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Custódio Pires Ribeiro

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III.6. Com nome e sobrenome: a trajetória de vida dos forros senhores de Iguaçu

III.6.4. Custódio Pires Ribeiro

Custódio Pires Ribeiro era casado com a parda Joana Maria de Souza e morreu em 9 de novembro de 1787, sendo encomendado e enterrado, como os outros 12 senhores forros, na igreja matriz de Piedade do Iguaçu, com todos os sacramentos, em uma das covas da irmandade do Rosário, da qual era confrade. Foi amortalhado em hábito de São Francisco, de acordo com o que foi registrado no assento de óbito pelo vigário Miguel de Azevedo Santos, tudo de conformidade com suas especificações ordenadas no testamento, o que, apesar de ser a regra estabelecida, nem sempre ocorria, embora dos testamenteiros se esperasse o esforço no sentido do cumprimento fiel das disposições dos testadores.

Havia feito seu testamento no dia 31 de julho de 1780 (sete anos e quatro meses antes de sua morte, sendo um dos poucos senhores forros – e mesmo da maioria dos livres – que antecipou a preparação de seus legados com antecedência superior a um ano). Conforme suas próprias palavras, estava “de pé, com saúde, em [seu] perfeito juízo e entendimento e temendo[-se] da morte”, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Muito provavelmente, fez seu testamento antecipadamente por motivo de idade, o que pode significar que também fosse idoso. Rogou como sua primeira testamenteira à sua própria esposa, a parda Joana Maria de Souza de Jesus; em segundo lugar seu cunhado, Thomé Frazão de Souza; em terceiro Manoel Marques (do qual se registrou apenas o nome), aos quais deu poderes para serem seus “procuradores e administradores de [seus] bens, [em] especial, poder para vender e cobrar o que verdadeiramente [lhe pertencia]”. Deixou aos testamenteiros o prazo de dois anos para que fossem cumpridos os seus legados pios e materiais, concedendo mais se fosse preciso, o que fugia ao costume, que era de um ano com prorrogação dada pelo juiz por mais um ano. Contrariando a tendência seguida pelos demais testadores, tanto forros quanto livres, Custódio não recusou a entrada de seu processo de herança, como inventário, na esfera da justiça; a maioria dos senhores forros de Iguaçu e boa parte dos livres preferiu que as partilhas e vendas fossem feitas “amigavelmente”, “na porta da Igreja”, sem entrada no âmbito da justiça. A intenção, conforme já mencionado, era a de evitar o pagamento das custas judiciais que representavam um quinto do valor do patrimônio; somando-se tal valor com a vintena (20% ou um quinto do valor total), geralmente paga ao testamenteiro, o patrimônio teria um decréscimo de 40% apenas com estas duas despesas, sem contar o pagamento dos legados materiais e espirituais. Assim, determinou a seus testamenteiros, caso necessitassem de prazo maior, que fizessem requisição ao juiz da conta para que se lhes concedesse mais tempo. Isso pode significar que realmente pode ter havido inventário, mas que, no entanto, não foi localizado.

Mandou que se rezassem seis missas de corpo presente, pela esmola costumada na freguesia de Iguaçu, que era de 640R, o que somado chegou a 3$840R. Além destas, ordenou que se rezassem 200 missas de intenção à sua alma; primeiramente na sua freguesia de Iguaçu e, posteriormente, nas igrejas do termo da cidade do Rio de Janeiro, a arbítrio de seu testamenteiro. As 200 missas, se levado em conta o valor costumado das missas ordinárias que, na freguesia de Iguaçu e na maioria das freguesias do Recôncavo, girava em torno de 320R, atingiram, portanto, 64$000R, acima da média comum dos senhores forros. Além destas, ordenou que seus testamenteiros mandassem rezar cinquenta missas por seus pais, irmãos e parentes e outras cinquenta pelas almas do purgatório, tanto nas igrejas da cidade

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quanto nas de seu termo, o que certamente, pelo valor da missa ordinária de uma pataca, chegou ao valor total de 32$000R. A soma total das missas mandadas rezar por Custódio alcançou 99$840R, ainda que o montante gasto com o cumprimento dos legados possa ter sido bem maior. Somas destinadas a outras despesas, como sepultura, mortalha, acompanhamentos e outros itens, não foram declarados no testamento, o que, da mesma maneira, ocorreu com a grande maioria dos 37 testadores, pois, em geral, tais despesas tinham seus valores lançados pelo testamenteiro, mediante recibos, no inventário judicial; infelizmente não se encontrou o inventário post-mortem de Custódio para que se levantassem tais informações. Portanto, Custódio foi, dentre os forros, um dos que mais empregou dinheiro visando os legados espirituais. Por este motivo, é possível que fosse um dos que tinham as melhores possibilidades econômicas entre os senhores forros.

