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6 “INTEGRAÇÃO PRODUTIVA” E A TRANSFERÊNCIA DAS TERRAS DA REFORMA AGRÁRIA PARA O AGRONEGÓCIO TRANSNACIONAL

6.8 TRANSFORMAÇÕES NO USO DA TERRA E NA ESTRUTURA FUNDIÁRIA DOS PROJETOS DE ASSENTAMENTO PROVOCADAS

PELA CHEGADA DO DENDÊ

A pesquisa de campo realizada período de 2014 e 2015 evidenciou um conjunto de transformações no uso da terra, na apropriação dos recursos naturais, na estrutura fundiária e nas relações de trabalho das unidades produtivas familiares

que compõem os projetos de assentamento da Amazônia Paraense “integrados” à dendeicultura por meio da “integração” produtiva.

Primeiramente, quando se considera o custo médio calculado pela Planilha de Preços Referenciais do INCRA realizada no ano de 2013 para compra de um hectare de terra na microrregião de Tomé-Açu, onde a expansão da dendeicultura ocorre de forma mais intensa, infere-se que se as empresas tivessem que alocar recursos para compra das áreas “integradas” teriam que desembolsar R$ 3.356.157,00 (três milhões, trezentos e cinquenta e seis mil, cento e cinquenta e sete reais).

No que se refere ao uso da terra, de um modo geral, se observou que a imobilização da maior fração da área de uso alternativo do solo dos lotes de reforma agrária pelos monocultivos de dendê constitui uma das mais sérias ameaças à sucessão rural e ao processo de reprodução física, social e econômica das famílias assentadas. Isto porque 80% da área do lote que pode ser destinada a produção agrícola ficará comprometida por no mínimo 25 anos com uma única atividade, sujeita às oscilações próprias do mercado de commodities. O restante que sobra, é visivelmente insustentável para assegurar o funcionamento do sistema de pousio ao longo do tempo, pois, durante quase três décadas a família só terá 20% da AUA para desenvolver outros tipos de plantio.

O principal desfecho dessa pressão sobre o uso da terra é a tendência cada ve ais patente de especiali ação produtiva das a lias “integradas” ao agronegócio do dendê, a exemplo do que historicamente ocorre com outros monocultivos em terras da reforma agrária, como a cana-de-açúcar (São Paulo e Pernambuco), o eucalipto (Espírito Santo) e o fumo (Rio Grande do Sul). O modelo de assistência técnica posto em prática pelas empresas impõe o pacote tecnológico homogeneizante, desfavorece a segurança alimentar e trata a agroecologia como utopia inalcançável. Prova disso é que as empresas vedam expressamente a coexistência de outras culturas agrícolas no interior dos dendezais e utilizam veneno intensivamente (glifosato, principalmente).

Engendra-se então uma relação subordinada e subalternizada dos camponeses em face do grande capital nacional e transnacional, que os deixa cada vez mais vulneráveis aos movimentos especulativos da economia do agronegócio e da nova fronteira de commodities descrita por Loureiro (2012, p. 530). Em lugar da endogenia tão necessária ao desenvolvimento local dos territórios, os comandos

externos passam a ditar o ritmo da produção e da vida comunitária; a autonomia se relativiza e o espaço agrário se reconfigura. Emergem os conflitos socioambientais e as formas de resistência camponesa se reavivam, conforme ressaltam Hébette (2004) e Sousa (2015).

Umas das mudanças mais visíveis na organização do trabalho familiar dos assentados “integrados” aos onocultivos de dend é a questão da mão-de-obra para realização dos tratos culturais. Identificou-se “in loco” ue anteriormente os ca poneses a ia dois roçados durante o ano: u no “verão”, onde se plantava culturas te por ri as co o ei ão, il o, a i e e andioca e outro no “inverno” para plantar mandioca, banana, jerimum. Estas roças variavam de 3 a 10 tarefas18 e estavam baseadas no sistema de pousio, onde a cada dez anos as terras se regeneravam naturalmente. o a c egada do odelo da “integração produtiva” a situação mudou completamente de contexto, pois o pacote tecnológico da palma impõe o módulo de 10 hectares por cada unidade familiar.

