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3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

3.1 DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA À DESPOSSESSÃO DOS DIREITOS TERRITORIAIS

Ao interpretar as transformações advindas da afirmação do capitalismo enquanto modo de produção hegemônico no contexto da Revolução Industrial, Marx (1988), ao revisitar autores clássicos da economia política, analisou a ocorrência de uma etapa precedente que se constituía como determinante para criar as bases materiais do novo sistema: a acumulação primitiva.

Marx identificou que a acumulação primitiva consistia no processo de expropriação dos camponeses de sua base fundiária e a consequente conversão destes em proletários, destituindo-os de seus meios de produção e transformando- os em massa assalariada a ser absorvida pelas indústrias que estavam nascendo na época e pelos grandes arrendatários detentores do espólio feudal alimentado com renda fundiária. Para ele, o processo que trabalhador da propriedade cria a relação capital-tra al o não pode ser outra coisa ue “a separação do das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os meios sociais e de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em tra al adores assalariados” ( A X , 988, p. 252).

Com a intensa e dramática desintegração do campesinato, mediante a expropriação de suas terras, por meio dos inclosures (cercamento das terras comunais), o modo de vida dos camponeses na velha Inglaterra foi duramente afetado, provocando a expulsão de milhares de famílias para os centros urbanos ou a conversão destes em assalariados rurais que passaram a vender sua força de tra al o para os grandes arrendat rios. o o a ir ara ar ( 9 88, p. 254), “u a massa de proletários livres1 como os pássaros foi lançada no ercado de tra al o” então emergente.

Marx identificou que as terras comunais destinadas a produção de alimentos, também chamadas de terras de lavoura foram transformadas em terras de pastagens para a criação de ovel a s, resultando na “usurpação despovoadora” dos territórios anteriormente usufruídos pelo campesinato. Medidas adotadas durante a Glorious Revolution (Revolução Gloriosa) e posteriormente as constantes na l earing tates (clarear as propriedades, “li p -las” de ca poneses).

Na mes a lin a interpretativa, liv eira (2 7, p. ) assinala “ para ue a relação capitalista ocorra é necessário que seus dois elementos centrais estejam constituídos, o capital produzido e os trabalhadores despojados de seus meios de produção”. Assi se con igura “u a espécie de acu ulação pri itiva per anente do capital, necess ria ao seu desenvolvi ento”. A coexistência destas duas condições seriam alavancas das quais dependeria a perpetuação do sistema, de maneira contínua e reificada. No contexto agrário, a expropriação dos camponeses e dos povos e comunidades tradicionais é inerente à expansão do grande capital.

A teórica marxista polonesa Rosa Luxemburgo (1970), ao revisitar a obra de Marx constante nos livros de O Capital, interpretou o processo de reprodução do capitalismo numa perspectiva inovadora. Diferentemente do pensador alemão que via a acumulação primitiva como uma etapa transitória entre o feudalismo e o capitalismo, a autora postulou que para a própria existência e desenvolvimento deste modo de produção seria necessário a existência de um ambiente de formações sociais não-capitalistas sobre o qual o capital avança com seu ímpeto violento e e propriante, nu a escala uito aior. Assi , “surge então o i pulso irresistível do capital de apoderar-se da ueles territ rios e sociedades”. est a forma, a acumulação primitiva é um traço permanente da expansão imperialista do século XVI até os dias atuais (LUXEMBURGO, 1970, p. 315-16)

A exploração dos recursos naturais destas formas não-capitalistas de produção e a desconstituição de suas formas comunais de subsistência constituem os interesses precípuos do capitalismo, no ponto de vista de Luxemburgo (1970). A instituição da propriedade privada da terra seria um dos principais meios empregados pelo capital para destruir as economias agrárias tradicionais e remover os obstáculos à sua consequente apropriação.

Harvey (2013, p. 37) segue as mesmas pistas de Luxemburgo (1970) ao se reportar às atividades predatórias do modelo capitalista, caracterizadas por Marx como acumulação primitiva. O autor a ir a ue este “é u processo internali ado cont nuo” ue pro ove “a despossessão dos direitos de terra, previdência social, dos direitos à pensão e à atenção à saúde, das qualidades ambientais, da própria vida”.

