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3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

3.3 TRIUNFALISMO E AFIRMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA DO AGRONEGÓCIO

Para se compreender as relações de poder e dominação que permeiam as agroestratégias faz-se necessário abordar em que medida o agrobusiness ou agronegócio se afirma ideologicamente como projeto hegemônico para o campo, especialmente no Brasil.

O conceito de agrobusiness (versão americana) surgiu no período pós-guerra e foi utilizado pela primeira vem em 1955 por John Davis, então professor da Universidade de Harvard, durante uma palestra em Boston. Contudo, foi a partir da publicação do livro A Concept of Agrobusiness, de autoria de John Davis a Ray Goldberg, que o termo foi incorporado institucional e academicamente, e partir de então, propagado como ideário econômico de industrialização do campo

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Fenômeno que caracteriza a apropriação e concentração de terras engendradas pelo capital estrangeiro, de acordo com a literatura existente.

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De acordo com Backhouse (2013, p. 4), o green grabbing consiste em múltiplos processos de tomada, apropriação ou privatização de terras impulsionados por medidas de proteção ao clima e ao meio ambiente

(MENDONÇA M., 2013, p. 51).

De acordo com Davis e Goldberg (1957, p. 2) apud Mendonça M. (2013, p. 51) o conceito de agronegócio refere-se ao “total das operações que envolvem manufatura e distribuição de suprimentos agrícolas; operações produtivas nas fazendas; e armazenamento, processamento, e distribuição de commodities agr colas e produtos eitos a partir destas”.

Para Mendonça S. (2005, p. 23) o agrobusiness consiste um amplo complexo de operações, de natureza comercial e financeira e com grande influência política. Representa um sistema produtivo intrincado, liderado por uma mega agremiação dotada de poder econômico e político.

O contexto que influenciou o impulsionamento deste segmento econômico nos Estados Unidos foi o início do séc. XX e posteriormente a deflagração da Segunda Guerra Mundial, mediante o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes e da massificação de tratores agrícolas nas áreas rurais daquele país. O discurso dos ideólogos do agroneg cio associava a visão u anista de “ odernidade” co u a perspectiva neomalthusiana de que o crescimento populacional demasiado provocaria uma grave crise alimentar que só seria suplantada com a expansão da atividade agrícola com base no modelo monocultor representado pelo paradigma do

agrobusiness. Acrescente-se a isso uma dimensão patriótica que justificava a

necessidade de “contri u ir co os es orços de guerra”, por eio do supri ento de alimentos industrializados para os soldados americanos no front e dos programas de “a uda ali entar” para outros pa ses ( ÇA ., 2 3, p. 64-5).

A implantação deste modelo americano promoveu a homogeneização e especialização produtivas, como resultado do incentivo a monocultivos e commodities em larga escala, transacionadas no mercado internacional. O que se o serva é ue a narrativa dos de ensores do agroneg cio en ati a a “revolução tecnol gica” (insu os, ertili antes, a uin rios, pes uisa e gestão e presarial)

como o elemento central das transformações no campo. A concentração de

capitais na agricultura engendrou grandes monopólios transnacionais que passaram a exercer o controle sobre o mercado de fertilizantes, de máquinas agrícolas e de canais de comercialização, sob o comando de seletas empresas como Cargill, ADM, Bunge, Dupont e Monsanto.

A propagação ideológica do agronegócio na América Latina ocorreu por meio da criação da Latin American Agribusiness Development Corporation (LAAD), em

1972, por empresas e pelo governo estadunidense (ROSS, 2000 apud MENDONÇA M., 2013, p. 60)

Mendonça M. (2005) aponta que a expansão do agronegócio na América Latina se caracterizou pela “concentração de capitais multinacionais, principalmente no setor de maquinário, insumos químicos e processamento de alimentos”.

Outro aspecto importante a ser considerando é a visível preferência dos grandes oligopólios por controlar insumos, processamento e comercialização, deixando a produção propriamente dita a encargo de pequenos e médios agricultores, em alguns ramos da agricultura, os quais arcariam com os riscos inerentes a atividade, mas estariam integrados às cadeias produtivas do agronegócio (BURBACH; FLYNN, 1980 apud MENDONÇA M., p. 64)

O conceito de cadeia produtiva, compreendido como as etapas que envolvem o sistema de produção, tais como tecnologia, crédito e subsídios, produção, armazenamento, processamento, distribuição, comercialização, passou a ser empregado para ilustrar o desenvolvimento das grandes commodities.

Na concepção de Delgado (2013, p. 62) a construção histórica do agronegócio no Brasil coincidiu com o período sombrio da ditadura militar instalada no rasil a partir de 964. ide rio da “ oderni ação conservadora”, ediante a industrialização da agricultura, defendido por tecnocratas como Delfim Netto, então ministro da Fazenda, foi assumido pelo regime como o novo paradigma de desenvolvimento para o campo. A instituição do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), com vultuosos recursos públicos direcionados ao setor, e a conformação de um mercado de terras desregulado constituíram as bases desse modelo. Heredia, Palmeira e Leite (2010, p. 159) evidenciam que o conceito de empresas rurais consignado no Estatuto da Terra em oposição aos latifúndios representou uma afirmação da agricultura capitalista no campo, posteriormente sendo substituído pelo ter o “co p le os agroindustriais” e ais recente ente, agroneg cio.

