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Da importância de planejar a interação no meio escolar

2.2 Como a literatura conceitua planejamento?

2.2.1 Da importância de planejar a interação no meio escolar

O tema planejamento de aula não foi elaborado por Wallon em sua teoria, entretanto, a partir de seus pressupostos e princípios, é possível desenvolver aproximações e proposições acerca desse assunto. É o que se propõe a fazer a seguir.

Na teoria de Wallon, a integração (em dois sentidos: um organismo-meio; outro afetivo-cognitivo-motor) constitui-se como espinha-dorsal no processo de desenvolvimento do ser humano.

O primeiro sentido da integração, organismo-meio, é o que o caracteriza como interacionista, pois é na interação entre o organismo biológico e o meio que o aluno se desenvolve. Esse organismo biológico diz respeito ao potencial genético – típico da espécie –, e o meio refere-se a uma diversidade de fatores ambientais, inclusive socioculturais. Logo, nessa relação, dependendo das circunstâncias do meio, a pessoa poderá desenvolver todo o seu potencial genético, o qual determina o seu limite de desenvolvimento. “A história de um ser é dominada pelo seu genótipo e constituída pelo seu fenótipo” (WALLON, 1981, p. 50).

A segunda integração é do sentido afetivo-cognitivo-motor, constituindo a pessoa. A afetividade, que diz respeito às reações de prazer e desprazer; o motor, que é referente ao tônus muscular para deslocamentos no espaço e é a base da atitude; o cognitivo, que

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compreende todas as funções intelectuais; e a pessoa, que garante a integração funcional. Cada um deles tem a sua identidade estrutural e funcional, e é, ao mesmo tempo, parte constitutiva dos outros, totalizando o ser humano.

Os domínios da afetividade, do motor e do cognitivo nutrem-se mutuamente e podem, em situações diversas, funcionar com predominâncias um sobre o outro, mas os três sempre estão presentes e em interação.

O planejamento de aula é um recurso que pode ser utilizado de forma a intervir no meio escolar, em que o docente prepara, de forma sistematizada, situações pedagógicas, situações essas que visam a estimular, desafiar, formar hábitos, colocar novos motivos e exigir esforços do aluno, para, assim, ele aprender e se desenvolver.

Segundo análise de Werebe e Nadel-Brulfert (1986, p. 21), Wallon, no conjunto de suas obras, apresenta três categorias para distinguir diversos tipos de meios: a primeira, relacionada ao intercâmbio entre os meios físico-quimico (meio de base para toda espécie) e biológico-social (existência coletiva mais móvel e mais transitiva, sem perder as especificidades dos individuos); a segunda, que é específica da espécie humana, aponta a superposição do meio social ao meio físico; e a terceira, também específica da espécie humana, diz respeito à distinção de dois tipos de meios – um físico, temporal e espacialmente determinado, em que ocorrem as reações sensório-motoras, e outro meio sobre a representação, em que prevalece o uso de conceitos e as situações são simbólicas.

Dentro desses meios apresentados, existem também o meio funcional e o meio local, os quais podem ou não ser coincidentes. Por exemplo, o meio “empregados” pode não ser correspondente à mesma empresa em que trabalham esses empregados. A escola seria um meio funcional, em que as crianças aprendem os conhecimentos e vivenciam relações interindividuais de um tipo diferente daquele da família. E pelo motivo de encontrarem-se crianças de meios sociais diversos, a escola é também um meio local. Dessa forma, “vários meios podem, portanto, recortar-se no mesmo indivíduo e até encontrar-se em conflito” (WALLON, 1979, p. 165), dependendo dos contextos dos quais a pessoa participa. Os meios que deixam marcas na pessoa são tanto aqueles em que ela vive, quanto aqueles com os quais ela sonha.

Durante a vida de um ser humano, do nascimento até a morte, ele vivencia aprendizagens prolongadas e sucessivas. E esse desenvolvimento depende dos desafios que o meio coloca para ele e suas próprias características biológicas. Segundo Wallon (1981, p. 59), “as ocasiões de aprendizagem que deve encontrar no meio externo adquirem então uma importância decisiva” para o seu desenvolvimento. E assim, “quanto maior é o número das

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possibilidades, maior é a sua indeterminação” (WALLON, 1981, p. 59) do acabamento de suas partes, não se olvidando o limite genético de cada ser vivo.

