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ANÁLISE INTERNA S (Strenghs)

2.3 Variações sobre a intervenção e o reconhecimento do público

2.3.2 Povo, massa, multidão, público e self – interpretações do colectivo ao particular

2.3.2.3 Multidão e Público

No início do Século XX, Gabriel Tarde9 teve a noção de que estava a começar a

“era do público ou dos públicos”, numa clara oposição à “era das multidões” defendida por Gustave Le Bon (1920). Considerado o pai fundador das Ciências da Comunicação, concebeu o conceito de público como actor socio-político e defendeu que “o público é indefinidamente extensível e, como à medida que ele se estende a sua vida particular se torna mais intensa, não podemos negar que ele não seja o grupo social do futuro” (Tarde citado por Gurvitch, 1979:187).

A inovadora perspectiva e interpretação do autor leva-o a considerar que "o público, de facto, (...) é uma multidão dispersa, onde a influência dos espíritos uns sobre os outros [interpsicologia] tornou-se uma acção à distância, em distâncias cada vez mais grandes. (...)" (Tarde citado por Antunes, 2002). A sua capacidade visionária e o interesse específico num estudo sincrónico do público, nas suas múltiplas formas de interacção com a imprensa, mantêm ainda alguma actualidade, apesar dos evidentes avanços interpretativos do conceito, quer em extensão, quer em profundidade.

É particularmente interessante notar que não existe palavra, em latim ou em grego, que corresponda àquilo que entendemos por público. Encontramos palavras que designam o povo, a assembleia de cidadãos, multidões diversas, mas será legítimo questionar se algum pensador ou escritor da antiguidade ambicionou falar em público!? A difusão da mensagem, forçosamente circunstanciada, circunscrevia-se ao pequeno auditório e os esparsos manuscritos copiados à mão tinham uma penetração muito limitada – “não tinham nenhuma consciência de formar um agregado social, como no presente os leitores de um mesmo jornal ou, às vezes, de um mesmo romance da moda” (Tarde, 2004:6).

9 Da sua obra destacam-se as abordagens teóricas contidas em Le public et la foule, La Revue de Paris,

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Em plena Idade Média, a questão do público ainda não era evidente, reduzindo-se a episódicas feiras e peregrinações, contextos mais propícios a multidões tumultuosas do que à constituição de uma plateia estruturada de acordo com um perfil definido.

Identifica-se o nascimento da noção de público com o desenvolvimento da invenção da imprensa no Séc. XVI. Ela funcionou como a mola do pensamento, do conhecimento, conseguindo transportar a longas distâncias a força da mensagem livresca em letra impressa. Ainda assim, as limitações na difusão eram assinaláveis já que os (poucos) livros publicados chegavam apenas a uma estreita elite, limitando grandemente a possibilidade de democratizar o seu acesso amplo e livre.

Vai ser apenas no Sec. XVIII que o público regista um significativo crescimento a par de um fenómeno de fragmentação da sua própria constituição. Na segunda metade deste século, “um público político nasce, cresce e logo, em seus transbordamentos, ele absorve, – como um rio absorve afluentes, – todos os outros públicos: literário, filosófico, científico. Todavia, até a Revolução, a vida do público teve pouca intensidade por ela mesma e não teve importância senão pela vida da multidão, a qual se relaciona ainda, pela animação extrema dos salões e dos cafés” (Tarde, 2004:7). Mas será com a Revolução Francesa e com o advento do jornalismo que conceptualmente se destrinça a circunstanciada multidão, constituindo-se a noção de público de modo mais consistente e diferenciado de outros conceitos vizinhos.

Apesar das evoluções históricas, “Estava reservado a nosso século, por seus processos de locomoção aperfeiçoada e de transmissão instantânea do pensamento a qualquer distância, dar aos públicos, a todos os públicos, a extensão indefinida da qual eles são suscetíveis e que aprofunda entre eles e as multidões um contraste tão marcante. A multidão é o grupo social do passado; após a família, ele é o mais antigo de todos os grupos sociais. Ela é, sob todas as suas formas, de pé ou sentada, imóvel ou em marcha, incapaz de estender-se além de um fraco raio; quando seus líderes deixam de a ter in manu, quando ela cessa de ouvir suas vozes, ela se dissipa. (…) Mas o público é indefinidamente extensível, e como, à medida em que ele se estende, sua vida particular torna-se mais intensa, não se pode negar que ele não seja o grupo social do amanhã. Assim, formado por um conjunto de três invenções mutuamente

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auxiliares, – imprensa, ferrovias, telégrafo, – o formidável poder da imprensa, esse prodigioso telefone, engrossou desmesuradamente o grande auditório dos tribunos e dos pregadores”(2004:9).

