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6 “INTEGRAÇÃO PRODUTIVA” E A TRANSFERÊNCIA DAS TERRAS DA REFORMA AGRÁRIA PARA O AGRONEGÓCIO TRANSNACIONAL

6.7 O PNPB E A PRIMEIRA RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE ESSE ASSENTADOS E COMPANHIA AGROINDUSTRAIL DE DENDÊ: PA

CALMARIA II, EM MOJU

A criação do PNPB em 2004 encaixa-se nas agroestratégias definidas por Almeida (2010a e 2010b) e no green grabbing apontado por Backouse (2013) como uma nova maneira de apropriação dos recursos naturais, sob um discurso ecológico pautado na sustentabilidade. Com a emergência de um apelo socioambiental decorrente da crítica ao modelo energético baseado em combustíveis fósseis, o governo brasileiro prospectou a oportunidade de se lançar no mercado de agrocombustíveis, por meio de incentivos à expansão da produção de etanol e de biodiesel. Embora a narrativa oficial esteja ancorada numa perspectiva de inclusão social da agricultura familiar, Tibúrcio (2011, p. 15) ressalta que a elevação deste tema ao centro das políticas públicas visou atender fundamentalmente os interesses do agronegócio da soja, que precisava de uma saída para o excedente de óleo produzido, e os fabricantes de veículos automotores, que vislumbravam se adequar às exigências da legislação ambiental.

O programa estabeleceu que na região Norte a oleaginosa a ser incentivada fosse o dendê, espécie exótica introduzida comercialmente nos anos de 1960. Por liderar a produção nacional de óleo de palma e de palmiste, o estado do Pará foi concebido nos planos do governo federal como o território principal para se alavancar a dendeicultura.

A primeira experiência oficial com dendê na agricultura familiar paraense ocorreu na comunidade de Arauaí, no município de Moju, em 2005, que envolveu 150 famílias, mediante articulação entre Governo do Estado, Prefeitura Municipal, BASA, Agropalma e FETAGRI.

Naquele mesmo ano começou a se desenhar a construção de um arranjo interinstitucional para fomentar a produção de dendê em terras da reforma agrária, nos municípios de Moju e Acará. Sob a coordenação de técnicos do INCRA/SR-01 e da Agropalma, foi proposto a celebração de um Termo de Cooperação Técnica entre MDA, INCRA, IBAMA, BASA, SECTAM, FETAGRI e empresas do complexo agroindustrial liderado pela Agropalma, o qual foi assinado em dezembro de 2005.

o etivo do ter o consistiu “na i plantação do projeto piloto integrado para até 504,00 (quinhentos e quatro) hectares e unidades da agricultura a iliar” (BRASIL, 2006, p. 2). Os projetos de assentamento escolhidos para a introdução da dendeicultura ora os PA’s al aria II, e o u, e al aria I, em Acará, os quais ficam situados no entorno dos grandes monocultivos da Agropalma. Contudo, apenas no PA Calmaria II a estratégia foi implementada, mediante o financiamento de 35 famílias.

O parágrafo único da cláusula primeira previu que “novas etas de áreas e assentamentos poderão ser incorporadas no projeto, no próprio período de 2005 e seguintes”, ediante a uste entre partes e or ali adas por inter édio de ter os aditivos. Pelo que temos conhecimento, nenhum novo aditamento fora realizado de 2005 a 2015.

Na cláusula segunda do instrumento celebrado ficou consignada a criação de uma equipe de coordenação, constituída por representantes do MDA, do INCRA e da A I, a ue ca eria a incu ncia de elar pela “inclusão social dos agricultores assentados”, con or e previsto na Instrução or ativa n /2 5, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Com base neste termo de cooperação, 35 famílias do PA Calmaria II foram financiadas pelo Banco da Amazônia, com recursos do PRONAF, à época na odalidade “A”, pr p rio para assentados de re or a agr ri a. As operações de crédito rural foram no valor individual de R$ 15.082,50 (quinze mil oitenta e dois reais e cinquenta centavos), com base em projetos técnicos para implantação de 6 (seis) hectares em cada unidade produtiva familiar. O custo médio para implantação de 1 hectare foi calculado em R$ 2.513,75 (dois mil quinhentos e treze reais e setenta e cinco centavos). Os projetos foram aprovados pelo agente financeiro em dezembro de 2005 e os plantios efetuados até março de 2006.