Vale notar que, no planejamento de aula, a organização do meio pedagógico não ocorre de forma rígida, mas de maneira que enriqueça a aprendizagem, que seja flexível e, ao mesmo tempo, considere toda a complexidade da relação docente e aluno, ambos de forma integral, com os seus aspectos afetivo, cognitivo e motor sempre presentes, e um aspecto integrando o outro. A importância em atender ao desenvolvimento de todos esses aspectos evidencia-se tanto no plano inicial, quanto em estar atento, durante a aula, às suas manifestações.

O meio social, nesta sociedade contemporânea, é composto de artefatos tecnológicos, que foram produzidos historicamente pela humanidade. Assim, descreve Wallon (1979, p. 161) que “o meio social [...] coloca condições de existência colectivas, mas muito mais variadas, mais móveis, muitas vezes mais transitórias e sobre as quais podem distinguir-se diferenciações individuais”.

Hoje, é possível conviver diariamente com o bilhete único para os transportes públicos, os cartões magnéticos de banco, os pagamentos pela internet... As pessoas se localizam facilmente por GPS, se comunicam por celulares a qualquer momento, acessam ambientes virtuais de aprendizagem pelos tablets... E professores usam lousas digitais durante as suas aulas. Todos esses avanços das TICs são poderosos recursos do meio para docentes usarem e ousarem no processo de ensino e aprendizagem, em conjunto com as abordagens pedagógicas e aspectos didáticos, tais como planejamento, estratégias de ensino e aprendizagem, mediação e avaliação.

As TICs são concebidas como fundantes de uma cultura digital, elementos que permitem uma reconfiguração das estruturas do modo de pensar, e são, em si, e produzem diversas linguagens. Ao trabalhar em sala de aula com as TICs, seja presencial ou virtualmente, ou ainda em outros ambientes educacionais, permite-se um diferente olhar do docente para a maneira de refletir, organizar e sistematizar as aulas durante o próprio planejamento de aula. Elas possibilitam a não linearidade, os trabalhos colaborativos em grupos, a flexibilidade no tempo em atividades assíncronas, o uso das linguagens audiovisuais, entre outras situações de aprendizagem.

No planejamento de aula, os docentes podem preparar narrativas e possíveis percursos de aprendizagem dos alunos – naquelas, antecipam questões para propor desafios, e, nestes, o aluno vai associando, relacionando, diferenciando e construindo conhecimentos. Por exemplo, no caso de uma gincana virtual, jogos ou uso de certos softwares específicos.

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O meio social, ainda com relação às tecnologias desenvolvidas pela humanidade, “provê a nossa atividade de instrumentos e de técnicas, que estão tão intimamente unidas às praticas e às necessidades da nossa vida quotidiana, que muitas vezes nem nos damos conta da sua existência” (WALLON, 1981, p. 54).

Com relação à genética e sua determinação no ser humano, atualmente, a ciência e tecnologia avançou no estudo dos genes e do genoma. Na Medicina, já existem laboratórios que examinam, no DNA, quais as possíveis doenças genéticas e suas probabilidades de se manifestarem naquele ser humano. Já o fenótipo é diretamente acessível à observação e vai depender do meio em que a pessoa vive.

A pessoa avançará no seu desenvolvimento de acordo com os desafios propostos, com a maneira que a sociedade está organizada, com suas exigências.

Não é menos verdadeiro que a sociedade coloca o homem em presença de novos meios, novas necessidades e novos recursos que aumentam possibilidades de evolução e diferenciação individual. A constituição biológica da criança, ao nascer, não será a única lei de seu destino posterior. Seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias de sua existência, da qual não se exclui sua possibilidade de escolha pessoal (WALLON, 1979, p. 163).

É importante esclarecer a relação entre o meio e os grupos, uma vez que ambos os conceitos são imprescindíveis na teoria de Wallon. Segundo ele, existem certos meios que são também, ao mesmo tempo, grupos, como no caso da família.

Meios e grupos são noções conexas, que podem por vezes coincidir; mas que são distintas. O meio não passa do conjunto mais ou menos durável das circunstâncias em que continuam existências individuais. Comporta evidentemente condições físicas e naturais, mas que são transformadas pelas técnicas e pelos usos do grupo humano correspondente (WALLON, 1979, p. 163).

