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Manoel Gomes Torres

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III.6. Com nome e sobrenome: a trajetória de vida dos forros senhores de Iguaçu

III.6.10. Manoel Gomes Torres

De acordo com o assento de óbito feito e assinado pelo padre Domingos Rosa de Andrade, coadjutor da freguesia de Iguaçu, o pardo forro Manoel Gomes faleceu no dia primeiro do mês de agosto de 1795. Foi encomendado e enterrado com todos os sacramentos em uma das covas da fábrica da igreja matriz, amortalhado em hábito de São Francisco. Manoel Gomes havia deixado várias opções ordenadas em seu testamento com relação à cova de seu sepultamento. Ele era agremiado à irmandade de Nossa Senhora da Conceição da igreja matriz de Iguaçu e em uma das covas desta ordenou que seu corpo fosse sepultado; no entanto, Manoel era também irmão da confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da mesma freguesia, à qual, da mesma forma, pediu que lhe fosse dada sepultura, assim como pediu à paróquia que lhe desse sepultura em uma das covas da fábrica, ou de outra qualquer, em que seu corpo fosse depositado.

Participar de duas irmandades gerava, certamente, um custo em dobro, já que teria que pagar anuais às duas confrarias. Solicitou ainda que, qualquer que fosse a irmandade a sepultá-lo, acompanhasse seu corpo da forma costumeira. Embora, como visto, Manoel tenha sido enterrado com hábito de São Francisco, suas disposições foram no sentido de que se utilizasse o hábito de Santo Antônio, pagando-se pelo mesmo a “esmola costumada”, que não foi possível descobrir qual era. Isto confirma o que fora dito anteriormente, como suposição, ou seja, que, possivelmente, em uma freguesia rural, nem sempre havia hábitos mortuários disponíveis da preferência dos testadores e testamenteiros e a urgência pedia que se utilizasse o que havia na ocasião da morte, ainda que a determinação do testador devesse ser seguida.

Manoel Gomes Torres era natural e batizado na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, vizinha limítrofe ao sul de Piedade do Iguaçu; era filho natural da crioula Vitória,

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que foi cativa do falecido Jerônimo Gomes e, tanto de um quanto de outro, não se forneceram outros dados. Não houve menção à paternidade de Manoel Gomes, nem se sua mãe era ainda viva e se havia familiares e parentes vivos residindo na região. Manoel era casado com Gracia Maria da Conceição do Nascimento de Magalhães de cujo matrimônio não teve filhos e menos ainda, declarou, os tinha naturais. Dessa forma, não havia herdeiros necessários que pudessem lhe suceder nos bens. Possivelmente, também não tinha herdeiros forçados.

Seu testamento foi redigido no dia 12 de maio de 1795, dois meses e 20 dias aproximadamente antes de seu falecimento, na mesma freguesia de Iguaçu, na casa de morada de Joaquim Pedro de Andrade. O tempo entre a redação do testamento e a morte de Manoel se enquadra no grupo majoritário de forros que o fizeram no prazo máximo de um ano. Quanto à localização de sua morada e sítio, como ocorreu com a maioria dos forros, tais dados não foram informados. A causa de sua morte não foi declarada, da mesma forma que sua idade também não foi. No Livro 11, para todos os 37 testamentos, pode-se ter estes dois aspectos como padrão: de nenhum dos testamenteiros foram informadas a causa mortis ou a idade exata. No testamento, Manoel Gomes informa que, estava “de pé e em [seu] perfeito juízo e entendimento”, informação confirmada pelo escrivão que fez a aprovação do testamento, o que pode significar que não estivesse enfermo, pelo menos não gravemente; poderia também ser idoso, o que explicaria sua morte pouco mais de dois meses depois. No entanto, segundo as informações que puderam ser obtidas a partir do cruzamento de dados entre os testamentos de Manoel e de sua mulher, Gracia Maria, o testador esteve hospedado na casa de Manoel Rodrigues Lua (testamenteiro de Gracia), e lá foi assistido por alguns meses, com “enfermidade”, até vir a óbito, mas da mesma forma, a causa mortis (idade, enfermidade ou ambas) não foi informada.

