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Jerônima Maria Loba

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III.6. Com nome e sobrenome: a trajetória de vida dos forros senhores de Iguaçu

III.6.9. Jerônima Maria Loba

Jerônima Maria Loba era preta forra natural da Costa Verde; sua idade não foi registrada, nem no assento de óbito e nem no testamento. Faleceu, como todos os 13 senhores forros, na freguesia Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, em 19 de julho de 1795 e foi sepultada no interior da igreja matriz, em uma das covas de sua irmandade, Nossa Senhora do Rosário. A mortalha utilizada não foi registrada no assento de óbito. Em seu testamento, feito dois meses e quatorze dias antes de sua morte239, no dia 5 de maio 1795, na própria freguesia de Piedade, indicou a sua preferência pelo “pano branco”, dado este que, no entanto, ficou sem confirmação, por ter sido omitido pelo escriba do assento, assim como a causa mortis.

Jerônima vivia e um sítio no território da freguesia de Iguaçu, mas, assim como grande parte dos senhores forros e mais da metade dos senhores livres, não forneceu indicações sobre a sua localização. Nomeou como seus testamenteiros, em primeiro lugar, Antônio Francisco de Paiva, em segundo, José Veloso da Silva, e em terceiro, Manoel Rodrigues Luz (ou Lua). Ao que parece, todos residentes na freguesia de Iguaçu. Como já mencionado, alguns dos testamenteiros e testemunhas constaram em mais de um testamento, no entanto, apenas de alguns se obteve outros dados além do nome, o que dificultou em certa medida a observação da estima social dos forros através de suas relações com as pessoas mais importantes da freguesia com quem tinham contatos e negócios e, possivelmente, algum grau de estima. Como o inventário post-mortem não foi localizado, não se sabe qual dos testamenteiros assumiu a função. Jerônima não nomeou nenhum familiar ou parente como testamenteiro; os três nomeados provavelmente eram livres, já que suas qualidades não foram informadas. Manoel Rodrigues Luz (ou Lua) era um dos nomes mais recorrentes nos testamentos dos forros no Livro 11.

Seu testamento foi aprovado em 7 de maio de 1795, dois dias após a redação, na casa de Manoel Martins de Athaíde (onde muito provavelmente foi redigido), na freguesia de Iguaçu, pelo escrivão das mandas da freguesia, José Matheus Gonçalves Molle (que assinou como testemunha no testamento e aprovação de seu finado marido, o alferes Antônio Bento da Cruz, em 11 de novembro de 1788), tendo como testemunhas Francisco José da Silva Sem Medo (o redator do testamento), José Manoel da Silva, José Antônio de Araújo Lima, Antônio José Moreira, Manoel Gonçalves e Antônio Gonçalves de Carvalho, que assinou pela

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testadora por ela não o saber fazer. Todas as testemunhas eram moradoras da freguesia de Iguaçu, conforme indicou o escrivão Molle e destas, nada mais se informou além do nome. Jerônima estava hospedada na casa de morada de Manoel de Athaíde e, segundo o relato do escrivão na aprovação, encontrava-se “doente de cama, mas em seu perfeito juízo”. Isso significa que Jerônima deixou para fazer seu testamento já na iminência de sua morte, situação que se enquadra na prática informada por Claudia Rodrigues, a respeito de que nem todos preparavam a morte com antecedência, embora pudessem pensar no assunto constantemente e esta fosse a orientação da Igreja e dos autores do tema, mas deixavam para “voltar-se para a questão apenas diante de sua iminência,”240 o que já mencionamos anteriormente.

Jerônima era viúva do, provavelmente, preto forro, alferes Antônio Bento da Cruz, falecido em 10 de dezembro de 1788, não tendo tido filhos deste matrimônio. Quando deixou registrada esta informação no testamento, Jerônima cometeu um ato falho ao ditar o fato ao redator, Francisco José da Silva Sem Medo, que também assinou como testemunha a rogo da testadora para a redação do testamento, como previa a lei241. Inicialmente ela informou que havia sido “casada em segundo matrimônio com o Alferes Antônio Bento”, mas na mesma linha, reparou o engano, dizendo “declaro que fui uma só vez casada com o Alferes Antônio Bento” [grifos nossos]. O possível motivo do equívoco pode ter sido causado pelo fato que relatou a seguir: embora Jerônima tenha sido casada apenas uma vez e não tenha tido filhos do casamento, ela havia tido um filho natural anteriormente, quando solteira: Antônio Lobo. Jerônima não revelou a idade do filho, nem onde vivia e nem identificou quem seria o pai natural. Antônio Lobo foi instituído por ela como seu único herdeiro e, como ela era a única herdeira do alferes Antônio Bento, por este não ter tido herdeiros, senão a esposa, Antônio Lobo, que não consta que vivesse com a mãe e nem se era casado, herdou indiretamente os bens deixados por Antônio Bento. É provável que Antônio Lobo fosse forro, já que não foi mencionado que fosse cativo, embora seu nome tenha sido registrado sem o acompanhamento de nenhuma qualidade ou condição.

