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A MISSIONAÇÃO JESUÍTICA EM TEMPOS DE PRIVILÉGIO

1.1. DA CRUZADA À MISSIONAÇÃO

A inserção dos inacianos nos assuntos da Coroa portuguesa se deu no início da década de 1540, momento em que D. João III promoveu profundas reformas político-sociais em Portugal que, em seus aspectos gerais, representavam uma resposta dos monarcas católicos aos problemas que o século XVI lhes impunha, fosse ao âmbito europeu fosse ao cenário ultramarino.

Entretanto, podemos considerar que a confessionalização de Portugal ocorreu muito antes do século XVI, e esse dado é importante porque, a partir dele, podemos entender melhor a essência da associação de poderes que possibilitou a Companhia de Jesus a assumir um privilegiado papel na construção do império português.

O reino de Portugal nasceu católico. Em 1140, Afonso Henriques, então governador do condado portucalense, usou o título de rei de Portugal após o movimento de unificação e reconquista do território peninsular dominado pelos mouros desde o século VIII. Este movimento teve um acentuado caráter religioso, pois ao mesmo tempo em que se reconquistou o solo pátrio, combateu-se os “infiéis” muçulmanos, ou seja, o espírito de guerra santa medieval que motivava a retomada de Jerusalém, tomada pelos turcos, foi utilizado também na Reconquista.

Não parece ter sido por outra razão que a Igreja Católica atribuiu uma origem divina a Afonso Henriques e o sacralizou; e que, em retribuição, o monarca proclamou vassalagem ao papa e ofereceu suas terras ao patrimônio de São Pedro. Manobras políticas, se quisermos, mas que não deixaram de provocar um profundo impacto na identidade da nação que nascia. Para um povo que acreditava que seu príncipe era predestinado desde o nascimento a libertá-los do jugo muçulmano, a sacralização de Henriques não tornava apenas a Coroa portuguesa católica, como também imbuía seus súditos de um sentimento de “povo eleito” que trabalharia pela defesa da nação e da fé de seu rei, daí Riolando Azzi afirmar que “não era (...) apenas a dinastia lusitana a ser considerada sagrada, por escolha e predestinação divina. Ao fundar o trono, Deus escolhera o próprio povo. Na predileção pela monarquia, Deus fizera também a opção pelos lusitanos”.2

2 AZZI, R. A cristandade colonial: um projeto autoritário. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 61. Embora fosse o reino considerado sagrado, e não apenas o rei, é preciso considerar que alguns monarcas europeus

25 Em análise complementar, José Caldas considerou a entrega das terras portuguesas ao patrimônio de São Pedro como uma ação de reverência moral e de caráter religioso, algo comum ao tempo e circunstâncias políticas em que o fato ocorreu.

Isso porque o papa, para além de representar um poder político na península Ibérica, era a personificação de um princípio espiritual. Ao transformar Portugal em uma espécie de feudo pontifício, o primeiro rei legitimou seu “ato popular que o transform[ou] de dux portugallensis em rex (...). Era preciso, [afinal], que o árbitro de todos os potentados da terra, intitulando-se com particular e imediato poder sobre as Espanhas, se pronunciasse a respeito dum facto da maior importância.3

Nascia, assim, uma estreita relação de fidelidade entre a nova Coroa e a Santa Sé, onde o povo lusitano, e não somente o monarca, passava a gozar de uma proteção espiritual oferecida pelo Vigário de Cristo nas suas futuras incursões contra os “infiéis”.

E a Cruzada, fosse ela na península ou para além das fronteiras da Europa, ressoou não apenas na religiosidade fervorosa do povo lusitano, sua característica mais destaca, como também na configuração de suas fronteiras e de sua atuação no mundo.

Entre fins do século XII e meados do século XIII, a cúria romana promulgou diversas bulas que estimulavam os lusitanos a lutarem contra os inimigos da fé católica presentes na península Ibérica, fossem eles os reis que a Igreja considerava como apóstatas ou os sarracenos, os “infiéis espanhóis”.4 Ainda no século XIII, outros documentos pontifícios estenderam a Cruzada peninsular à Palestina, já que faziam o

estavam comprometidos com um ideal de salvação. Segundo a tradição medieval de persona mixta, o rei cristão distinguia-se das demais pessoas porque vinha ao mundo não apenas por sua condição natural, mas sagrada, ou seja, pela graça de Deus à escolha da sua função: na tradição bíblica, Deus é o rei celestial, eterno. O monarca, então, transfigurava-se como rei “deificado” por um período determinado na Terra em virtude de sua graça. Tido como a personificação de Cristo, imbuía-se também da missão salvacionista, já que Cristo, quando de sua estada no mundo terreno, dedicou-se a salvar as almas dos mortais. Sobre a questão ver KANTOROWICZ, E. Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 17-71.

