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Fusari (1998) destacou o ato de planejar aulas como reduto de preenchimento de formulários padronizados e diagramados em colunas para as secretarias escolares. E, assim, o planejamento é visto pelos professores como inútil.

Já foi falado sobre o fato de tratar planejamento e plano como sinônimos, bem como foi mencionada a questão da improvisação pedagógica nas aulas. Uma das dificuldades em fazer efetivamente o planejamento consciente, reflexivo e crítico é a falta de condições do trabalho docente, como aponta Fusari (1998).

Menegolla e Sant’anna (1998) apresentam alguns impactos do planejamento produzidos nos docentes: descrédito, descaso, desconfiança, não gostar, ter pouca simpatia, sentir como peso, angústia. Os autores descrevem:

Parece haver, entre os professores, uma ideia de que o planejamento é desnecessário e inútil por ser ineficaz e inviável na prática. [...] A ideia geral é de que se faz planejamento porque é exigido e não porque se sente a necessidade de planejar para se desenvolver uma ação mais organizada, dinâmica e científica (MENEGOLLA; SANT’ANNA, 1998, p. 43).

Os autores apresentam algumas suposições para esse descrédito no planejamento: obrigação em seguir modelos rígidos e impedimento de realizar inovações; falta de conhecimento teórico, formação; poucas e fracas orientações dos especialistas ou coordenadores; pouco incentivo para se aperfeiçoar; exigências burocráticas ou defesa de certos modismos pedagógicos; rejeição; exigência de planejamentos sofisticados e de pouca funcionalidade em sala; superficial conhecimento e pouco preparo docente sobre planejamento e sua validade científica.

Assim, “o planejamento se torna uma monótona e insípida repetição dos anos anteriores” (MENEGOLLA; SANT’ANNA, 1998, p. 44).

Assis (2011, p. 186) sustenta que:

Se os professores planejam pouco e de maneira empírica e assistemática isto pode ser explicado por uma cultura prevalente no contexto educacional, em suas experiências próprias e devido a formas de orientação, acompanhamento e avaliação praticadas no universo acadêmico. A questão do tempo escasso não foi aprofundada, entretanto, isto pode ser devido a uma percepção dos professores que eles têm um número grande de aulas e outras atribuições.

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Vasconcellos (2010) atribui a problemática de descrença dos professores no planejamento a vários motivos. São eles: a realidade é muito dinâmica; há falta de condições, alguns têm 60 aulas semanais, havendo falta de espaço na escola; concepção determinista de que não é possível mudar; ideia de que é uma mera formalidade; o processo não acontece, eles gastam horas planejando e não retomam depois; falta tempo para discussões e estudo; falta de comunicação entre professores; falta de compromisso; ideia de que o planejamento limita o trabalho: planejar é uma camisa de força, escraviza o trabalho; é complicado, sem sentido na série de itens, repetitivo, com detalhes desnecessários; é algo fora da realidade concreta da escola, baseado numa compreensão utópica da realidade; não é participativo, um pequeno grupo planeja e o restante executa; “planejar é coisa de quem está começando. […] É desnecessário; tenho tudo na cabeça” (VASCONCELLOS, 2010, p. 20).

Os professores, sem pensar no planejamento de estratégias de ensinar e de aprender, deixam de fazer uso da capacidade cognitiva do ser humano de abstrair e antecipar ações, tornando as suas mediações fragmentadas e sem coerência, baseadas no improviso e na intuição.

Vale dizer que Luckesi (1992) critica as definições de planejamento pronunciadas por autores que desconsideram a dimensão política implicada nesse conceito. “É um ato axiologicamente comprometido […] pouco ou nada se discute a respeito do significado social e político da ação que se está planejando” (LUCKESI, 1992, p. 118). Entende-se planejar como ato político pronunciado por Paulo Freire, em que nenhuma ação é neutra, e que implica decisões e opções, seja por adotar um ou outro conhecimento a ser ensinado, ou uma determinada estratégia de aprendizagem, seja ao selecionar esta ou aquela tecnologia como recurso de aprendizagem, e até mesmo a omissão e o silêncio são atos políticos. Muitos autores, assim como Luckesi (1992), criticam o modo como a maioria das escolas de Ensino Fundamental realiza os planejamentos de aula: uma semana de planejamento que acontece em janeiro e julho.

Planejar, nas escolas em geral, tem sido um modo de operacionalizar o uso de recursos – materiais, financeiros, humanos, didáticos. As denominadas semanas de planejamento escolar, que ocorrem no início de cada ano letivo, nada mais têm sido do que um momento de preencher formulários para serem arquivados na gaveta do diretor ou de um intermediário do processo pedagógico, como o coordenador ou o supervisor (LUCKESI, 1992, p. 120). No Estado de São Paulo, o planejamento oficial, previsto em calendário, ocorre duas vezes ao ano, em quatro períodos, normalmente em dois dias, sendo os professores convidados para participar.

