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R ECONFIGURAÇÃO DAS REDACÇÕES DE MEDIA

4.1 Do apartheid à fusão

4.1.1 Da convergência à integração

O final dos anos 90 é marcadamente identificado como de convergência, ou seja o que etimologicamente é entendido como um facto ou fenómeno que tende para um limite finito, para um mesmo resultado ou para um ponto comum. Mas, do ponto de vista semântico e conceptual, Salaverría (2008:45) observa que a diversidade de definições que têm contribuído para a reflexão nem sempre concorrem para uma correcta e eficaz interpretação do fenómeno: “convergência”, “integração”, “media in transition”, “cross-media”, “multiplataforma”, “multimédia”…

Mas para sermos rigorosos com a reconstituição dos factos, há que recuar a 1978, e situar os aspectos que envolvem a Teoria da Convergência: Negroponte (citado por Silva, A.J.L., 2006:43) é o primeiro a manifestar intuição para um tipo de comunicação emergente, o que iria nascer e desenvolver-se na intersecção dos media com a informática.

Ithiel de Sola Pool, um dos profetas da convergência mediática, apresenta o conceito com maior amplitude

“Un processo llamado «convergência de modos» está difuminando las líneas entre los médios, incluso entre las comunicaciones entre dos puntos, como el correo, el telefono y el telégrafo, y las comunicaciones de masas, como la prensa, la rádio y la televisión. Un solo médio físico (ya se trate de cables o de ondas) puede transmitir servicios que en el pasado por un médio determinado (ya se ala rádio, la televisión, la prensa o la telefonia) hoy puede ofrecerse por vários médios físicos diferentes. Por consiguiente, se está erosionando la relación de uno a uno que solía existir entre un médio y su uso” (Pool, 1983 citado por Jenkins, 2008:21).

Em síntese, Pool defende que os elementos outrora desligados têm um destino comum,

“convergência entre modos de comunicação historicamente separados, cuja tecnologia electrónica está a conduzí-los em direcção a um grande sistema” (Pool citado por Silva, A.J.L., 2006:43).

Foi em meados dos anos 90 que o termo convergência deu nítidos passos no sentido da sua popularização e democratização ampliada. Gershon (2000) enquadra este fenómeno tendo por base a desregulação do sector das telecomunicações, a

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expansão da internet e a globalização dos mercados. Causas de natureza tecnológica, legal e económica (Chon et al., 2003) são apontadas como o motor do processo de convergência sectorial ao nível das telecomunicações, informática e mercado dos media. A singularidade de casos como o da American Online/Time Warner e Vivendi Universal inaugurou um período de alianças entre sectores tradicionalmente separados. Estes foram os rostos que marcaram uma época de crescentes aproximações e mestiçagens empresariais ao nível da indústria dos media e comunicação.

Na perspectiva de Quinn (2005) o processo de convergência nas redacções é fruto de um conjunto de pressupostos que, através de uma simbiose, originam formas renovadas de trabalho: espaço físico, estrutura organizacional, fluxos de produção, atitude dos jornalistas e equipamento tecnológico. Entendido como um processo e não algo acabado em determinado momento, os teóricos Dailey, Demo e Spillman (2005:152) propõem o “modelo de convergência contínua” diferenciando várias fases em constante e permanente ligação e transformação; Promoção cruzada, clonagem, coopetição (aglutinação de cooperação e competição), partilha de conteúdos e convergência.

Henri Jenkins define convergência como

“(…)el flujo de contenidos a través de múltiples plataformas mediáticas, la cooperación entre múltiples industrias mediáticas, la búsqueda de nuevas estructuras de fnanciación mediática que caen en los intersticios entre los viejos y los nuevos medios, y el comportamiento migratorio de las audiencias mediáticas, que irían casi a cualquier parte en busca del tipo de experiencias de entretenimiento que desean. (…) La convergência mediática designa una situación en la que coexisten múltiples sistemas mediáticos y en la que los contenidos mediáticos discurren com fluidez a través de ellos. La convergencia se entiende aqui como un proceso o una serie de intersecciones entre diferentes sistemas mediáticos, no como una relación fija” (2008: 276)19