Os grupos se estabelecem a partir de objetivos determinados, que podem ser temporários ou duráveis, e são esses objetivos que determinam a sua composição. Para a criança, a importância do grupo em seu desenvolvimento evidencia-se no processo de diferenciação do outro. A pessoa passa por duas exigências opostas, na relação com outros no grupo e a partir das solicitações daquele grupo: de identificação e de diferenciação, distinguindo-se dos outros membros do grupo. Assim, “o grupo é o veículo ou o iniciador de práticas sociais. Ultrapassa as relações puramente subjetivas de pessoa para pessoa” (WALLON, 1979, p. 175). Ainda no grupo, os sujeitos experienciam diferentes papéis, como de iniciativa, de comando, de submissão e de oposição crítica, com objetivos determinados e acordados entre todos seus membros.

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O planejamento dinâmico e em processo acompanha esse movimento de constituição e dissolução dos grupos dentro de uma classe escolar. O docente pode intervir na formação de grupos, por exemplo, quando solicita uma realização de um projeto em grupo. Com os seus membros diante de um objetivo em comum, que é o projeto, serão compostos os diferentes papéis. Nesse sentido, é importante a mediação do docente para que o grupo, de certa maneira, mantenha-se enquanto grupo e não como uma soma de partes de um trabalho a ser elaborado.

O grupo e a sua dinâmica possibilitam que o indivíduo perceba-se como objeto e sujeito; dessa forma, como “Si” e como “ele”. Durante o processo de classificar-se como semelhante e diferente ao mesmo tempo, encontra-se também a questão do “nós”, que pode vir a ter uma direção extensiva, “nós todos”, e outra restritiva, “nós outros”, mas que são complementares. Neste segundo caso, pode vir a ser uma ameaça à constituição do grupo, que não é uma “soma de relações interindividuais” (WALLON, 1979, p. 175) e depende de como agem e interagem os seus membros. Assim,

Se existe, [o grupo] é, sem dúvida alguma, devido à presença dos seus membros e aquilo que eles lhe dão de si mesmos. Dependerá, portanto, do que eles são e do que fazem. Mas por sua vez impõe-lhes exigências. Dá novas formas e fins particulares à sua atividade (WALLON, 1979, p. 175). Uma das atividades importantes do docente é, então, ao planejar suas aulas, pensar na organização dos alunos em grupos e subgrupos, para lhes proporcionar vivenciar papéis diferentes: relações interindividuais, sentimentos diversos, democracia, entar em contato com alunos de meios sociais diferentes e possibilitar a aprendizagem social. Portanto, “a escola não é um grupo propriamente dito, mas antes um meio onde podem constituir-se grupos, de tendência variável e que podem estar em harmonia ou em oposição com os seus objetivos” (WALLON, 1979, p. 165).

Assim, compreende-se a importância de organizar o ambiente escolar do aluno, exigindo-se, constantemente, o seu esforço como um todo (integral: afetivo-cognitivo-motor), estimulando, fornecendo exercícios e propondo desafios para proporcionar o seu desenvolvimento, nessa interação organismo (potencial genético) e meio sociocultural. É do meio que a criança recebe os motivos das suas reações. Dessa forma, é no planejamento de aula realizado pelo docente que essa sistematização acontecerá.

Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e nos relacionamos com um aluno também pessoa completa, integral, com afeto, cognição e movimento. Somos componentes privilegiados do meio de nosso aluno. Torná-lo mais propicio ao desenvolvimento é nossa responsabilidade (ALMEIDA, 2004, p. 86).

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Outro aspecto relevante nesse processo de desenvolvimento é denominado por Wallon (1979) como a passagem do sincretismo para a diferenciação. Esse processo ocorre tanto na evolução de cada um dos conjuntos funcionais, quanto nas fases de desenvolvimento da pessoa. Inicialmente, no sincretismo, é um todo global, nebuloso, sem nenhuma distinção, de forma difusa. Pode-se citar como exemplo o bebê que não se diferencia do ambiente com a mãe (meio); encontra-se na simbiose emotiva com aquela que cuida da sua sobrevivência, alimenta-o. Ele é um todo sincrético. Aos poucos, vai se diferenciando do meio, distingue-se da mãe por oposição; ela passa a ser outra pessoa e ele não a percebe mais como uma extensão de seu corpo. Já quando criança, e exigida pelo meio, começa a classificar e categorizar os conhecimentos e vai ampliando a compreensão da sua sociedade. Quanto mais a criança é sincrética, mais o meio a molda. O recurso utilizado é o contraste, que, na comparação, busca, ao mesmo tempo, o semelhante e o diferente.