Jerônima ordenou modestos sufrágios por sua alma: duas missas de corpo presente “de esmola costumada”242; e para depois de pagas todas as suas dívidas, ordenou que seu testamenteiro mandasse rezar em intenção de sua alma, 25 missas de esmola ordinária, ou seja, de 320R cada, o que chegaria a 8$000R. À época da redação de seu testamento, ela possuía apenas um escravo: o crioulo José, o qual, provavelmente ficou em herança ao filho de Jerônima, uma vez que ele foi citado uma única vez em todo o testamento e não houve menção à venda ou alforria do mesmo. A posse de apenas um escravo estava abaixo da média dos outros senhores forros de Iguaçu, que era de 3 escravos por senhor. As finanças de Jerônima provavelmente não iam bem 6 anos e 7 meses após a morte do marido. Além de estar devendo anuais à irmandade do Rosário, valor que não conhecia e que disse que constava dos livros da mesma confraria, devia também quantias mais altas, já que foi instituída como testamenteira do marido. As dívidas que Antônio Bento deixou de vários credores para serem pagas pela viúva chegavam a 56$540R; Jerônima pagou apenas uma pequena parte desta dívida, 6$340R, restando ainda, das dívidas de Antônio, 50$200R. As dívidas de Antônio Bento e, consequentemente, de Jerônima, estavam acima da média da maioria dos 13 senhores forros, uma vez que alguns declararam não ter dívidas ou dever quantias mais baixas.

Além da quantia em dinheiro das dívidas do marido que Jerônima deixou de pagar, ainda faltava dar contas de várias missas que não puderam ser rezadas; segundo ela, isto

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Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. op. cit. 1997. Apud. RODRIGUES, op.cit. 2005. p. 63.

241 Cf. CÓDIGO PHILIPPINO (...). Tomo III, Título LXXX, pp. 901-902.

242 De acordo com as informações fornecidas por monsenhor Pizarro, as duas missas podem ter tido o custo total

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ocorreu por falta de sacerdotes na igreja matriz nos dias determinados permitidos pela Igreja para rezá-las. Entre estas missas, havia as que Antônio Bento mandou rezar em intenção às almas de sua primeira esposa, Quitéria Maria dos Prazeres, e pela de seu ex-senhor, Antônio Bento da Cruz (do qual, como era o costume, adotou o sobrenome), além das missas por sua própria alma. Os créditos que Antônio Bento declarou ter tido, mas que não especificou no testamento, pois sua esposa era “sabedora”, também não foram listados no documento de Jerônima, impedindo sua consideração nesta análise.

Jerônima deixou ao testamenteiro que viesse a aceitar a função, dentre os que a mesma havia indicado, o tempo de dois anos para que se cumprissem todos os seus legados, constituindo-o como seu procurador. O prazo, aparentemente, era o costumeiro, com um ano para a realização e, possivelmente, mais um ano de prorrogação dada pelo juiz, caso fosse aberto inventário. No entanto, não informou se o mesmo perceberia a vintena, como de praxe, o que pode indicar, já que não foi mencionado, que este seria o procedimento, por ser o costume e estar previsto na lei.

A trasladação do testamento para o livro de óbitos da paróquia de Piedade do Iguaçu se deu na íntegra, em 14 de fevereiro de 1796. Quem redigiu o registro foi o coadjutor da freguesia, o padre Domingos Rosa de Andrade. Tal ato se deu praticamente sete meses após o falecimento de Jerônima Maria Loba, ocorrido em 19 de julho de 1795, fato deveras incomum, uma vez que, em geral, a trasladação era feita no dia da morte e sepultamento, no seguinte ou em próximos. O motivo de tal atraso não foi revelado e nem pôde ser esclarecido. A hipótese mais provável é que o testamenteiro tenha demorado a apresentar o testamento em virtude das atividades exigidas para o cumprimento dos legados materiais e espirituais ordenados pela testadora, o que costumava ser comum, pois satisfazer os legados demandava tempo. Tais atividades deveriam dar conta tanto dos legados de Jerônima quanto dos de seu finado marido, do qual foi a testamenteira, embora isto seja apenas uma suposição.

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