Face ao exposto, apresenta-se frágil a tese de Le Bon ao considerar a nossa época a “era das multidões”. E a leitura mais fina entre os dois conceitos permite constatar o quanto as fronteiras entre ambos, por vezes, se aproximam, perigosamente:

“Pode-se pertencer, ao mesmo tempo, e de fato pertence-se sempre simultaneamente, a muitos públicos como a muitas corporações ou seitas; não se pode pertencer senão a uma única multidão de cada vez. Daí a intolerância muito maior das multidões e, por conseguinte, das nações onde domina o espírito das multidões, porque o ser, aí, é tomado por inteiro, irresistivelmente arrastado por uma força sem contrapeso. Daí a vantagem atrelada à substituição gradual das multidões pelos públicos, transformação que se acompanha sempre de um progresso na tolerância, senão no ceticismo. É verdade que, de um público superexcitado, como ocorre freqüentemente, jorram às vezes multidões fanáticas que passeiam pelas ruas gritando viva ou morra não importa o quê. E, nesse sentido, o público poderia ser definido como uma multidão virtual. Mas esta queda do público na multidão, se ela é perigosa no mais alto grau, é, em suma, muito rara; e, sem examinar se essas multidões nascidas de um público não são um pouco menos brutais, malgrado tudo, que as multidões anteriores a qualquer público, resta evidente que a oposição de dois públicos, sempre prestes a se fusionar em suas fronteiras indecisas, é um perigo bem menor para a paz social que o encontro de duas multidões opostas” (Tarde, 2004:10).

Apresenta-se evidente que, embora o público preceda da multidão, é enorme a distância que os separa. Embora aparentemente metafórica, a multidão entendida como agrupamento mais natural é “mais escrava das forças da natureza” já que “depende da chuva ou do bom tempo, do calor ou do frio; ela é mais freqüente no verão que no inverno. Um raio de sol a reúne, um aguaceiro a dissipa” (2004:10).

Quanto ao público, “não se submete a essas variações e a esses caprichos do meio físico, da estação ou mesmo do clima. Não apenas o nascimento e o crescimento, mas as próprias superexcitações do público, doenças sociais surgidas neste século e de uma gravidade sempre crescente, escapam a essas influências”(2004:11).

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Temporalmente oposta, a noção contemporânea de público mantém pontos de contacto com as propostas de Tarde, ainda que socialmente integradas em contextos sem comparação. Ampliou-se a complexidade do seu estudo bem como o espaço de intervenção do conceito não cingido ao espaço mediático; cruzaram-se múltiplos fenómenos de natureza diversa; redefine-se, por este dias, o conceito associado aos novos mecanismos de comunicação e às plataformas tecnológicas. Esta é a era do público ou dos públicos. E os públicos são crescentemente especializados, pulverizados, fragmentados, diferenciados, transversais, micro-segmentados até níveis impossíveis de prever com total exactidão.

2.3.2.4 “We, the Media”

Uma das mais significativas alterações da identidade gráfica do jornal “Público”10 deixou bem patente que as transformações, motivadas pela alavanca

tecnológica, conduziram os criativos a desenvolver uma campanha publicitária baseada neste aforismo: “O mundo mudou. O mundo é público”. Foi nesse sentido que se desenvolveu a promoção de um conceito11 que, entre outros, frisa o envolvimento

dos leitores na elaboração do jornal, tendo a campanha partido de dois pressupostos gerais – o de que existe um novo público e novas formas de liberdade de expressão, afirmação e actuação.