Manoel Gomes ordenou que seus testamenteiros mandassem rezar seis missas de corpo presente no dia de seu enterro, pelo correto valor cobrado na freguesia, que era de duas patacas cada uma, o que, somado, chegou a 3$840R. Ordenou ainda, que se dissessem cinquenta missas em intenção à sua alma e outras cinquenta “pelas almas de [seus] defuntos [familiares, parentes, escravos] de esmola costumada”; as missas ordinárias às quais Manoel se referiu neste item custavam 320R cada, portanto, as cem missas ordenadas chegaram ao total de 32$000R. Estes legados pios foram os únicos ordenados por Manoel; no total, alcançaram a soma de 35$840R; a este valor deve-se considerar as quantias despendidas com os funerais: sepultura, mortalha, velas, acompanhamentos e outros, dos quais não se sabe os valores, pois, assim como dos outros senhores forros, o inventário post-mortem de Manoel não foi localizado para que se procedesse à uma averiguação. Este valor gasto por Manoel se enquadra em uma faixa mediana de gastos dos senhores forros.

Os bens declarados do casal de Manoel eram quatro escravos, “dois machos e duas fêmeas”, sendo uma crioula e três de Guiné. Manoel não forneceu nenhum dado adicional sobre seus escravos nem mencionou nenhum tipo de acordo de manumissão, o que pode significar que seriam vendidos e as quantias obtidas seriam agregadas ao patrimônio do casal, ou o mais provável, que tenham ficado em herança à sua esposa. Seu sítio era provido de uma casa de farinha com roda, forno, prensa, cocho, tacho e demais peças, ferramentas e utensílios utilizados para a fabricação de farinha, além das plantações de mandioca e, possivelmente, outros gêneros. Dessa forma, ele estava no grupo composto pela maioria dos senhores forros (9) que atuavam na atividade de produção de farinha. Manoel possuía móveis e outros utensílios domésticos, mas não os declarou por considerá-los “de pouca entidade [sic]”. Todos estes bens deveriam ser avaliados pelos testamenteiros, visando sua venda e, de seu produto, o cumprimento de todas as disposições e legados do testador, como de praxe da maioria dos forros que não tinham herdeiros.

Como testamenteiros, Manoel Gomes nomeou, em primeiro lugar, sua esposa, Gracia Maria, em segundo João da Fonseca (identificado apenas pelo nome) e, em terceiro, seu

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compadre, José de Azeredo, do qual também se mencionou somente o nome. Deixou a quem assumisse a função, o costumeiro prazo de um ano para o cumprimento do inteiro teor de seus legados espirituais e materiais, concedendo mais um ano de prorrogação caso fosse necessário, conforme a lei. Não mencionou qual seria o prêmio ao testamenteiro e nem se este deveria ou não proceder na justiça competente o processo de inventário de seus bens e legados, assim como grande parte dos forros e dos livres. Através do cruzamento de informações entre seu testamento e o de sua esposa, Gracia Maria, soube-se que foi a mesma quem assumiu a função de sua testamenteira, se deslocando até a cidade do Rio de Janeiro para o cumprimento dos legados ordenados por Manoel Gomes, em companhia daquele que seria o testamenteiro desta senhora forra, Manoel Rodrigues Lua, na casa de morada do qual, tal qual seu marido havia feito, Gracia também seria assistida até sua morte. Manoel Rodrigues Lua assinou como testemunha no testamento de Manoel Gomes, o que demonstra que realmente pode ter sido alguém muito próximo em estima ao casal Manoel Gomes e Gracia Maria.