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Ou mesmo, como se percebe algumas vezes, os docentes tomam o planejamento do ano anterior e somente passam um “branquinho” e alteram o ano, sem levar em consideração todas as mudanças aceleradas que vêm acontecendo na sociedade por conta do rápido e devastador crescimento das TICs, ciências das áreas de conhecimentos, que influenciam o cotidiano de todos os seres humanos, ou mesmo as mudanças da natureza que ocorrem. Isso demonstra a desconexão com as outras áreas da sociedade: economia, política, tecnologia, saúde, cultura. E até mesmo com a concepção de aluno que desejam formar para qual sociedade.

Um dos destaques que Luckesi (1992, p. 115) estabelece para diferenciar a ação aleatória daquela planejada é que “agir aleatoriamente significa ‘ir fazendo as coisas’, sem ter clareza de onde se quer chegar; agir de modo planejado significa estabelecer fins e construí- los através de uma ação intencional”. Será que muitos docentes estabelecem suas gestões das próprias práticas pedagógicas de maneira aleatória, e vão lecionando as aulas sem pensar sobre elas? Por quais razões de contratação docente ou mesmo condições de trabalho isso aconteceria?

Resultados do Piloto do Um Computador por Aluno (UCA)6 apresentam mudanças na postura do professor, que “passou a explicitar aos alunos a ementa da aula”, proporcionando, dessa maneira, maior autonomia para o aluno organizar suas atividades, além de alterações na gestão e na dinâmica da aula. Outros dois aspectos que constam dos resultados do UCA como transformações das maneiras como as aulas ocorriam e que podem ser destacadas são: um é a necessidade de evidenciar as intenções pedagógicas para incorporar o novo sem perder o foco e, assim, saber lidar com situações inusitadas; e o outro, aulas com duração de duas horas em vez de 45 minutos, insuficientes para desenvolver as atividades (ALMEIDA, 2011).

Assis (2011), em sua tese intitulada “Learning design: conceitos, métodos e ferramentas”, identificou características do planejamento voltado para o ensino superior. O processo de elaboração ocorre, segundo a autora, do seguinte modo:

[...] os professores inicialmente são motivados pelas questões da programação e conteúdo, os quais, até certo ponto, são orientados pelas diretrizes estabelecidas pela sua instituição. Então, eles planejam o ensino para acomodar as capacidades dos alunos, além de contribuir para as suas reflexões críticas e fazerem suas avaliações finais. Em seguida, eles selecionam os materiais (normalmente, os artigos que os alunos têm que ler) e planejam as atividades de maneira adequada para adaptar à carga horária das aulas presenciais (ASSIS, 2011, p. 102).

6 Em 2007, com a intenção de promover a democratização de acesso e inclusão no mundo digital de alunos das classes populares, o Presidente da República, em conjunto com o MEC, lançou o Programa Um Computador por Aluno (ProUCA), que, originalmente, visava a disponibilizar um computador para cada aluno, para que gestor e professor o incorporassem nas práticas pedagógicas da escola.

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As abordagens no planejamento pedagógico, assim denominado por Assis (2011), podem ser dar de três maneiras: (1) estruturada, em que os professores estabelecem roteiro de plano de ensino por meio de percurso convencional; (2) semiestruturada, em que são seguidos percursos próprios dos docentes, que mudam com o caminhar das práticas pedagógicas; e (3) não estruturada, em que eventualmente existem anotações, mas são seguidas lógicas da cabeça do docente.

Questiona-se se a maneira não estruturada chegará a ser um planejamento de aula ou pode se aproximar de uma ação sem preparo prévio e baseada mais no improviso. Os fatores mencionados por Assis (2011) para essas abordagens são, possivelmente, as diferentes culturas institucionais e os estilos de trabalho dos professores.

Em uma das entrevistas de sua pesquisa, Assis (2011) destaca a característica de flexibilidade no design, que permite modificação ao aproveitar as contribuições dos alunos no curso, o qual é aprimorado a cada nova edição. O professor entrevistado (do Ensino Superior) pela pesquisadora relata que precisa improvisar por conta de ter muitas aulas e a instituição medir o desempenho pelo número de horas-aula ministradas. A cobrança é de outro âmbito e

[...] há uma cultura institucional que não “enxerga” como trabalho a elaboração do planejamento e a articulação com outros professores [...] nas universidades públicas a necessidade de planejamento é entendida, o professor tem menos horas em sala de aula e tem tempo para pesquisa, orientações e planejamento, porém, mesmo assim, falta valorização do planejamento (ASSIS, 2011, p. 135).

Já Andrade (2008) pesquisou se os docentes de Química do Ensino Médio, após participarem de um curso de formação continuada, o LabVirt, no qual refletiram sobre plano de aula, haviam mudado a maneira de elaborá-lo. Concluiu a autora que:

[...] apesar dos professores julgarem que foi útil e importante a realização dos planos “aula a aula” durante o LabVirt, seus planos de ensino nas suas respectivas escolas pouco mudaram em relação aos mesmos planos pré- projeto. […] Apesar das atividades propostas pelo LabVirt possibilitarem que o professor construísse sua ação, preparando, organizando e tomando decisões sobre suas aulas, os resultados nos mostraram que esta participação pouco contribuiu para o entendimento do processo de planejamento e conseqüentemente não influenciou de maneira significativa a prática de planejar desses professores. […] os professores ainda não perceberam a importância do ato de planejar e o significado deste ato para sua profissão e para a educação (ASSIS, 2011, p. 143-145).