Um novo público que se manifesta em novos leitores (porque veem televisão de outra maneira, porque leem jornais na «diagonal», porque para quase tudo vão procurar à internet, porque também leem e gostam de trivialidades e porque têm menos tempo). Por outro lado, as novas fontes de informação, materializadas nos e-mails , blogues, youtube, messenger e telemóvel configuram renovadas formas de liberdade de expressão. Neste sentido, o Público, enquanto órgão de informação, assume o

10 O grupo Sonae, proprietário do jornal referiu-se nestes termos ao lançamento da nova imagem

anunciada no site a 8 de Fevereiro de 2007, mas nas bancas a 12 do mesmo mês: “O Público acaba de lançar a campanha de revelação do novo Público, apresentando a identidade visual do novo jornal. (…) A assinatura "O mundo é Público" pretende transmitir o novo papel de "Farol" num mundo abundante em informação e opinião que o Público pretende assumir. O novo Público assumirá escolhas, continuará a pautar-se por elevados padrões de qualidade jornalística e apresentará opinião diversificada mantendo a linha editorial em vigor desde a sua fundação. In [http://www.sonae.com], consultado em 6 de Junho de 2007.

11 O enquadramento aqui apresentado só foi possível pela prestimosa colaboração do jornal Público ao

ter disponibilizado informação relativa à campanha publicitária, bem como aos seus pressupostos teóricos, sociais e técnicos.

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protagonismo ao “rasgar novamente com o panorama editorial actual” (Público, 2009), usando utensílios comunicacionalmente fortes.

As novas formas de expressão surgem, nesta campanha, enquadradas por duas ideias fundamentais: a de que a informação está em todo o lado e acessível a qualquer momento e a de que qualquer pessoa pode contribuir. A este propósito, defende Concha Edo que “até agora os meios dirigiam-se a grandes grupos de pessoas mais ou menos indefinidos: eram os meios de comunicação de massas e o seu discurso tinha uma aparência quase monolítica. Mas essas dimensões mudaram para se dirigirem à personalização, a pequenos grupos com entidade própria que reclamam um tipo concreto de informação” (2006:7).

Assim, o consumidor é visto como personagem activa, tendo passado de receptor a produtor – surge um novo consumidor que entra em diálogo, que responde, que questiona, que pede, que acrescenta, que reformula, que informa, que cria.

Os vídeos de apoio à referida campanha englobam as palavras-chave de um jornal que se quer renovar nas formas de escrever e de mostrar e no modo como se relaciona com o seu público. Num deles, o de dimensão mais breve, sublinham-se as seguintes ideias:

“Vivam as novas palavras de ordem, Vivam os novos votos,

Vivam o cidadão repórter e o telemóvel com fotos, O mundo mudou, o mundo é público.

Há novos pontos de vista, novas opiniões, E um novo caderno P2

Todos os dias com o novo Público” (Fonte: Público, 2009)

Num outro vídeo promocional, a linguagem utilizada centra-se nas ferramentas de comunicação:

“Viva a net o blogue

Vivam os novos cantores de intervenção E os novos activistas

Vivam as novas fontes e os novos jornalistas Viva a flash mob e a nova publicidade Viva o mp3 e o Youtube

66 Vivam as novas causas e a claque do meu clube

Vivam as novas palavras de ordem Vivam os novos votos

Viva o cidadão repórter e o telemóvel com fotos Viva a reportagem e a coragem

Vivam o sim e o não Viva o debate Viva a opinião”

O mundo mudou, o mundo é Público” (Fonte: Público, 2009).

A intervenção do jornal é bem reveladora de que há um conjunto de novos pressupostos que influenciam o modo de fazer jornalismo: (1) novos contextos sociais, políticos, culturais, instrumentais, tecnológicos, organizativos; (2) novas práticas jornalísticas (na redacção e no exterior); (3) novas relações de multimidialidade e de integração de ferramentas web e associadas; etc.

A mais recente campanha publicitária retoma, coerentemente, os princípios enunciados, acentuando a diversidade dos públicos e a sua capacidade de intervenção no espaço dos media. Seguidamente, transcrevemos os textos que serviram de slogan aos vários suportes de publicidade, com particular destaque para os meios impressos e vídeo:

“Eu sou o Público do papel para saber tudo,

da Net para saber já e do telemóvel para saber onde quer que esteja”. (4.4.2009)

“Eu sou o público Do dá que pensar. Do António, do Mec, Do Vasco, do Pacheco Sou o público da opinião

Com nome próprio. (6.4.09)

“Eu sou o público Que se torce, Que se contorce, Que se parte a rir. Sou o público Do inimigo público No papel e na net (9.4.09)

“Eu sou o público Da independência, Do doa a quem doer Do que tem que ser Do dever.

