas, e que contava com a parceria da Secretaria de Ensino Básico (SEB), do Ministério da Educação, da Diretoria de Estudos Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)-MEC, das Secretarias Estaduais de Educação (Seeds) dos Estados do Acre, do Ceará, de São Paulo e do Paraná, e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), relatou a importância da busca da otimização dos espaços de trabalho coletivo – momentos de reflexão, replanejamento, avaliação e estudo –, representados, em sua maioria, pelas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPCs) remuneradas, entretanto consideradas ainda insuficientes. Outro aspecto a ser destacado é a compreensão e a melhor depuração, pelos docentes, dos resultados das avaliações externas, que poderiam ser utilizadas no planejamento de suas aulas.

Um universo de 35 escolas dessas quatro Secretarias (Acre, Ceará, São Paulo e Paraná) participou da pesquisa, que constatou:

A busca da otimização dos espaços de trabalhos coletivos foi um esforço encontrado em boa parte das escolas pesquisadas fazendo deles momentos de reflexão, replanejamento, avaliação, estudo, ou seja, aproximando-se das comunidades profissionais de aprendizagem apontadas na literatura. A

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pesquisa indica que estas escolas possuem objetivos claros e focados na aprendizagem dos alunos (accountability interna), um “planejamento” compatível com as metas e compartilhado entre a coordenação, os professores e os alunos e normalmente realizado em equipe. De fato, como foi visto, o trabalho cooperativo pode transformar a identidade das escolas, levando-as a integrar um sistema que tem expectativas coletivas de desempenho escolar elevadas, que todos procuram cumprir e buscam realizar. Para isso, é fundamental que se conte com Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPCs) remuneradas, as quais se mostraram sempre importantes e necessárias nas escolas estudadas, embora ainda sejam consideradas insuficientes.

[...]

Melhorar a apropriação dos resultados da avaliação externa pelo conjunto dos atores escolares. As avaliações precisam estar alinhadas com o restante das políticas, e os seus resultados requerem ser trabalhados e compreendidos pelos professores de modo que estes possam usá-las no seu trabalho de planejamento e práticas pedagógicas e articulá-las com outros instrumentos internos de avaliação desenvolvidos nas próprias escolas (NEUBAUER; HERRÁN, 2010, p. 25 e 32).

As avaliações externas a que se referem a pesquisa são, no caso do Ensino Médio, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

O SAEB ocorreu, pela primeira vez, em 1990, e, desde então, é realizado a cada dois anos, de forma amostral, com alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e do 3º ano do Ensino Médio, em todo o Brasil. O conteúdo da prova, a partir de 2001, é referente à Língua Portuguesa (foco em leitura) e Matemática (foco na resolução de problemas), sendo contempladas tanto a rede pública quanto a privada de ensino (BRASIL, 2011d).

Segundo o INEP, órgão ligado ao MEC:

Seu objetivo é realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do aluno, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, eqüidade e eficiência do ensino (BRASIL, 2011d, sem paginação).

A partir de 2005, o SAEB passou a ser constituído por duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), esta última conhecida como Prova Brasil12.

12 Para saber mais sobre o tema, consultar: HACHUY, Regina L. L. S. Sistema nacional de avaliação da educação básica: situando olhares e construindo perspectivas. 2007. Tese (Doutorado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

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Já o ENEM foi instituído, em 1998, pelo INEP, e é realizado anualmente, com o objetivo de:

[...] avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania. […] Centra-se na avaliação de desempenho por competências e vincula-se a um conceito mais abrangente e estrutural da inteligência humana (BRASIL, 2011b, p. 1).

A participação dos alunos concluintes e dos egressos do Ensino Médio é voluntária e ocorre por meio de inscrição, podendo o candidato participar do exame quantas vezes desejar. O ENEM “tem como referência a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a Reforma do Ensino Médio, bem como os textos que sustentam sua organização curricular em Áreas de Conhecimento, e, ainda, as Matrizes Curriculares de Referência para o SAEB” (BRASIL, 2011b, p. 2).

Já no que se refere aos resultados, o INEP deixa evidente a diferença entre sistema público e privado de ensino, além da minimização de custos para o governo e a despreocupação da educação como um todo, ao determinar que as escolas privadas devem apresentar comprovante do pagamento de uma taxa de R$ 5,00 (cinco reais) por aluno, em detrimento de escolas públicas, que são isentas.

Outro aspecto que se apresenta como contraditório é a participação do aluno ser voluntária, mas, ao mesmo tempo, para que a escola receba um relatório de desempenho, deve assegurar que pelo menos 90% (noventa por cento) de seus alunos tenham participado do ENEM. Sendo assim, se realmente o objetivo dessa avaliação é o diagnóstico para políticas públicas, o INEP poderia trabalhar em parceria com as escolas, disponibilizando os relatórios de forma mais fácil, diferentemente do que consta no documento básico do ENEM:

7.3. Resultados para as Instituições de Ensino Médio

Resguardado o sigilo dos resultados individuais, o INEP poderá elaborar o Boletim de Resultados da Escola, com a análise de desempenho global do conjunto de concluintes do ensino médio da instituição de ensino interessada, desde que:

I. encaminhem ao MEC/INEP solicitação formal;

II. declarem formalmente que pelo menos 90% (noventa por cento) de seus alunos tenham participado do ENEM;

III. comprovem o recolhimento, em favor do INEP, no caso de instituições privadas, da importância de R$ 5,00 (cinco reais) por aluno. As instituições públicas estarão isentas do recolhimento dessa importância.

