• Nenhum resultado encontrado

Resistências do ensino – a consolidação da massa crítica

C ONDICIONANTES DO D ISPOSITIVO M EDIÁTICO

– FACTORES DE BLOQUEIO E DE ACELERAÇÃO

3.2 Resistências do ensino – a consolidação da massa crítica

Os aspectos de natureza técnica e comunicativa podem atingir um nível de profundidade que estabelecem a diferença entre quem dá os primeiros passos na Internet e os veteranos do suporte digital de comunicação. A importância e o impacto dos vários entraves variam, naturalmente, consoante o grau de literacia dos seus utilizadores.

Prosseguindo a análise crítica às condicionantes ao dispositivo em plataforma digital, constata-se que a explosão da Internet não convocou, por antecipação, nenhuma escolaridade actualizada, especialização em técnicas, linguagens e atitudes.

108

De base socrática, o ensino tradicional, linear, sequencial e expositivo, cruza-se agora com o modelo oposto: não linear, não sequencial, a distância e, entre outros, multimédia, interactivo e hipertextual.

Assim, a escola à maneira antiga tem vindo a incorporar a nova cartilha digital, radicando a sua acção em renovadas formas de organizar a informação, de estabelecer as relações de ensino-aprendizagem, etc. De modo mais céptico ou mais receptivo, o problema da mudança afirma-se como uma condicionante ao digital, lutando permanentemente numa estratégia de afirmação. Ao nível do consumo, a iliteracia face ao digital também configura um constrangimento na evolução e incorporação do modelo binário. O desconhecimento, ou a ausência de contacto com as novas formas de comunicação representa um bloqueio social involuntário, constituindo uma das mais duras batalhas a travar na sociedade da informação e da comunicação.

As dificuldades de apropriação e domínio do fenómeno digital, em bom rigor, encontram parte da sua justificação num problema que se encontra a montante da estrutura organizativa das empresas de comunicação social. Neste caso, a emergência e a explosão do fenómeno digital na esfera jornalística não permitiu que a Universidade pudesse dar a resposta imediata e urgente que o mercado declaradamente impunha. Face à imposição do digital, surgiram, posteriormente, disciplinas, áreas científicas, cursos superiores, breves e médios que têm manifestado ambições diferenciadas: (1) reflexão e conceptualização face aos desafios da renovação tecnológica e mediática, por parte da esfera académica; (2) disponibilização de formações de dimensão variável procurando responder, objectivamente, a necessidades instrumentais prementes por parte do mercado. Tejedor Calvo assinala que

“Si la llegada de la Revolución Industrial motivó la creación de las ‘escuelas de arte y oficio’, la difusión de las tecnologías digitales ha promovido el nacimiento de nuevas instituciones (como las escuelas de diseño digital o interactivo) y programas específicos de formación dentro de las universidades” (Tejedor Calvo, 2006:320).

Manuel Castells acusa a lentidão do universo académico face à ebulição que a Internet veio provocar no espaço social, na economia, na política, etc. No entender do

109

investigador “A velocidade das transformações não tem permitido ao mundo da investigação académica manter-se em dia com o “como” e o “porquê” da sociedade e da economia baseada na Internet, com uma produção adequada de estudos empíricos” (2004:17). Castells entende que face a esse vazio, a “ideologia e os rumores têm permeado a nossa compreensão desta dimensão fundamental das nossas vidas” (2004:17), cruzando-se testemunhos que vacilam entre o maravilhoso discurso profético e a distopia crítica.

João Messias Canavilhas assinala que

“As instituições de Ensino Superior, organizações tipicamente conservadoras, reagiram tardiamente à nova realidade digital. A introdução de disciplinas ligadas às novas tecnologias nos planos de estudos foi mais lenta do que a digitalização dos meios de comunicação, criando-se um desfasamento entre as necessidades do mercado e a oferta formativa. A implementação do Processo de Bolonha no Ensino Superior Português surgiu como uma boa oportunidade para recuperar o tempo perdido, mas a criação de novas disciplinas nos planos de estudos ficou desde logo condicionada devido à passagem das antigas licenciaturas a cursos de 1º ciclo, com a obrigatória redução de 4/5 anos para 3 anos de formação”(2009:50).

A este respeito, e face às alterações operadas pelas plataformas digitais, Morris e Ogan defendem que “Uma nova tecnologia da comunicação como a Internet permite aos académicos repensarem, em vez de abandonarem, definições e categorias. Quando a Internet é conceptualizada como um mass medium, o que se torna claro é que nem a massa, nem o meio podem ser definidos precisamente para todas as situações, sendo antes continuamente rearticulados, dependendo da situação” (Morris e Ogan, 1996:42 citados por Lima Júnior, 2004).