Sou o público Da verdade”. (5.4.09)

“Eu sou o Público dos comentários, das votações, dos fóruns. Eu sou o Público do teclado

que não cruza os braços (9.4.09)

“Eu sou o público do desconhecido, do nunca fui, do largar tudo. Do desaparecer, Do vou ali E já volto Eu sou o público do fugas(Abr. 2009) “Sou o público De domingo. Do passeio pelas Crónicas, tendências E reportagens Para ler com calma. Eu sou o público da pública (Abr. 2009) Eu sou o público Do cinema, Da música, Do teatro, Do livro. Sou o público De X coisas,

Sou o público do Ípsilon (Abr. 2009)

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Em ambas as campanhas publicitárias de auto-promoção, o jornal Público coloca-se no centro da discussão sobre o papel do público na sociedade contemporânea questionando o seu protagonismo, como se manifesta, qual a sua influência, como se constrói o seu espaço e se exerce a opinião pública. Esta forma de estar faz ressonância de algumas ideias defendidas, entre outros, por Dan Gillmor. Em Nós, os Media, o autor (re) enquadra a definição do papel dos jornalistas, do objecto das notícias e dos receptores, no contexto dos “novos media”, com tudo o que implicitamente se encontra em jogo – novos paradigmas de comunicação, novas formas de aceder, trocar, partilhar e construir informação, novas formas de sociabilidade, entre outras. Gillmor, entusiasta das novas partilhas e cumplicidades defende que “a possibilidade de qualquer um produzir informação dará voz a pessoas que a não têm tido. E precisamos de ouvir o que elas têm a dizer-nos. Para já, estão a mostrar a todos e cada um de nós – cidadão, jornalista, objecto da notícia – que existem novas formas de falar e de aprender” (2005:19).

Acérrimo defensor do papel do público na construção da paisagem mediática, Gillmor diz estar inaugurada uma relação concreta com as redacções e com as notícias no que aos factos da actualidade diz respeito – “através do e-mail, das listas de correio electrónico, dos grupos de diálogo, dos jornais pessoais na web – tudo fontes não habituais de notícias – conseguimos obter um conjunto de factos e circunstâncias que os grandes meios de comunicação americanos não quereriam, ou não poderiam, fornecer” (2005:12). Através dos mesmos instrumentos, exercita-se com maior expressão e impacto, a participação do público ao nível da opinião na tomada de posição sobre assuntos vários. O jornal Público, tudo indica, enquadra-se no desejo manifestado pelo jornalista e bloguer – “Gostaria de ver os órgãos de informação encorajar o «cidadão-repórter», as pessoas que desejam relatar o que se passa em limites amplamente definidos da vida social da comunidade” (2005:19).

Gillmor considera que os grandes meios de comunicação olhavam a notícia como uma “palestra” mas que o actual momento tem mais a ver com uma “troca de ideias ou com um seminário”. É neste sentido que segue e defende uma internet colaborativa, dispositivos P2P, e toda a parafernália instrumental associada às formas de sociabilidade no ciberespaço. É pois objectivo do autor defender o “emergente

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jornalismo de publicação pessoal” na senda de uma “cidadania verdadeiramente informada” (2005:19).

O potencial de intervenção encontra denominações e abordagens diferenciadas, tendo em conta os autores e o enquadramento conceptual em que se estruturam. A era do “cidadão-repórter”, no dizer de Gillmor, impõe novas regras na vida pública, sintetizadas em três ideias fundamentais:

“A primeira, diz-nos que toda a espécie de estranhos pode imiscuir-se mais profundamente nas empresas e nos negócios das fontes, onde podem disseminar melhor o que sabem e fazem-no com maior rapidez. E, ainda, que nunca foi mais fácil congregar gente que pensa da mesma maneira de modo a apoiar, ou a denunciar, uma pessoa ou uma causa. Ao aceder aos meios de comunicação, o público tornou-se um formidável esquadrão da verdade.

Em segundo lugar, as pessoas do meio fazem parte do fórum. Já não há fugas de informação. A informação irrompe, através de todas as barreiras de protecção, sob a forma de mensagens rápidas, de e-mails e de chamadas telefónicas.

Terceiro, o que dali sai pode adquirir força própria, mesmo que não seja verdade”(2005:59-60).