3 CALDAS, J. História da origem e estabelecimento da Bula da Cruzada em Portugal, desde a sua introdução no Reino em 1197, até a data da última reforma do seu Estatuto Orgânico em 20 de setembro de 1851. Coimbra: Coimbra Editora, 1923, p. 41.

4 Em 10 de abril de 1197, o papa Celestino III, na Bula Cum auctores et factores, concedeu para aquele que combatesse o rei de Leão (considerado um ostentador das apostasias e seguidor da superstição dos

“bárbaros”) os mesmos benefícios eclesiásticos que a Igreja de Roma oferecia aos homens que levantavam armas em defesa da cristandade na Espanha e em Jerusalém. Gregório IX, com as Bulas Cupientes christicolas e Cum carissimus in Christo, (respectivamente de 21 de outubro de 1234 e 18 de fevereiro de 1241), outorgou as mesmas indulgências cedidas àqueles que socorriam a Terra Santa aos portugueses que apoiassem D. Sancho II (1233-1248) na luta contra os sarracenos. O teor dessas bulas é discuto em CALDAS, J. op. cit., pp. 37-44.

26 chamado do povo lusitano a unir forças com as monarquias católicas na luta pela conquista do Santo Sepulcro.5

Com a promulgação de sucessivas bulas, a Igreja, mais que persuadir os portugueses a participarem de projetos de seu interesse, legitimou seu compromisso político-religioso de completar a Reconquista. E foi justamente o sentimento cruzadístico que permeava o movimento que os lançou ao mar. A navegação costeira levava-os à costa da Barbaria e ao Estreito de Gibraltar, regiões onde lutavam com os muçulmanos. Esse ideal, no século XIV, ainda mantinha-os no oceano, cuja empresa passou a interessar aos nobres. De acordo com o historiador Luis Filipe Thomaz, alguns poucos objetivavam obter cargos nas praças do Algarve de Além-Mar, e os demais buscavam o enriquecimento com a pilhagem e mercês régias por seus “nobres” atos contra os muçulmanos. Quando da tomada de Ceuta, em 1415, a mesma ideologia que outrora encorajou a Reconquista fazia-se presente, sendo, no parecer de Thomaz, “mais um derradeiro episódio da história medieval que o primeiro episódio da moderna”.6

Em meados do século XV, o sentimento de Cruzada levou os portugueses para além dos mares do Mediterrâneo e do Atlântico Norte. Em suas primeiras aventuras marítimas, o infante D. Henrique (1394-1460) concentrou seus esforços e rendas em investidas no Estreito de Gibraltar e nas costas de Granada e Barbaria. Essas incursões visavam o corso à navegação muçulmana, mas também o encontro de cristãos com os quais os portugueses pudessem comercializar, bem como o contato com o reino de Preste João. Desde a baixa Idade Média, os lusitanos acreditavam na existência desse rei-sacerdote cristão cuja crença atribuía-lhe um uma vitória contra os muçulmanos e o

5 Além de os breves papais preverem as conhecidas indulgências, também solicitavam, entre outras coisas, a pregação da Cruzada pelo clero local, a soltura de criminosos para integrarem o exército de Cristo e a responsabilidade da Coroa de sustentar os cavaleiros e de arcar com os demais gastos materiais necessários à empresa. Em muitos casos, devido à dificuldade do reino em financiar as campanhas, algumas bulas foram dirigidas às autoridades eclesiásticas portuguesas impondo a entrega de suas esmolas ao monarca, bem como dos bens obtidos por usura, rapina ou outros meios ilícitos que, na guarda dos priores, não haviam sido solicitados pelos seus legítimos donos. José Caldas inventaria e analisa dez bulas papais relacionadas à Cruzada portuguesa na Palestina em CALDAS, J. op. cit., pp. 45-58.