Segundo Wallon (1979, p. 53), o desenvolvimento do psiquismo ocorre “[...] através das diferenciações que aumentam o número das situações às quais é capaz de responder mediante reações específicas que por vezes o elevam a planos de existência novos, por exemplo, no caso do homem, a vida em sociedade”. Na interpretação de Mahoney (2004, p. 15), “desenvolver-se é ser capaz de responder com reações cada vez mais específicas a situações cada vez mais variadas”.

Ainda no planejamento de aula, o professor faz a previsão de intervenções que propiciem uma passagem do sincretismo para a diferenciação de conceitos, organizando-os em categorias, no desenvolvimento psicológico e motor. Para isso, pode usar o mecanismo de contraste, em que busca o mesmo e o diferente. A separação dos aspectos afetivo, cognitivo e motor é puramente didática, porque os três sempre estão presentes de forma integral, um interferindo no outro.

O docente também, ao longo de sua carreira profissional, no ato de planejar, à medida que evolui em sua prática, tende a passar do sincretismo para a diferenciação. No planejamento, ele afasta-se da prática diária para compreender a realidade; ele opera no contraste e na diferenciação.

Na interação, o meio e o organismo sofrem sempre transformações mútuas (WALLON, 1979). Dessa maneira, o meio se altera, os alunos também mudam, e, para acompanhar esse movimento, o planejamento de aula tende a ser um processo cíclico, nunca acabado, em constante replanejamento. Assim como o desenvolvimento do homem, que também é constante, e somente acaba quando o ser humano morre.

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No momento em que o docente planeja as aulas, ele mobiliza seus repertórios: suas experiências em ministrar aulas, seus conhecimentos de didática, sua formação, suas experiências de vida e marcas, como suas práticas pedagógicas para certa faixa-etária, concepções teóricas, de homem, de sociedade, de educação, de TIC e de aprendizagem. Lembrando sempre que o professor está presente de forma integral, com seus aspectos afetivos, cognitivo e motor, como pessoa.

Outro importante conhecimento desse docente é que a aprendizagem e o processo de desenvolvimento vão num crescente. O aluno precisa ter bases sólidas para ampliar os conhecimentos. Por exemplo, um aluno ainda não sabe cálculos básicos de Matemática e procura aprender Física, ou um bebê quer correr uma maratona, mas apenas engatinha. Assim, ao planejar aulas, considera-se a maturidade biológica do aluno, sua fase de desenvolvimento, suas necessidades.

Portanto, dessa relação planejamento de aula e meio, é possível sintetizar duas características importantes. A primeira delas: durante o processo de desenvolvimento do homem, o meio e o organismo têm pesos iguais. É dessa interação que resulta seu processo de desenvolvimento e de transformação mútua. A carga genética está prescrita desde o seu nascimento, sendo o meio o aspecto em que o professor pode agir para que potencialize esse desenvolvimento. Mesmo considerando que, com o avanço da Medicina, as cirurgias de prótese e as vacinas podem atuar nessa determinação genética. Na segunda, o meio é o motivo e também a ação, que provoca uma reação do aluno, o que configura o processo de aprendizagem.

Segundo Mahoney e Almeida (2005), uma teoria é vista como um recurso para o professor. Nesse caso, referem-se as autoras à teoria psicogenética de Henri Wallon. As autoras evidenciam a teoria de como auxiliar no planejamento do ensino, em que os docentes levam em conta “as características individuais (referentes ao aluno e ao professor), o contexto e as atividades propostas” (MAHONEY; ALMEIDA, 2005, p. 26). E complementam, dizendo que “o planejamento deve incluir os dados da experiência que o professor traz, decorrente de uma observação sensível no seu contato com o aluno” (MAHONEY; ALMEIDA, 2005, p. 26).

A importância de planejar as aulas parece estar justificada teoricamente. No entanto, os professores podem não reconhecer o sentido da ação constante de planejar aulas em sua prática pedagógica. Nessa direção comenta Wallon (1981, p. 120): em se tratando do ser humano, “o adulto dispõe de atividades que lhe permitem subtrair-se às pressões do ambiente imediato. Às circunstâncias externas pode opor um mundo de motivos que descobre em si

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próprio, qualquer que seja a sua origem, e que são como que o regulador interno da sua conduta”. Então, se não perceber um motivo interno para o fazer, não o fará.

Por fim, pode-se afirmar que o planejamento de aula é concebido como um processo dinâmico para que os docentes possam organizar de forma sistemática e prévia as suas práticas pedagógicas e a dos alunos, tendo em vista os resultados de aprendizagem, de acordo com o currículo em desenvolvimento.