Atraídos pela promessa de redenção econômica e pela facilidade de acesso ao financiamento bancário os camponeses aderem à “integração”, mas imediatamente cria-se um desequilíbrio entre trabalho e consumo, pois além de não terem experiência com os padrões técnicos exigidos pela especialização produtiva, a mão-de-obra está estruturada para uma racionalidade econômica completamente diferente. Na prática, uma família que antes tinha que cuidar de 5 ou 10 tarefas de roça agora terá que cuidar destas e das 33 tarefas de dendê financiadas pelo banco. Intensifica-se a penosidade e cresce a demanda por contratação de trabalho temporário, contudo, paradoxalmente, diminui a força de trabalho familiar em virtude do assalariamento rural dos filhos dos camponeses que saem para laborar nas empresas.

Este processo de proletarização atinge principalmente os jovens de 18 a 29 anos, considerados mais aptos para as penosas atividades de limpeza dos dendezais, corroborando o que Sampaio (2014) identificou na agricultura familiar de Tomé-Açu. Deste modo, a sucessão rural familiar encontra-se ameaçada, sobretudo, porque a maior parcela dos jovens camponeses não vislumbram um futuro promissor nas unidades produtivas familiares, em função da ausência de políticas

18 Tarefa é uma unidade de medida usada pelos camponeses para dimensionar o tamanho dos roçados. Por esse cálculo, 3,3 tarefas equivalem a 1 hectare.

públicas adequadas para incentivar a permanência no campo paraense. Optam pelo assalariamento, mesmo que muitas vezes em condições precárias e exaustivas. Conforme retratado nas subseções 6.4 e 6.5, o modelo de financiamento bancário para o dendê é outro fator que merece ser considerado, pois os contratos entre empresa e agricultor e as operações de crédito rural estão vinculados reciprocamente. Se por um lado existe a facilidade de acesso ao Pronaf Eco Dendê, por outro, os assentados desconhecem as planilhas de custos e as cláusulas consignadas no instrumento contratual. Diferentemente do discurso da dádiva emanado pelas companhias agroindustriais, a totalidade dos riscos e ônus inerentes à atividade produtiva são de responsa ilidade dos ca poneses “integrados”. Logo, a agricultura por contrato nas terras da reforma agrária é um excelente negócio para as companhias nacionais e transnacionais que comandam esse mercado.

A indexação do preço da tonelada do óleo de palma ao dólar no mercado internacional e a complexidade dos cálculos para se converter essa unidade de medida em cachos de frutos frescos (CFF) para atribuição do valor a ser pago a cada entrega são questões estruturais que os assentados não tem a menor familiaridade.

O conjunto dessas transformações suscitadas a partir da expansão da monocultura do dendê cria no imaginário dos assentados de reforma agrária dois comportamentos interdependentes que puderam ser observados durante a pesquisa de campo: a esperança e a incerteza.

A esperança traduz a confiança de que todo o seu esforço laboral para cumprir os padrões da especialização produtiva serão recompensados com uma renda vantajosa que possibilite o desenvolvimento material e a melhoria da qualidade de vida do núcleo familiar.

A incerteza reside na imprevisibilidade quanto ao futuro, como por exemplo a reabilitação das áreas de plantio. Mesmo querendo acreditar que desta vez pode ser diferente, os camponeses já vivenciaram outros ciclos econômicos decadentes como o da pimenta-do-reino, portanto, implicitamente sabem os riscos da subordinação a uma commodity agrícola. O esgotamento dos recursos naturais ao longo do tempo e uma possível demanda por novas terras constituem outras preocupações externalizadas.

6.9 FLUTUAÇÕES MACROECONÔMICAS DO ÓLEO DE PALMA E