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Forros senhores: um grupo heterogêneo – dados gerais

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Dos 723 assentos registrados no Livro 11, 686 são de óbitos e 37 são de testamentos; dois testadores, um homem livre e um forro, não tiveram os seus óbitos assentados no mesmo. Dessa forma, há 688 falecidos registrados no livro, mas apenas 686 registros de óbitos. Entre os 688 falecidos, 549 (306 homens e 243 mulheres) não tiveram cor/condição declaradas, o que pode significar que fossem livres brancos ou, por outro lado, que houve falha por parte dos escribas responsáveis pelos registros. Apesar disso, apenas 6 pessoas livres foram realmente registradas como brancas (3 de cada sexo). Assim, para as outras 131 pessoas restantes do Livro 11 (70 homens e 61 mulheres) as qualidades/condições foram registradas, conforme apresentado na Tabela II.1:

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Tabela II.1

Qualidades, Condição e Sexo: Senhores forros. Sexo / Quantidades Qualidade / Condição

Homem Mulher Parciais Cabra forro 3 2 5 Crioulo forro 1 2 3 Crioulo preto forro 0 1 1

Escravo111 1 0 1 Filho da terra 0 1 1 Forro 3 3 6 Índio 4 7 11 Pardo 4 2 6 Pardo forro 13 10 23 Pardo livre 0 1 1 Pardo liberto 6 2 8 Preto forro 35 30 65 Totais 70 61 131

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Dos 549 indivíduos sem qualidades declaradas, talvez livres, 24 (4,4%) fizeram testamento. Já os 13 testadores forros são aproximadamente 10% dos 131 indivíduos que eram ex-cativos ou tinham ascendência escrava e representam cerca de um terço de todos os 37 testamentos. Como se pode perceber, os pretos forros eram os mais numerosos (65), seguidos pelos pardos forros (23); o terceiro maior grupo era formado por índios (11).

O único dado comum entre os senhores forros de Iguaçu é o fato de terem sido senhores de escravos oriundos do cativeiro; poder-se-ia juntar a este o fato de terem residido na mesma freguesia na mesma época, a maior parte deles ter tido sítios e ter estado envolvida na plantação de mandioca e produção de farinha, dentre outras características comuns. No entanto, muitas outras coisas os diferenciavam; as óbvias eram as diferenças naturais (de sexo) e as de procedência (origem geográfica/“étnica”), contempladas na Tabela II.2:

Tabela II.2

Relação Naturalidade / Sexo: Senhores Forros. Naturalidade / Sexo Africanos Crioulos

Masculino Feminino Parcial Masculino Feminino Parcial 2 6 8 4 1 5 Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Como se nota neste quadro, dos 13 indivíduos, 7 são do sexo feminino e 6 do masculino; 6 mulheres são naturais da África e apenas uma é da América portuguesa; dos homens, 4 são coloniais e 2 da África. Dessa forma, no total, 8 dos 13 forros são nascidos na África e 5 no Estado do Brasil, assim, temos uma predominância de africanos sobre os nascidos na América portuguesa e um número quase igual entre os sexos, no qual as mulheres superam os homens por apenas um indivíduo. Dos 5 indivíduos forros que eram naturais do Estado Brasil, temos dois homens nascidos na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga

111 Em todo o Livro 11, há um único caso de assento registrando o óbito de indivíduo cativo e que se deu por

equívoco; o redator do assento lançou uma nota marginal alertando para o erro: “(...) Joaquim / adulto /

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(vizinha limítrofe, ao sul de Piedade do Iguaçu), um homem da também vizinha freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Iguaçu112, um homem de Campos dos Goitacazes (norte da capitania do Rio de Janeiro) e uma mulher da também vizinha freguesia de São João Batista de Meriti. Portanto, dos 5, 4 (3 homens e uma mulher) são originários do Recôncavo da Guanabara e apenas um migrou do norte da capitania para a região do rio Iguaçu. Dessa forma, como já informado, nenhum dos 13 senhores forros era natural da freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu.