Entre as muitas propostas defendidas por Gillmor, e não pretendendo sequer sintetizar o seu conjunto teórico, há no entanto uma frase que traduz a mudança de paradigma de um modo muito evidente: “Partir da base, do cidadão comum, para o centro de poder, é um empreendimento bastante mais difícil, mas potencialmente mais compensador” (2005:114). Vai nesse sentido, e com uma tendência crescente, a participação dos cidadãos nas mais variadas ferramentas da web interactiva: blogs, peer-to-peer, rss, sms, mms, wiki, mailing list, fórum, chat. Como? Através do diálogo alargado, dos canais de comunicação em open source, na renovação dos princípios de cidadania, no desejável respeito pelas normas éticas e deontológicas do jornalismo, na confiança crescente que se pretende, já não entre produtores e consumidores, mas entre produtores-consumidores em larga escala.

Longe de se reduzirem a mecanismos de comunicação, na essência tais instrumentos constituem a plataforma de um novo jornalismo que tem tomado forma desde o final dos anos 80, um movimento que, longe de ser pacífico e consensual, tem

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por isso mesmo estimulado alguns dos mais apaixonantes debates sobre os muitos rostos do jornalismo. O novo jornalismo, de acordo com Traquina (2003:9) responde por diferentes nomes – ““jornalismo comunitário” (Craig, 1995), “jornalismo de serviço público” (Shepard, 1994), “jornalismo público” (Rosen, 1994; Merritt, 1995) e “jornalismo cívico” (Lambeth e Craig, 1995)”.

Os contributos anteriormente sintetizados conjugam-se colectivamente com uma vaga profundamente optimista face à intervenção do público e do seu crescente protagonismo na paisagem mediática. Bowman e Willis acrescentam a variação de jornalismo participativo – “o acto de um cidadão ou grupo de cidadãos que têm um papel activo no processo de recolha, análise, produção e distribuição de notícias e informações. O objectivo desta participação é oferecer a informação independente, fidedigna, variada, precisa e relevante que uma democracia requer” (2003:9). Não isenta de crítica, a afirmação deposita nos cidadãos intervenientes uma capacidade técnica e ética, que apenas aos jornalistas é exigível. Assim, será oportuno questionar se esta é efectivamente uma informação “independente” e “fidedigna”, ou se estará enviesada por interesses particulares e corportivistas?

Não sendo este o contexto de discussões alargadas sobre esta matéria em função do objecto em análise, interessa reter deste debate que, independemente das posições e nuances conceptuais, poderemos designar como jornalismo cívico “todo o jornalismo que contribuiu para a formação de um espaço público” (2003:19). Manifestando discordância total face à vulgarização do conceito de jornalismo, e fundamentalmente sobre a sua indistinta utilização pelo cidadão comum, defende-se que a sua prática não seja indistintamente generalizada. Ao cidadão compete, cada vez mais, ser um actor no processo mediático, mas não se substitui ao papel de jornalista. Defender o jornalismo cidadão pode ser tão caricato quanto a medicina cidadã ou a engenharia cidadã!12

12 Os contributos de Sylvia Moretzsohn e António Fidalgo são coincidentes na medida em que a

investigadora brasileira rejeita a possibilidade de, por via das tecnologias, qualquer pessoa poder afirmar-se como jornalista. Fidalgo por seu lado frisa que “o jornalismo-cidadão retoma a ilusão redentora da tecnologia. Sempre que uma nova tecnologia surge, as suas potencialidades são celebradas com euforia” (2009:222). No seu entender “a ilusão do jornalismo-cidadão assenta na confusão entre «informação acessível a todos» e «notícia». Ora sendo a notícia resultante da actividade

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No entanto, e face à evidência de várias situações ocorridas na era internética (Tsunami - 2004, Queda de um avião ao largo de Nova Iorque – 2009; Eleições Presidenciais no Irão – 2009, etc.) apresenta-se como inevitável reconhecer que o jornalismo cidadão e a Web 2.0 traduzem um novo modelo de formação da opinião pública. O padrão actual de intervenção por parte do público leva a afirmar que há uma transição qualitativa da figura do espectador ao protagonista da acção. “Fruto de ello, avanzan hacia la recuperación de su condición de sujetos políticos dotados de autonomia, margen de maniobra y capacidad de influencia para articular y dar forma al debate público. En este marco, la opiniós pública 2.0 asume un caráter discursivo y