As condições de pagamento dos empréstimos consistiram em juros de 1,5% ao ano, com rebate de 40% no valor do principal em caso de adimplemento na integralização das parcelas, 10 anos para reembolso, dos quais 5 anos eram de carência. Desta forma, o vencimento do prazo de quitação dos financiamentos encerra em dezembro deste ano. Em visita técnica realizada pelo PPGEDAM/NUMA/UFPA ao PA Calmaria II, em junho de 2015, um dos presidentes de associação do assentamento, em conjunto com a técnica da Agropalma que

aco pan ava a e uipe, a ir ara ue todas as a lias “integradas” onrarão seus compromissos na íntegra junto ao BASA.

Fotografia 5 - Monocultivo de dendê no PA Calmaria II, Moju, 2015

Fonte: autor

ura nte a visita técnica “in loco” ora identi icadas v rias uestões importantes que merecem ser discutidas nestes trabalho, dentre as quais destaca os: o contrato de “integração” co o assunto uase proi i do; as transformações no perfil da mão-de-obra e o risco da pejotização; o modelo do sistema produtivo e a assistência técnica e; a reabilitação futura das áreas de plantio.

Observou-se que a empresa integradora exerce um tipo de coerção implícita nas a lias “integradas” co re er ncia a não pu lici ação dos contratos ir ados. Quando indagada na oportunidade a respeito da existência de cláusula de confidencialidade nos instrumentos que regem a relação entre empresa e assentado, a representante da Agropalma negou essa possibilidade, mas deixou claro que a parte que der causa ao uso indevido do documento será responsabilizada. Até o acesso às cartilhas que os técnicos da empresa distribuem aos agricultores foi vedado a nossa equipe, assim como qualquer fotografia e/ou gravação de áudio e vídeo durante a visita.

Outro ponto a se destacar é a iminente transformação no perfil da mão-de- obra utilizada na produção de óleo de palma nas áreas do assentamento. Sob alegação de estar cumprindo as diretrizes contidas no selo RSPO (Roundtable on

Sustainable Palm Oil), obtido em 2011, a Agropalma vem exigindo sistematicamente que os assentados formalizem a contratação de todos os trabalhadores que atuam nos tratos culturais dos dendezais, mediante a assinatura da carteira de trabalho, inclusive de membros do núcleo familiar e/ou parentes que antes trocavam dias de serviço ou realizavam mutirão. Pressionados pela empresa e suscetíveis a fiscalizações do Ministério do Trabalho, os agricultores são orientados a se articular a uma associação da comunidade vizinha de Arauaí que vem atuando como terceirizada na pejotização de trabalhadores do dendê. Aqui se evidencia um conflito social instalado na localidade.

A assistência técnica prestada pela empresa é exclusiva para o dendê e mostra-se alheia a dialogar com os agricultores sobre temas como diversificação produtiva e produção agroecológica. O pacote tecnológico difundido pelos técnicos está focado do produtivismo, no uso intensivo de agrotóxicos e na monocultura. Por sinal, os assentados “integrados’” são proi id os de introdu ir outras culturas agrícolas na área do dendê familiar.

O último ponto a se retratar consiste na reabilitação futura das áreas de plantio. Embora o ciclo de vida dos plantios já esteja caminhando para a fase de maturidade, notou-se que há uma profunda incerteza com relação ao destino destes espaços após os 25 anos do contrato. O que ficou demonstrado no discurso da empresa é que se os agricultores manifestarem interesse em reintroduzir um novo plantio na área a Agropalma se co pro eter e “arcar” co o custo da recuperação do solo degradado; caso os assentados não se rendam a esta condicionalidade, eles próprios terão que se responsabilizar pela reabilitação. Desta forma, ficam evidenciados os mecanismos da acumulação primitiva permanente, por meio da apropriação da renda fundiária e do esgotamento dos recursos naturais mediante o uso da terra para os monocultivos de dendê, sem a correspondente contrapartida social e avor das a lias “integradas”.

6.8 TRANSFORMAÇÕES NO USO DA TERRA E NA ESTRUTURA