A análise dos testamentos revelou que dentre os 13 testadores forros, havia 3 casais, formados por membros do próprio grupo:

• Custódio Pires Ribeiro – Joana Maria de Souza de Jesus; • Alferes Antônio Bento da Cruz – Jerônima Maria Loba;

• Manoel Gomes Torres – Gracia Maria da Conceição do Nascimento de Magalhães. O fato de terem formado casais e terem tido os seus testamentos trasladados para o mesmo Livro 11 (por terem falecido na mesma época abrangida pelo dito livro), permitiu o cruzamento de informações entre os cônjuges (portanto, dos 13 testamentos, 6 puderam ser cruzados) e, consequentemente, o esclarecimento de alguns pontos obscuros nos documentos de uns e de outros. Embora sendo uma amostra ínfima e não sendo o objetivo do estudo um aprofundamento nos registros das relações matrimoniais em si, cabe destacar que não se verificou nos matrimônios dos 13 senhores forros a endogamia existente em Campos dos Goitacazes no século XVIII e, de acordo com Márcio Soares, “nunca inferior a 77,8%”113.

O exame das fontes permitiu identificar procedências, cor, qualidade, sexo, estado matrimonial e se houve herdeiros, conforme apresentado nas tabelas a seguir:

Tabela II.3

Origem / Procedência e Sexo: Senhores Forros. Sexo Origem / Procedência Masculino Feminino Parciais Guiné 0 3 3 Benguela 0 1 1 Mina 1 1 2 Angola 1 0 1 Costa Verde 0 1 1 Capitania do RJ 4 1 5 Totais 6 7 13

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

112 Segundo Pizarro, Pilar se localizava 2 léguas no rumo E de Piedade. Cf. ARAÚJO, op. cit. 2000. p. 52. 113 Cf. SOARES, op. cit. 2006. pp. 83 e 85.

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Tabela II.4

Relação Cor / Condição Social / Sexo: Senhores Forros. Cor / Condição Social Masculino Feminino Parciais

Preto forro 2 4 6

Preto forro “e Liberto” 0 2 2

Pardo 0 1 1

Pardo forro 1 0 1

Não mencionado 3 0 3

Totais 6 7 13

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Tabela II.5

Relação Sexo / Quantidade de Descendentes: Senhores Forros. Sexo

Filhos

Masculino Quantidade Feminino Quantidade

Descendentes / Parciais Legítimos 0 0 0 0 0 Naturais 2 2 1 1 3 Sem filhos 4 0 4 0 0 Não informado 0 0 1 0 0 Outros descendentes 0 0 1 2 2 Totais 6 2 7 3 5

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Uma característica comum entre os forros de Iguaçu é que todos eram casados (alguns em segundas núpcias) ou viúvos; dos que tinham filhos, alguns destes já eram adultos ou jovens adultos. Alguns, mesmo tendo tido dois casamentos, não tiveram filhos; outros tiveram filhos naturais antes do casamento, mas não tiveram do posterior matrimônio legítimo, e alguns já tinham netos. Os que não tiveram filhos somam 8, o que significa que não tinham herdeiros necessários e, nesse caso, não se aplicaria a lógica da mobilidade social geracional e nem da transmissão de patrimônio, mas sim a da manutenção do próprio status social alcançado e das relações horizontais estabelecidas. A idade tardia em que talvez tivessem se alforriado e casado pode ter influído negativamente nesse sentido114. Dentre os 8 que não tiveram filhos estão incluídos os 3 casais, embora uma das senhoras forras de um destes casais tenha tido um filho natural antes do casamento e que veio a ser seu herdeiro universal e, consequentemente, herdeiro dos bens deixados por seu marido, que também não teve filhos, nem naturais, nem legítimos.

Dos 13 forros, apenas 4 tiveram filhos, sendo três dos casos com filhos naturais, tidos antes do matrimônio, como é o caso da forra acima mencionada, Jerônima Maria Loba. Além dela, houve outros dois com filhos naturais: os pretos forros José da Paixão Ramos e João da Silva. A tabela II.6 apresenta o estado matrimonial dos testadores forros no momento da redação dos testamentos e do óbito:

114 Sheila de Castro Faria considera que esta é uma possibilidade, porém, improvável, e apresenta outras

hipóteses, dentre as quais estaria a prática de métodos contraceptivos utilizados pelas forras. FARIA, op. cit. p. 190.