6 THOMAZ, L. F. F. R. Expansão portuguesa e expansão europeia – reflexões em torno da gênese dos Descobrimentos. In: __________. De Ceuta a Timor. 2 ed. Lisboa: Difel, 1998, pp. 28-29. De acordo com o historiador, a tomada de Ceuta, para muitos estudiosos, é um fato que assinalou ao início da expansão, portanto, um marco inicial de um império que se ensaiava. Contrário a essa ideia, Thomaz salienta que ela tende a nos induzir a uma conclusão apressada de que a conquista de Ceuta foi pensada já como uma política imperial dos reis lusitanos, fato que os documentos da época apontam em sentido contrário. Pelo fato da cidade estar no extremo norte da África, ela era um ponto estratégico para o controle do comércio no Estreito, mas também para assegurar futuras invasões ao Marrocos. Isso porque, além do sentimento de Cruzada, a empreitada na região também visava a conquista do norte africano. O projeto tinha a concorrência da vizinha Castela, que se considerava a herdeira legítima do Marrocos, porque parte da região havia pertencido aos Visigodos antes de os muçulmanos conquistarem a península Ibérica no século VIII.

27 domínio de uma região próxima ao rio Nilo. Por isso, encontrá-lo seria nodal para a formação de um bloco cristão de defesa e ataque contra os “infiéis”. No entanto, como explicou Charles R. Boxer, o empreendimento marítimo de busca desse reino mítico requeria o dispêndio de uma vasta quantia de recursos, muitos deles de particulares.

Assim, a notícia da existência de ouro em pó ao sul do Saara encorajava a realização da empresa7, daí Thomaz considerar que as investidas lusas na região objetivavam também o encontro de cristãos com os quais se pudesse comercializar, já que os lusitanos entendiam que os lucros advindos do comércio poderiam financiar novas expedições de busca do Preste João.8

É comum encontrarmos, na historiografia, a menção de que a expansão portuguesa nasceu com um caráter comercial, e que as razões do seu impulso primeiro foi a tentativa dos lusitanos de buscar especiarias no Oriente através de uma rota alternativa à do Mediterrâneo. Os estudos de Luís Filipe Thomaz e de Charles R. Boxer, no entanto, indicam que o aspecto comercial da exploração ultramarina desdobrou-se do sentimento de Cruzada: depois de uma malograda tentativa de invadir Tânger, em 1437, o Infante foi orientado pela Coroa a não intervir em Marrocos através do Mediterrâneo.

Assim, ele passou a concentrar seus esforços na exploração da costa atlântica da África na tentativa de envolver Marrocos pelo sul.9 Após doze anos de expedições de reconhecimento geográfico, D. Henrique transpôs o Cabo Bojador (1434), até então considerado o limite do mundo do para além do qual marinheiro algum poderia voltar.

Em 1441, já além do Bojador, os portugueses entraram em contato com populações africanas e, aos poucos, estabeleceram uma relação pacífica com esses porque o comércio mostrava-se mais seguro e rendoso que o corso. Assim, um ano mais tarde iniciou-se o comércio de escravos, que ajudou a financiar novas viagens ao longo da costa ocidental africana, e em 1447, o marfim passou a ser negociado, seguido da

7 BOXER, C. R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp.

31-53.

8 THOMAZ, L. F. F. R. Expansão portuguesa e expansão europeia... pp. 1-41.

9 O mapa mais utilizado nesse período era ainda o confeccionado por Ptolomeu (c. 90-168 d.C.), que não indicava a existência de grande parte da África Ocidental, consequentemente das regiões mais ao sul, como a África Central, a África Oriental e a África Meridional. Por isso, o Infante acreditava ser possível envolver Marrocos pelo sul em um ataque surpresa, desde que ele explorasse um oceano ainda desconhecido e temido. Além disso, o mapa unia o continente africano ao asiático, o que tornaria impossível a chegada dos portugueses à Índia através do Atlântico. Esse é um dos indícios que desdiz a visão tradicional de que, desde o início, o objetivo das Grandes Navegações fosse a chegada à Índia através do Atlântico.

28 malagueta (1456). Em 1460 incrementou-se à exploração ultramarina a produção de açúcar e de cereais nas ilhas da Madeira e do Açores.10

Como se observa, as ações de D. Henrique transformou a expansão devido às formas que, paulatinamente, as navegações tomaram. As investidas além-mar, que desde o século XIII foram norteadas por um movimento caracterizado como prolongamento natural da Reconquista, começaram a ganhar outros sentidos. Isso não quer dizer, entretanto, que eles excluíram o religioso, mas sim que se somaram a ele: à medida que os portugueses revelavam um novo mundo à Europa, a Santa Sé estreitava ainda mais sua relação com a Coroa. Em 1455, por exemplo, o rei Afonso V (1438-1477) recebeu a bula Romanus Pontifex, que reconhecia as conquistas de Portugal sobre os muçulmanos e conferia seu direito de reivindicar outras regiões devido à natureza apostólica do empreendimento. Um ano depois, o mesmo rei recebeu a bula Inter Coetera que, além de reiterar os privilégios já adquiridos, concedeu a jurisdição eclesiástica, ao administrador e mestre da Ordem de Cristo (que era o infante D.