Com relação a créditos e dívidas, Manoel Gomes declarou não se recordar de que alguma pessoa lhe devesse e menos ainda que devesse a alguém, sendo uma das exceções dentre os 13 senhores forros que não deviam ou tinham créditos a receber. No entanto, como de costume nos testamentos, autorizou seu testamenteiro a pagar, após sua morte, sem contenda de justiça, pessoas fidedignas que porventura se apresentassem como seus credores em módicas quantias das quais ele pudesse não se recordar.

Manoel Gomes Torres foi cativo de Luis de Magalhães Nogueira, já falecido à época da redação de seu testamento. Como visto anteriormente, foi um dos 6 forros que referenciou o ex-senhor (4 homens e 2 mulheres; 4 destes haviam pertencido a este senhor). Ele informou que foi na casa de seu falecido ex-senhor que conheceu a sua então mulher, a preta forra Gracia Maria, que havia sido cativa do mesmo senhor e que Manoel declarou ser de Angola, mas que, segundo a própria registraria posteriormente em seu testamento, era de nação Guiné. De acordo com Manoel Gomes, ele e Gracia, em época não informada e ainda sob o domínio de Luis de Magalhães, fizeram um trato para se casarem, dando Gracia o dinheiro para que Manoel pagasse por sua liberdade. Não foi registrada nenhuma informação a respeito de como Gracia obteve tal quantia nem como se deu o processo de negociação entre Manoel Gomes e seu então senhor, Luis de Magalhães. Gracia, então, emprestou a Manoel quatorze dobras, o que equivalia a 179$200R. Manoel conseguiu obter sua liberdade e depois disto casou-se com Gracia, conforme o acordo que haviam firmado, com a condição de que se do matrimônio não tivessem filhos, de toda a fazenda e cabedal que existisse na época da morte de Manoel, seriam pagas as ditas quatorze dobras à Gracia Maria. O registro deste casamento não foi localizado. Dessa forma, Manoel, em seu testamento, deixou registrada a determinação a seus testamenteiros para que avaliassem tudo o que ficasse por sua morte, e que “sem mais ordem ou figura de juízo, de tudo que se avalia[sse]”, fossem pagas à sua “dita companheira as (...) quatorze dobras, na forma do ajuste que com ela” havia feito. Como testamenteira que ficou, Gracia, por fim, restituiu a si própria tal quantia, embora não se tenha comprovação de tal fato, já que o inventário post-mortem de Manoel não foi localizado.

Ordenou ainda que, do que restasse após o pagamento das quatorze dobras à Gracia Maria, de sua meação fosse cumprido o resto de seus legados. No caso de lhe caber ainda alguma soma em dinheiro, os bens que pudessem chegar ao valor de duas dobras (25$600R), fossem deixados em esmola à sua confraria de Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos, na igreja matriz de Piedade do Iguaçu.

O testamento de Manoel foi aprovado no dia 12 de maio de 1795, no mesmo dia e no mesmo local da redação, a casa de morada de Joaquim Pedro de Andrade, pelo escrivão da freguesia de Iguaçu, José Matheus. As testemunhas presentes à aprovação foram o senhor da casa, Joaquim Pedro de Andrade, que foi o redator do testamento, Eufrázio Laureano da Silva,

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Manoel Rodrigues Lua (ou Luz), Joaquim José Maciel e Joaquim Correia de Queirós, todos, de acordo com o escrivão, José Matheus Gonçalves Molle, livres, maiores de idade e moradores na freguesia de Iguaçu. O testador, Manoel Gomes, declarou no testamento que, juntamente com o redator, assinou com sua própria mão e punho. Não fica claro se Manoel sabia ler e escrever ou se esta assinatura mencionada por ele na verdade não foi apenas um sinal de cruz, o que foi o mais comum entre os forros.

A trasladação do testamento para o livro de óbitos da igreja matriz de Piedade do Iguaçu foi feita ipsis verbis no dia dois de agosto de 1795, dia seguinte à morte e sepultamento de Manoel, pelo coadjutor da freguesia, o padre Domingos Roza de Andrade.

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