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Tabela II.6

Relação Sexo / Estado Matrimonial: Senhores Forros. Sexo

Estado Matrimonial

Masculino Feminino

Parciais

Casado 5 2 7

Viúvo / Casado em 2as núpcias 1 1 2

Viúvo 0 4 4

Totais 6 7 13

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Como dos senhores forros só houve a transferência geracional de herança a 5 herdeiros (2 netos legítimos e 3 filhos naturais), nos outros casos os herdeiros foram os cônjuges e as próprias almas:

Tabela II.7

Senhores Forros: Testadores / Herdeiros / Quantidades.

De Testador do Sexo: Herdeiros Quantidade de herdeiros

Masculino Feminino

Parciais

Legítimos 2 0 1 1

Naturais 3 2 1 3

Cônjuge 2 2 0 2

Sem herdeiro /a própria alma 0 1 3 4

Não menciona 0 1 2 3

Totais 7 6 7 13

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Dos 13 casos há 8 nos quais não houve herdeiros necessários, por não terem existido filhos, mesmo quando o indivíduo casou mais de uma vez. Um forro não menciona se tinha ou não herdeiros. Nos 3 casos cujos filhos eram naturais, tidos antes dos casamentos da época dos testamentos, não havia filhos dos casamentos legítimos. Por duas vezes os herdeiros foram as esposas. Por fim, houve um caso em que os herdeiros foram os netos. Dessa forma, em 4 casos houve transferência geracional de herança, 3 dos quais para filhos naturais, e um para netos, tidos de filhos supostamente legítimos. A tabela a seguir apresenta uma comparação de dados sobre herdeiros dos senhores livres:

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Tabela II.8

Senhores Livres: Testadores / Herdeiros / Quantidades. Testador Herdeiros Quantidade

de herdeiros Homem Mulher

Parciais Legítimos (filhos) 44 10 1 11 Naturais (filhos) 0 0 0 0 Cônjuge 3 2 1 3 Netos 11 4 0 4 Pais 5 0 2 2 Irmãos (?) 1 0 1 Sobrinhos 1 1 0 1

Sem herdeiro /a própria alma 0 2 0 2

Não menciona 0 3 0 3

Totais 64 23 4 24

Fonte: Livro 11 / ACDNI.

Como pode ser percebido, em alguns casos, o mesmo testador aparece mais de uma vez deixando herança a mais de um tipo de herdeiro, daí, no caso dos homens, a soma ser maior do que os 20 indivíduos que realmente havia. Ao contrário dos senhores forros, todos os senhores livres que tiveram filhos como herdeiros os tinham de legítimo matrimônio e não registraram a existência de filhos naturais, o que não quer dizer que estes não possam ter existido. Enquanto praticamente a metade dos livres teve filhos a quem legar herança, entre os forros isto ocorreu com cerca de apenas um terço dos indivíduos e a maioria foi de filhos naturais. Possivelmente, por ter na amostragem um número maior (o dobro) de senhores livres do que de forros, a quantidade de filhos também foi maior entre aqueles, embora isto possa ser atribuído a outros fatores, conforme já mencionado a respeito da menor reprodução entre os forros.

Os livres deixaram heranças a uma variedade maior de herdeiros, como pais, irmãos e sobrinhos, ao contrário dos senhores forros, cujos herdeiros foram majoritariamente os cônjuges ou descendentes naturais e legítimos (filhos e netos); o motivo seria a possível inexistência ou o número muito reduzido de familiares e parentes entre os egressos do cativeiro. É provável que por este motivo um terço dos forros tenha deixado a própria alma como herdeira, ao passo que dentre os 24 livres, apenas 2 o fizeram115. Aproximaram-se somente na herança deixada aos cônjuges: 2 para os livres e 3 para os forros e igualaram-se quando deixaram de mencionar tal informação: 2 para cada grupo.

II.2 – In Testimonium Veritatis – a estima social nos testamentos: redatores,

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