Ao introduzir o conceito inovador de acumulação por despossessão, Harvey (2011, p. 48-9) atualiza o pensamento de Luxemburgo, por meio da contextualização da realidade atual a partir das pressões e influências que esta recebe do neoliberalismo. As estratégias empreendidas sistematicamente pelo capitalismo global como o rentismo, as privatizações do patrimônio público e dos bens de uso comum (terra, água) o enfraquecimento de pequenos empreendimentos urbanos e da agricultura familiar em favor de grandes empresas e/ou do agronegócio, são exemplos de como a reprodução do capital se reinventa, mas ao mesmo tempo mantém os traços estruturais que o acompanha ao longo da história: expropriação, violência, desigualdade social.

Brandão (2010, p. 42) se reporta a Harvey (2004) para distinguir os dois conceitos, ao ressaltar ue a acu ulação pri itiva é a uela ue “a re ca in o para a reprodução a pliada”, en uanto ue a acu ulação por despossessão “ a ruir e destr i u ca in o a erto”. Ao analisar o odelo de desenvolvimento brasileiro, o autor pontua que o grande capital se utiliza historicamente de variadas estratégias de apropriação e expropriação predatória dos recursos territoriais, naquilo que se configura como acumulação primitiva permanente, as quais engendra “potentes e persistentes máquinas de produção de múltiplas desigualdades, interdição de direitos e diversificados e sofisticados mecanismos socioeconômicos e políticos de e ploração e arg inali ação”.

Os conceitos de acumulação primitiva e acumulação por despossessão são pertinentes para investigar em que medida a expansão do capitalismo agrário se

materializa na Amazônia, notadamente a expansão de sistemas de produção homogêneos em larga escala, como os monocultivos de dendê no estado do Pará.

A literatura existente sobre o tema indica que as estratégias de reprodução capitalista no território pesquisado, não obstante o discurso em favor da sustentabilidade e da inclusão produtiva, têm na acumulação produtiva permanente e na despossessão de direitos territoriais de camponeses e de comunidades indígenas e quilombolas uma de suas formas de expressão mais vorazes.

Nahum e Malcher (2012) acentuam que após o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e do Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma (PPSOP) engendrou-se uma corrida pela apropriação da terras na microrregião de Tomé-Açu, o que motivou a atuação de agentes fundiários, nome atribuído aos corretores de terras, responsáveis pela identificação e negociação de áreas passíveis de aquisição e/ou arrendamento pelas empresas para a expansão dos plantios de dendê nos municípios situados na faixa preferencial constante no Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo.

Para Backhouse (2013, p. 4), o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma vem desencadeando o que se convenciona chamar de “green grabbing”. Em conformidade com a visão defendida pela autora, o conceito expressa os variados processos de tomada, apropriação ou privatização de terras impulsionados por medidas de proteção ao meio ambiente ou ao clima. Este processo aglutina três atributos interdependentes, os quais consistem na crescente concentração do controle sobre o acesso e uso da terra por parte das agroindústrias que comandam o mercado de óleo de palma; novas alianças entre companhias transnacionais, Estado e elites locais; e por fim, a legitimação simbólica da exploração em larga escala de reas deno inadas co o “degradadas”, co a suposta finalidade de proteção ao clima.

Nahum e Santos (2014, p. 471) observam que o crescimento vigoroso dos plantios de dend te causado a desca peni ação de co unidades rurais, “co a or ação de u ca po se ca poneses”, o ue ocorre por eio da conversão da mão-de-obra familiar em assalariados rurais para as grandes companhias agroindustriais de produção de óleo de palma.

Silva (2013) assinala que a expansão dos monocultivos de dendê na Amazônia Paraense engendrou o superaquecimento dos mercados fundiários, por meio da elevação dos preços do hectare da terra nos municípios que compõem as

classes de área mais aptas constantes no Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo. O crescimento da demanda por certificação de imóveis rurais com áreas superiores a quinhentos hectares; os pedidos de regularização fundiária nas esferas federal e estadual e a visível multiplicação de áreas acima do limite constitucional sob controle das grandes empresas que dominam esse mercado são as faces mais patentes dessas transformações.

Sob a mesma perspectiva analítica, a pesquisa de campo permitiu identificar que os principais mecanismos de apropriação da terra empreendidos pelas empresas são a compra de terras em bases jurídicas questionáveis, a ocupação de terras públicas em grandes faixas territoriais, o arrendamento fundiário e a subordinação do campesinato, mediante a agricultura por contrato. Desta forma, os autores evidenciam uma profunda reconfiguração do espaço agrário, com os traços característicos da acumulação primitiva permanente e da acumulação por despossessão, por meio de agroestratégias do capital.

3.2 A NATUREZA DOS GRANDES PROJETOS IMPLANTADOS NA