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Andrade (2008, p. 32), com relação à confusão de os educadores usarem como sinônimos os termos de planejamento de ensino e plano de ensino7, propõe: “o planejamento como sendo o caminho para combatermos as atividades desarticuladas e casuístas, é fundamental para buscar a construção de práticas educativas sintonizadas com as atuais necessidades dos nossos alunos e da sociedade”. Complementa a autora a respeito do improviso: “a ausência de um processo de planejamento de ensino na escola está levando a uma improvisação pedagógica que prejudicará a aprendizagem dos alunos e o próprio trabalho escolar” (ANDRADE, 2008, p. 40).

Para ilustrar, explicita a autora: a imposição de um formulário pré-formatado pela escola para que os professores planejem causa um impacto de um trabalho ainda mais burocrático. Em detrimento de um trabalho de autoria do professor, existe algo institucionalizado, predefinido e rígido.

Cabe notar que a autora elencou, ainda, outros aspectos ao analisar os dados de sua pesquisa. Detectou a falta de conhecimento teórico dos professores de “como” e “por que” fazer o plano de aula, o que aponta a falta de tempo para pesquisar de forma autônoma e que tem como consequência o planejamento automático, não consciente e irrefletido. Nos momentos de reuniões coletivas, percebeu que são tratados assuntos referentes à unidade escolar e, ao final, espremidos no tempo, os docentes podem pensar nos seus cursos, o que torna o currículo compartimentado por falta de tempo para coletivamente pensar no curso. Evidenciou, também, a falta de sentido em planejar para os professores entrevistados, pelo motivo de, segundo eles, não haver como avaliar o resultado desse planejamento. Eles pontuaram também a falta de cobrança da coordenação ou direção da escola, para que, somente assim, elaborem o planejamento com qualidade.

Ele [o docente] não percebe que o fato de ter dado certo ou não um trabalho realizado é um dado importante para avaliar o seu trabalho e repensar o seu plano, sua prática [...] O plano é elaborado apenas porque a escola solicita e, portanto não é visto como um instrumento organizador e facilitador de sua prática (ANDRADE, 2008, p. 54 e 98).

Assim, o plano serve para organizar os conteúdos e para seguir o modelo padrão da escola. “Os planos de curso são, realmente, consequência de um planejamento baseado em conteúdos, pois os outros itens nos parecem que estão presentes apenas para cumprir as normas estabelecidas pela instituição, visto que não se relacionam e não subsidiam o professor em seu trabalho” (ANDRADE, 2008, p. 69). Para uma das entrevistadas, a

7 Andrade (2008) usa os termos planejamento de ensino e plano de ensino. Como discriminado no início deste capítulo, nesta tese, são usados os termos planejamento de aula e plano de aula.

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experiência de anos lecionando é mais importante, de modo que “não precisa mais planejar”. Andrade (2008) observa que os planos não têm alterações de um ano para o outro, bem como as metodologias são as mesmas.

Em suas conclusões, Andrade (2008, p. 143) escreveu:

Os professores pesquisados entendem planejamento como plano de ensino, ou seja, o documento elaborado com os conteúdos conceituais que serão ensinados durante o ano letivo, e não como um processo que deva ocorrer durante o ano todo a fim de refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem fazendo previsões para sua atuação. [...] Para esses professores investigados, os planos de ensino servem como um roteiro orientador dos conteúdos conceituais que serão trabalhados e sua seqüência.

Lopes (1991, p. 42) aponta: “o planejamento do ensino tem-se apresentado como desvinculado da realidade social, caracterizando-se mais como uma ação mecânica e burocrática do professor, pouco contribuindo para elevar a qualidade da ação pedagógica desenvolvida no âmbito escolar”.

Na escola, ao mesmo tempo em que acontecem a transmissão e a reconstrução dos conhecimentos acumulados historicamente, também se propicia a produção de novos conhecimentos. Para Lopes (1991), somente com um trabalho intencional e comprometido, os docentes conseguirão ampliar e proporcionar aos alunos a elaboração de novos conhecimentos, a partir da compreensão da realidade na direção de transformá-la. Assim, a escola e a realidade histórico-social são intrinsecamente relacionadas.

Por fim, cabe notar que a autora faz também uma crítica à maneira como, nas escolas, os planejamentos são realizados, valorizando apenas uma dimensão tecnicista, “em nome da eficiência do ensino” (LOPES, 1991, p. 43). No seu entender:

O processo de planejamento em uma percepção crítica da educação extrapola a simples ação de elaborar um plano de ensino tecnicamente recomendável e passa a demonstrar o cuidado e o compromisso do professor em dar à sua matéria de ensino o direcionamento para o alcance das finalidades da educação, para a concretização do projeto pedagógico da escola e para o desenvolvimento de saberes fundamentais em seus alunos (LOPES, 1991, p. 44).