19 Na obra Convergence Culture (2008), Jenkins aborda de forma mais pormenorizada outras nuances da

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Os contributos de David Domingo et al., através de Four Dimensions of Journalistic Convergence: A preliminary approach to current media trends at Spain situam esta questão em níveis de análise que assentam em factores como Integrated production, Multiskilled professionals, Multiplatform delivery, Active audience” (2007:2)

De acordo com Garcia Avilés (2006) o estudo específico da convergência de meios situa-se na leitura cruzada de quatro ângulos fundamentais: tecnológico, comunicativo, empresarial e profissional. Em termos metodológicos, e no que a esta investigação diz respeito, o enfoque está centrado nas perspectivas profissionais e laborais da convergência de redacções tendo em conta que diz respeito aos aspectos da organização da cadeia produtiva dos jornalistas, bem como às estruturas de decisão, ou seja, aos aspectos de organização empresarial. As questões de natureza tecnológica e comunicacional também são referenciadas mas num plano secundário e cingidas a reflexões de natureza pontual. Esta análise será apresentada no Cap. VI, mais concretamente no ponto 6.5 dedicado a analisar a Estrutura Organizativa da Redacção de Televisão Online.

É na viragem para o novo milénio que surge um conjunto de reflexões mais aprofundadas tendo-se acentuado, como refere Anabela Gradim, diversas convergências: “de grupos económicos; de media; de redacções no interior de um dado grupo; da forma de recolher e apresentar as notícias; e do próprio produto multimédia – que é novo – posto à disposição do público” (2002). A estes exemplos acrescentamos os identificados por Cebrián Herreros, nomeadamente, a concentração de produtoras, fornecedores de canais temáticos, conteúdos em plataformas, sistemas de difusão, estratégias convergentes, conteúdos e serviços, conteúdos partilhados e explorações múltiplas (2004:247-260). O autor sustenta ainda que “La convergencia puede crearse de dos maneras: convergencia de médios para que desde la empresa se desarrollen estratégias diferentes, y convergencia de medios para la máxima explotación de un tema en cada uno de ellos según sus características” (2004:277).

Sob o ponto de vista da convergência jornalística, Salaverría e Negredo sugerem uma abordagem centrada em processos multidimensionais articulados com plataformas múltiplas de informação e comunicação

149 “La convergencia periodística es un processo multidimensional que,

facilitando por la implementación generalizada de las tecnologías digitales de telecomunicación, afecta al ámbito tecnológico, empresarial, profesional y editorial de los medios de comunicación, propiciando una integración de harramientas, espacios, métodos de trabajo y lenguajes anteriormente disgragados, de forma que los periodistas elaboran contenidos que se distribuyen a través de múltiples plataformas, mediante los lenguajes propios de cada una” (2008:45)

Completamos o leque de perspectivas com o contributo de Jane Singer para quem a convergência se refere a

“some combination of technologies, products, staffs and geography among the previously distinct provinces of print, television and online media” (2004:3).

Para García Avilés (2006) este é um fenómeno que deve ser analisado através de quatro perspectivas fundamentais fortemente embebidas num ambiente de media em constante mutação: tecnológica, gestão, comunicativa e profissional. Todas estas vertentes traduzem diferentes aspectos de comunicação, intimamente ligados à modernização dos vários sistemas de media (tradicional e digital) através do fenómeno da digitalização, da forte influência da internet e da WWW. Cebrián Herreros sustenta que

“La tendencia a la vinculación plena de la televisión com internet armoniza las dos culturas precedentes, la escrita y la audiovisual, y apunta al nacimiento de la cultura convergente multimédia. En el sistema audiovisual ya se produjo una convergência de formas de expresión y de lenguajes. Ahora se genera el encuentro de dos mundos que han evolucionado por separado y que buscan la aproximación” (2004:215)

Ressalta desse contacto, um esforço de aproximação progressivo entre telecomunicações, informática, media, comunicações móveis e entretenimento. Convergência que, sob a batuta tecnológica, acentuou especificidades próprias de cada um dos meios, logo diferenciadoras, pouco dialogantes e por vezes incompatíveis (Pereira, 1996:66). “La convergencia de redacciones la podemos definir como la unión del esfuerzo creativo y de producción de redacciones tradicionales y digitales que antes estaban separadas”, sintetiza Álvarez de Armas (2004).