As instituições de ensino médio que não dispuserem do número de inscrição dos participantes não receberão o Boletim de Resultados da Escola, ainda que atendam às especificações acima.

O MEC/INEP não disponibilizará os resultados individuais dos participantes para as instituições de ensino médio (BRASIL, 2011b, p. 12).

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O objetivo do ENEM13, que seria inicialmente de diagnóstico para as políticas públicas, toma proporções de rankeamento e marketing na mídia, e, em consequência, pais acabam escolhendo escolas pelos índices divulgados na mídia, em detrimento de critérios como qualidade de ensino, proposta pedagógica, entre outros.

Lopes e Lopez (2010, p. 89) identificam, no ENEM, a produção de uma cultura da “performatividade”. Segundo as autoras, “o foco desse exame é a formação do indivíduo onicompetente para a eficiência social do sistema, porém, diferentemente de outras épocas, centrado na autorregulação de suas performances”.

Nesse mesmo estudo, as autoras recorrem aos autores Carter e O’Neil, para descrever cinco elementos principais que caracterizariam a política educacional global, entre os quais destacam-se dois: “c) estabelecimento de controle sobre os conteúdos curriculares e sua avaliação no âmbito das escolas, com foco no desempenho de professores e estudantes; d) busca da minimização dos custos educacionais para o governo” (BALL, 1998 apud LOPES; LOPEZ, 2010, p. 94).

E ainda é possível acrescentar os consequentes rankings de escolas e de alunos estabelecidos e divulgados pela mídia, a partir dos resultados dessas avaliações.

Outra diretriz importante do Ensino Médio, que não se pode olvidar, é a Resolução CNE/CEB nº 03/98, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em 1998. Alvo de inúmeras críticas, ela procura, por meio de documentos – os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) –, estabelecer o que está previsto na LDB nº 9.394/96 para um currículo “com uma Base Nacional Comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (BRASIL, 1998, art. 26).

O documento Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2000) é extenso e apresenta diversas dimensões14. Nesta tese, foram selecionadas apenas algumas delas, por estarem relacionadas ao objeto de estudo da presente pesquisa:

13 Para saber mais sobre o tema, consultar: MAGGIO, Isabel P. As políticas públicas de avaliação: o ENEM, expectativas e ações dos professores. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

14 Para saber mais sobre o tema, consultar: GOMES, Anderson S. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: a perspectiva dos professores. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

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 A influência da tecnologia na sociedade e na escola:

É possível afirmar que, nas próximas décadas, a Educação vá se transformar mais rapidamente do que em muitas outras, em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas tecnologias. [...] Na década de 90, enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em decorrência das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para a formação dos cidadãos. Não se trata de acumular conhecimentos. A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar

as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação (BRASIL, 2000, p.

5, grifo nosso).

 A mudança da sociedade exige mudanças nas escolas:

O Ensino Médio no Brasil está mudando. A consolidação do Estado democrático, as novas tecnologias e as mudanças na produção de bens, serviços e conhecimentos exigem que a escola possibilite aos alunos integrarem-se ao mundo contemporâneo nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. [...] Uma nova concepção curricular para o Ensino Médio, como apontamos anteriormente, deve expressar a contemporaneidade e, considerando a rapidez com que ocorrem as mudanças na área do conhecimento e da produção, ter a ousadia de se mostrar prospectiva (BRASIL, 2000, p. 4 e 12).

 A intenção dos parâmetros em abordar também as orientações ao docente na reflexão sobre novas abordagens e metodologias: “Estes Parâmetros cumprem o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias” (BRASIL, 2000, p. 4).

 A definição das áreas de conhecimentos segue uma orientação humanista em uma sociedade tecnológica:

A estruturação por área de conhecimento justifica-se por assegurar uma educação de base científica e tecnológica, na qual conceito, aplicação e solução de problemas concretos são combinados com uma revisão dos componentes socioculturais orientados por uma visão epistemológica que concilie humanismo e tecnologia ou humanismo numa sociedade tecnológica (BRASIL, 2000, p. 19).

É grande o desafio da qualidade e da universalização do Ensino Médio, mas não se pode perder de vista a questão histórica e tardia na busca da universalização desse ensino. “Na década de 1990, sequer oferece uma cobertura no Ensino Médio, considerado como parte da educação básica, a mais que 25% de seus jovens entre 15 e 17 anos” (BRASIL, 2000, p. 12).

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Há um longo percurso de melhorias a serem realizadas e, como será discutido na presente tese, as TICs aliadas aos princípios pedagógicos, e concebidas no planejamento de aula, podem oferecer benefícios à escola e à formação dos alunos.

Lodi (2004, p. 7) analisou o impacto dos PCNEM, e, em 2004, escreveu: “decorridos sete anos, tal reforma não se efetivou, em razão de fatores políticos, pedagógicos e operacionais”.

Na dimensão política, a autora critica a não “discussão mais amadurecida entre os diferentes segmentos da comunidade educacional”, salientando, ainda, que “essas novas orientações não foram internalizadas pelos educadores e, portanto, não instituíram novas práticas pedagógicas” (LODI, 2004, p. 8). Na dimensão pedagógica:

[...] a divergência conceitual nos meios especializados da noção de competência defendida em documentos oficiais e a insuficiente formação dos professores constituíram empecilhos para adoção das novas orientações, visto o desconhecimento teórico, pelos profissionais da Educação Básica, e mesmo por seus formadores, limitou a apropriação desse novo modelo (LODI, 2004, p. 8).

Somam-se, ainda, a essas questões, as condições de ensino que não mudaram: número de alunos por sala, salário insuficiente, má formação inicial e continuada, desvalorização profissional etc.