Delgado (2013, p. 62) aponta que a aliança das elites agrárias com o Estado brasileiro em torno deste projeto hegemônico pode ser dividida basicamente em dois momentos: o período da modernização conservadora, que se estende de 1965 a 985; e o da “econo ia do agroneg cio”, ue se consolida nos anos 2 , por eio de um sólido pacto de poder entre o capital monopolista e os sucessivos governos. O elemento central que diferencia as duas quadras históricas é que enquanto a primeira enfatizava a verticalização da produção agrícola, por meio de agroindústrias

controladas por grandes monopólios, a segunda, é organizada a partir das condicionalidades do mercado global de commodities, numa perspectiva primário- exportadora que acentua a vulnerabilidade do país ao criar um círculo vicioso profundamente dependente de oscilações macroeconômicas motivadas por comandos exógenos.

Na mesma perspectiva analítica, Heredia, Palmeira e Leite (2010, p. 160) enuncia ue o “uso de uinas e insu os odernos” (gri o dos autores) est presente em todas as formulações e intervalos temporais que acompanham a evolução dos termos relacionados à industrialização da agricultura, contudo, a ênfase nas exportação de produtos primários ocorre de maneira mais acentuada no último período. Outra mudança importante na narrativa do grande capital é de que a integração dos agricultores familiares às empresas agroindustriais representaria uma alternativa de expansão agrícola com ganhos para os primeiros. Ainda que a concentração da propriedade territorial tenha sido secundarizada nas formulações oficiais dos estrategistas do agronegócio, as estatísticas oficiais apontam a perpetuação da concentração da estrutura fundiária ao longo do tempo.

De acordo com Mendonça S. (2013), a ideologização do agronegócio como projeto hegemônico no Brasil teve início no final dos anos 60, a partir de uma retórica de modernidade, gestão empresarial e revolução tecnológica. O principal porta-voz dos interesses deste segmento foi a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que dentre as entidades patronais existentes foi aquela que se legitimou com mais eficácia perante à opinião pública. Entretanto, foi, sobretudo, a partir da criação da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), em 1993, que a construção pol tica do discurso de u a “nova agricultura” se disse inou ideologicamente na sociedade brasileira.

Ressalte-se que a composição da ABAG é formada por grandes grupos econômicos como ADM do Brasil, Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (ABRAPALMA), Agropalma S.A, Embrapa, União dos Produtores de Bioenergia, Organização das Cooperativas Brasileiras e Rede Globo de Televisão, dentre outros. Desta forma, fica evidenciado que a produção de óleo é uma das commodities agrícolas estratégicas associadas ao interesses do agronegócio.

A despeito da narrativa ufanista que apregoa a hegemonia do agronegócio como via única de desenvolvimento para o campo, baseada em uma suposta eficiência econômica, Delgado (2013, p. 62) esclarece que estruturalmente o

agronegócio depende da ação concertada do Estado para engendrar uma economia política que lhe seja favorável. Esta visão é compartilhada por Teixeira (2010, p, 30) ue indica ue “ao contrário da leitura dos intelectuais, os padrões de eficiência do agronegócio se traduzem nas pressões sem limites sobre o erário e sobre a su tração de direitos sociais”.

Para Mendonça M. (2013, p. 96) a criação de grandes monopólios concentradores de significativas frações do mercado de commodities é uma estratégia engendrada por grupos econômicos para barganhar recursos do Estado. Para a autora, bem diferente do propalado discurso da eficiência, o agronegócio convive com uma grave crise estrutural, e só consegue se reproduzir em função de políticas governamentais sistemáticas em benefício do setor. A concessão de renúncias fiscais e o subvencionamento de dívidas contraídas junto ao Tesouro Nacional, obtidas, sobretudo, pela pressão da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, é um dos exemplos mais evidentes que faz cair por terra essa falácia.

O descortinamento destas contradições e os movimentos contra- hegemônicos exercidos principalmente por movimentos sociais camponeses, contudo, têm sido incapazes de conter o avanço da fronteira agrícola na Amazônia. A expansão dos monocultivos é substanciada pela reprimarização da economia nacional, fruto do pacto de poder instituído nos anos 2000, com o frágil argumento de equilíbrio do Balanço de Pagamentos do país. Assim se verifica a ocorrência de profundas consequências sociais, territoriais e ambientais na Amazônia, sob o símbolo dos grandes projetos que são reeditados com novas abordagens.

4. TERRITORIALIZAÇÃO DAS COMPANHIAS AGROINDUSTRIAIS DE