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A evolução e a compreensão mais cuidadas do fenómeno levaram a que a gestão dos meios e a consequente organização de recursos fosse objecto de transformações, encaminhando os projectos editoriais para uma lógica, teoricamente, mais coerente e madura. O emergente nascimento do hipermédia cataliza novos modelos de comunicação, reveladores de novas culturas assentes, entre outros, nos seguintes pressupostos teóricos: (i) incorporação dos media em formas híbridas de expressão através das redes multimédia; (ii) incremento da interactividade e, por conseguinte, da possibilidade do utilizador intervir, de utilizar a sua experiência e vontade na construção dos novos media e plataformas sociais; (iii) imersão do utilizador no ambiente internético; (iv) criação de novas narrativas, novas estratégias e formas que, baseadas nas antigas, exploram a não linearidade20.

Perspectivando uma autêntica “integração”, fruto da sinergia dos meios envolvidos, Cebrián Herreros preconiza um modelo convergente assente nos princípios que seguidamente se apresentam:

“- La heterogeneidad de canales integrados en ofertas de paquetes.

- La simultaneidad-secuencialidad convergente con canales temáticos de internet del mismo o diferente tema.

- La capacidad de interacción de canales. - La interactividad y búsquedas.

- Un usuário navegante y buscador exacerbado de contenidos, canales e interrelaciones de médios” (2004:205)

Através da proposta teórica de Salaverría e Negredo (2008:174), sintetizamos o que a dupla de autores considera ser um movimento que não se integra na corrente convergente, bem como as características que entendem ser mais evidentes para que o processo possa ser encarado como tal.

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Quadro 4 - O que é e o que não é a convergência

Convergência não é…

Convergência é…

Não é uma simples maquilhagem digital para perpetuar o jornalismo de sempre.

Uma reconversão integral da empresa jornalística de many media para multimédia. Não é um álibi para que o diário continue a

fazer o mesmo com menos pessoal.

É um procedimento para dar mais importância à informação que ao suporte. Não é uma anulação dos perfis dos jornalistas

É uma forma de aproveitar a força da marca para reconverter o media do Séc. XX num

media do Séc. XXI. Não é um tratamento de urgência cujo fim

principal é “salvar o jornal de papel”. Não é uma reconversão da redacção em

cadeias de montagem

Não é apenas uma mudança do produto.

É uma mudança de processo

Fonte: adaptado de Salaverría e Negredo, 2008

Salaverría e Negredo (2008) preconizam que as transformações do processo de convergência ocorridas na empresa de informação devem contemplar profundas alterações internas, que esquematicamente passamos a descrever:

a) Reorganização Interna: (i) Mudar o modelo de hierarquia da direcção; (ii) Reorganizar a redacção; (iii) Renovar a gestão comercial; (iv) Renovar as infraestuturas imobiliárias; (v) Implementar sistemas multiplataforma de gestão de conteúdos; (vi) Informar, formar e motivar.

b) Reorganização Externa: (i) Mudar radicalmente o produto; (ii) Da justaposição à redacção; (iii) Do monólogo ao diálogo.

c) Coordenação com outros meios do grupo: (i) Estabelecer uma mesa de redacção multiplataforma, com capacidade executiva; (ii) Avançar com um modelo multiplataforma; (iii) Reorganizar os procedimentos das cadeias editoriais.

Tendo em conta a diversidade de leituras e interpretações Roger Silverstone (1995) alerta para uma inevitabilidade conceptual - “Convergence is a dangerous Word”. Vários rostos, diferentes contextos, diversas apropriações conduzem a uma multiplicidade de abordagens. Longe de ser um ponto de chegada, convergir é, fundamentalmente, um processo construtivo, de natureza complexa e sistémica, catalizador de recursos, síntese de vontades, ambições e entusiasmos em busca de objectivos comuns.

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