Custódio era filho natural de Manoel Pires Ribeiro (possivelmente livre, já que nenhuma qualidade lhe foi atribuída junto ao nome) e de Luiza, preta Mina; ambos eram falecidos quando Custódio fez seu testamento e nenhuma outra informação a respeito dos mesmos foi registrada. O testador era natural e batizado na freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Iguaçu, vizinha à Piedade do Iguaçu e uma das que se localizavam em uma das principais rotas para as Minas Gerais (o Caminho do Inhomirim ou do Proença). Foi casado com Joana Maria, “mulher parda”, na forma da Igreja (o matrimônio não foi localizado), mas não tiveram filhos, como grande parte dos senhores forros de Iguaçu; nem naturais nem legítimos, segundo o testador.

Possuía nove escravos (acima da média geral da freguesia, sendo o segundo forro com o maior rol, mas bem abaixo de cerca de um quarto dos livres que possuíam entre 20 e 50 escravos). Sobre seus cativos mencionou apenas os nomes e procedências/qualidades, sem que, no entanto, fizesse qualquer menção a alforrias. Além dos escravos, possuía um sítio com suas benfeitorias, no qual residia, em terras que aforou (arrendou) da Fazenda de São Bento de Iguaçu, o mais antigo engenho do fundo da baía de Guanabara, de 1612223, pertencente ao mosteiro de São Bento da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com as informações obtidas através do cruzamento de dados entre os testamentos de Custódio e de sua esposa, Joana Maria, seu sítio localizava-se no Porto dos Saveiros, cerca de uma légua e meia a sul da sede da freguesia de Iguaçu224; estas duas localidades se ligavam por terra ou por embarcações que navegavam o rio Iguaçu.

Custódio declarou que não tinha dívidas de nenhum tipo e também não registrou qualquer informação a respeito das atividades produtivas realizadas em seu sítio. No entanto, conforme sobredito, deixou poderes aos seus testamenteiros para que os mesmos cobrassem o que se lhe devia; os devedores e os valores das dívidas não foram revelados pelo testador.

Por não ter tido herdeiros, ascendentes ou descendentes, para sucedê-lo em seus bens, ordenou que após serem satisfeitos todos os seus legados, sua esposa, Joana Maria, estaria instituída como sua universal herdeira. Como já informado anteriormente, em apenas 4 casos dentre os 13 senhores forros ocorreu a transferência geracional de patrimônio; na maioria dos casos restantes os cônjuges e as próprias almas dos testadores foram os herdeiros. Custódio, que assim como todos os outros 12 senhores forros, também não sabia ler nem escrever, pediu que seu testamento fosse redigido por José de Paiva, que o assinou como testemunha da redação a seu rogo. Custódio “assinou” utilizando seu sinal costumado, que era uma cruz. A aprovação se deu no mesmo dia da redação, também na cidade do Rio de Janeiro pelo tabelião Tomás Pereira Barreto, também tendo sido assinada pelo testador (com seu sinal de cruz), por José de Paiva (o redator) e pelas testemunhas que estavam presentes, identificadas apenas

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Localizavas-se em área situada no território do atual município de Duque de Caxias, pertencente e subordinado à freguesia de Iguaçu no século XVIII.

224 Cf. ARAÚJO, op. cit. 2008. p. 282. Para mais informações a respeito do Porto dos Saveiros e demais

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pelos nomes: Luiz Manoel do Nascimento, José Luis de Menezes [Mendonça] Coutinho, Silvestre José da Silva e Tomé de Meneses Coutinho. Nos casos como este, no qual as testemunhas eram tomadas pelo tabelião por estarem presentes no momento do ato notarial na cidade do Rio de Janeiro, fica excluída a possibilidade de relacionar entre as mesmas e o testador, que estava presente na cidade apenas como visitante, algum tipo ligação orgânica que revele, de alguma maneira, a legitimidade social dos senhores forros. Quando o ato se realizava na freguesia de Iguaçu, apesar da extensão de seu território no século XVIII, a possibilidade de tal ligação era muito maior, pelo fato de tanto os testadores quanto redatores e testemunhas residirem na sede da freguesia ou em seu território.

A trasladação do testamento para o livro da paróquia de Piedade do Iguaçu ocorreu no mesmo dia do sepultamento de Custódio, tendo sido escriba o vigário Miguel de Azevedo Santos. Dos 13 testamentos dos senhores forros, somente o pertencente à preta forra Benguela Joana Gonçalves foi trasladado apenas na parte que se referia aos legados pios; os outros 12, incluindo o de Custódio, foram integralmente transcritos para o livro de óbitos, o que salvaguardou as informações, enquanto dos 24 senhores livres, ao menos de 4 foi copiada apenas a parte concernente a tais legados. Assim, dos 37 testamentos assentados no Livro 11, apenas 5 não foram transcritos ipsis litteris, o que demonstra que na freguesia de Iguaçu, ao menos com relação ao Livro 11, os redatores dos assentos tiveram comportamento diverso daquele anotado por Durães para Portugal no século XVIII, no qual grande parte dos párocos e coadjutores das freguesias costumava lançar apenas os trechos referentes aos legados espirituais225.

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