Henrique), sobre as terras conquistadas e todas aquelas que viessem a ser apossadas. Em 10 de abril de 1457, Afonso ainda recebeu a bula Te scire volumus, que solicitava o socorro dos portugueses. O pedido era para conter, pelo mar, a invasão dos turcos na Hungria. Depois dessa, outras bulas foram promulgadas para garantir os privilégios espirituais para os lusitanos que combatessem os habituais “infiéis” presentes no continente africano. Mais tarde, já no reinado de D. João II (1481-1495), o Tratado de Tordesilhas mediado pelo papa Alexandre VI em 1494 também demonstrou a intervenção da Igreja nos assuntos políticos e econômicos de Portugal e Castela em razão do fator religioso que impulsionava a empresa ultramarina.11

Para além de representar uma astuciosa manobra diplomática que visava legitimar a expansão e garantir a soberania dos ibéricos na empreitada frente às outras monarquias europeias, a relação entre Igreja e Coroa portuguesa revelava que o

10 As ilhas Atlânticas foram reconhecidas em expedições paralelas à do Infante. A Madeira foi apontada em 1419; em 1439, os lusitanos chegaram aos Açores, e as ilhas do Cabo Verde começaram a ser exploradas em 1460. Tanto essa atividade quanto o comércio com os africanos eram praticadas, em sua maior parte, por grupos particulares que pagavam um quinto dos rendimentos à Coroa, mas o reino controlava o comércio de escravos e ouro em pó através da Casa da Guiné e Mina. Em 1444 criou-se a Companhia de Lagos, que gerenciava os negócios ultramarinos. Sobre as ações de D. Henrique no ultramar e a primeira etapa da expansão portuguesa nos séculos XIV e XV ver, além dos citados textos de Thomaz e Boxer, CAMPOS, P. M.; HOLANDA, S. B. de. As etapas dos descobrimentos portugueses. In:

HOLANDA, S. B. de (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. v. I. Tomo I. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008, pp. 33-42. 11 O conteúdo destas bulas foi comentado por AZZI, R. A cristandade colonial... pp. 15-112; BOXER, C.

R. O império marítimo português, 1415-1825... pp. 31-53; e CALDAS, J. op. cit., pp. 45-58.

29 fenômeno expansionista e as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais daí advindas não podiam ser lidas sem as lentes de um catolicismo fervoroso, que aliás formava a base das estruturas mentais com as quais os europeus católicos liam, avaliavam e agiam em seu mundo. Tanto é que os privilégios que a Igreja concedia aos povos pioneiros das Navegações não eram apenas materiais, mas, sobretudo, espirituais.

Isso não só comprometia portugueses e castelhanos a fazerem da expansão um instrumento de combate aos inimigos da cristandade, como também consolidava os fundamentos religiosos dessas monarquias.

A instituição do Padroado pode ser vista como a expressão máxima dessa relação de fidelidade que fez de Portugal uma monarquia essencialmente católica e, consequentemente, da expansão um movimento que aliava com perfeita compatibilidade os sentidos materiais ao religioso.12 O Padroado foi definido como “o direito de administrar os assuntos religiosos no ultramar, concedido pela Santa Sé aos reis de Portugal”.13 D. Henrique, por exemplo, além do Padroado da Ordem de Cristo, em 1456 recebeu um segundo sobre as novas terras conquistadas, bem como sobre os territórios que viesse a conquistar. Durante o reinado de D. João II (1481-1495), os dois Padroados foram unidos pela Coroa e, mais tarde, a administração direta da Ordem de Cristo pelo monarca foi confirmada através de bulas promulgadas entre 1514 e 1551, período coincidente, respectivamente, à criação das dioceses do Funchal, na Madeira, e da Bahia.14

Na prática, o regime regalista representava, de acordo com Riolando Azzi, muito mais que uma simples obrigação assumida por Portugal em relação às atribuições religiosas próprias da Igreja. Era, pois, “instrumento mais efetivo através do qual a Santa Sé comprometeu os monarcas portugueses em sua missão religiosa”.15 A instituição, nesse sentido, transfigurou-se como uma expressão máxima da relação de fidelidade entre Portugal e a Santa Sé porque, para os portugueses, administrar os assuntos religiosos no além-mar não apenas demonstrava o apoio do papado à expansão ultramarina, como também a incumbência de difundir o catolicismo, principalmente no

12 Tanto a instituição do Padroado quanto a expansão tiveram especificidades em Portugal e em Castela, mas analisaremos apenas as relativas ao reino português pelo fato delas oferecerem inteligibilidade ao nosso objeto de estudo.