A prática tem mostrado que, a proliferação de estudos sobre este domínio tem aumentado o conhecimento, a crítica e o saber sustentado face à inconstância das novas formas. A proliferação de trabalhos realizados contrasta hoje com as inquietações que Morris e Ogan assinalavam, de crítica à esfera da pesquisa por ignorarem o potencial de investigação e reflexão em torno, fundamentalmente, da Internet. Constatam os autores que

110 “O computador enquanto nova tecnologia da comunicação abre aos

investigadores um espaço para repensarem as suas teses e categorias e, talvez mesmo para encontrarem novas perspectivas em relação às tecnologias tradicionais de comunicação” (Morris e Ogan, 1996:36 citados por Lima Júnior, 2004).

Também Hélder Bastos assinala que

“em parte, a Internet passou-lhes ao lado [dos académicos] por, no início, ter sido construída em âmbito restrito” (Bastos, 2000:33).

Lentamente no arranque da revolução digital, de modo surpreendente anos depois, uma legião de investigadores de diferentes domínios do conhecimento que atravessa a sociologia, a filosofia, a história, as ciências da comunicação e da linguagem, etc., investiram claramente numa área de ponta de planetário impacto social. Simultaneamente, essa capacidade crítica contagiava saudavelmente os planos de estudo de cursos na área da comunicação e das tecnologias, ou mesmo fazendo criar formações de raiz. Tal investimento tem revelado parcial consonância com o mercado, deixando claro que

“A qualidade do conteúdo é o grande mistério oculto das comunicações atuais, e é para aí que os planos de ensino e os futuros profissionais do setor deveriam direcionar suas principais áreas de interesse. Uma qualidade que, sem a teoria nos planos de ensino, é impossível alcançar” (Ficarra, 2001 citado por Lima Júnior, 2004)

Mais atenta às transformações operadas, a Universidade tem realizado algumas mudanças no domínio do ensino devendo, no entender de Corrêa, integrar um leque de competências e de capacidades que seguidamente se apresentam:

“Uso de ferramentas para reportagens assistidas por computador; uso da Internet como fonte jornalística; construção de textos com o conceito de hipertexto (profundidade e amplitude), levando a uma nova lógica/arquitectura da informação; ter uma nova noção de público e comunidade funcionando como ponte; gerenciar uma diversidade de variáveis não-jornalísticas que vão desde o espectro técnico até administrativo; criar uma ética, entre outras” (Corrêa, 1998 citado por Lima Júnior, 2004).

111

De forma mais ou menos nítida, vamos encontrando alguns dos princípios enunciados, na certeza de que, um longo e nem sempre linear caminho, terá de ser percorrido. Daniela Bertocchi sublinha a necessidade de

“formar profissionais para o contexto digital”. “A expectativa é que nos próximos anos os profissionais se adaptem às características próprias das tecnologias, satisfazendo as novas demandas da sociedade da informação. As universidades devem, portanto, assumir a formação de jornalistas para esse fim “ (2006:172).

Face ao contexto de inovação emergente e permanente, constata Santiago Tejedor Calvo que o modo como tem sido feita a incorporação do ciberjornalismo nos planos de estudos das licenciaturas em jornalismo está ainda numa fase muito “incipiente”. Sinteticamente, o autor identifica as principais barreiras à incorporação do ciberjornalismo determinando as que considera serem absolutamente evidentes: i) A ‘juventude’ do ciberjornalismo; ii) Barreiras burocráticas; iii) Necessidade de mudar o plano de estudos actual; iv) Recusa dos docentes; v) Necessidade de formar docentes; vi) Dificuldade em identificar um conjunto de temas matriz sobre o ciberjornalismo; vii) Falta de coordenação entre docentes e disciplinas e viii) Falta de infra-estruturas próprias (2007:38).

Neste sentido, embora assistamos à consolidação gradual deste campo de investigação e da sua influência na organização e práticas profissionais Javier Díaz Noci, ao analisar o ciberjornalismo, profissão e academia aponta dificuldades e problemáticas ainda não ultrapassadas

“La investigación sobre el ciberperiodismo y la producción de tesis doctorales en torno a este tema avanzan ya, sin prisa pero sin pausa, y están estableciendo un nuevo campo de estudio, que no rehúye la disquisición académica acerca de si el modelo conocido y dominante de práctica informativa ha entrado o no en crisis, y si el paradigma basado en los postulados que otrora parecían inamovibles en la Redacción periodística, como la objetividad, la imparcialidad, etc., está siendo superado por outro(…)” (2004:9).

112