13 PADROADO. In: SILVA, M. B. N. da (dir.). Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Editorial Verbo, 1994, p. 606.

14 Sobre a questão ver PADROADO. In: VAINFAS, R. (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, pp. 466-467, e PADROADO. In: SILVA, M. B. N. da (dir.). op.

cit., p. 606.

15 AZZI, R. A cristandade colonial... p. 21.

30 século XVI, momento em que e Igreja de Roma preocupava-se com assuntos religiosos e políticos da Europa.

Charles R. Boxer defende a ideia de que a Igreja Católica, a partir de 1514, passou a se preocupar mais com assuntos terrenos que propriamente espirituais: o engrandecimento de suas famílias, com a política europeia, com a ameaça dos turcos no Mediterrâneo e nos Bálcãs e, após 1517, com a ameaça protestante. Dispensar forças com a evangelização além das fronteiras da Europa, portanto, pouco lhe interessava, daí muitos papas terem apoiado as Coroas ibéricas nessa empreitada, o que significava, para elas, financiar e manter a Igreja e suas missões em troca do privilégio de controlá-las.

Consecutivamente, Portugal e Castela receberam, entre 1452 e 1514, bulas que estabeleciam direitos, deveres e privilégios para o patrocínio e estabelecimento de missões na África e na América. Isto significou a concessão de amplos poderes a essas Coroas, já que o Padroado colocava o clero regular e secular sob seu controle. Nesse regime, o clero passava a ser integrantes do corpo remunerado de funcionários régios.16

Esse amplo poder político-espiritual legitimado pela Santa Sé parece ser a explicação para a insistência dos reis portugueses na Cruzada em um momento em que outras monarquias católicas haviam desistido definitivamente do projeto de conquistar Jerusalém. D. Manuel (1495-1521), do mesmo modo que herdou a intenção de D. João II (1495-1521)17 de controlar o comércio nos mares asiáticos, herdara igualmente o seu

16 Ver BOXER, C. R. A Igreja militante e a expansão ibérica: 1440-1770. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 84-116.

17 D. João II é tido como o monarca que deu feições modernas à expansão portuguesa. El-Rei incrementou os investimentos das navegações e trouxe para a Coroa o papel diretor, orientador e executor da empresa ultramarina, anteriormente realizada por particulares (e ensaiada pela Coroa com D. João I, em 1425).

Suas investidas na Ásia aventaram a possibilidade de que aquele continente seria um filho próspero do reino português. A viagem de Bartolomeu Dias (1487), que tinha como objetivo a busca das especiarias orientais, abriu caminho para que D. Manuel continuasse o projeto, e foi justamente no seu reinado que os portugueses se estabeleceram na Ásia e, paulatinamente, se transformaram nos maiores distribuidores de especiarias daquele continente. Mas, a política ultramarina de D. João II ainda entrelaçava sentidos comerciais e espirituais. Do mesmo modo que o monarca enviou Pero da Covilhà a Ormuz, Goa, Calecut e a Sofala para comercializar especiarias, mandou, por outro lado, Afonso de Paiva à África em busca do reino mítico do Preste João. Esse continente, afinal, era uma via de passagem para as Índias, onde estavam as especiarias, mas também o Preste João. Em suas linhas de ação, então, D. João enviou expedições de penetração no interior do continente africano objetivando, ao mesmo tempo, assegurar um

Suas investidas na Ásia aventaram a possibilidade de que aquele continente seria um filho próspero do reino português. A viagem de Bartolomeu Dias (1487), que tinha como objetivo a busca das especiarias orientais, abriu caminho para que D. Manuel continuasse o projeto, e foi justamente no seu reinado que os portugueses se estabeleceram na Ásia e, paulatinamente, se transformaram nos maiores distribuidores de especiarias daquele continente. Mas, a política ultramarina de D. João II ainda entrelaçava sentidos comerciais e espirituais. Do mesmo modo que o monarca enviou Pero da Covilhà a Ormuz, Goa, Calecut e a Sofala para comercializar especiarias, mandou, por outro lado, Afonso de Paiva à África em busca do reino mítico do Preste João. Esse continente, afinal, era uma via de passagem para as Índias, onde estavam as especiarias, mas também o Preste João. Em suas linhas de ação, então, D. João enviou expedições de penetração no interior do continente africano objetivando, ao mesmo tempo, assegurar um