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OS JESUÍTAS NAS FRONTEIRAS

3.4. O BRASIL NOS DOMÍNIOS DA CASA DE HABSBURGO

A existência de um projeto religioso em curso na América espanhola quando da ascensão de Filipe II ao trono português nos permite interpretar a abertura do campo missionário no Brasil como um primeiro sinal da transposição daquele programa à colônia. Mas, que razões teriam os monarcas da Casa de Habsburgo para implementá-lo na porção portuguesa da América?

Jorge Souza, em seu estudo sobre a instalação dos beneditinos no Brasil em 1581, sugeriu que a chegada dessa e de outras ordens mendicantes durante a União Ibérica representava um importante processo de institucionalização do governo filipino na colônia. Para o historiador, então, essa seria uma estratégia governativa de controlar as instituições religiosas por serem elas importantes focos de poder das sociedades do Antigo Regime. Significava, no plano prático, a firmação do compromisso assumido por Filipe II nas Cortes de Tomar de continuar a obra dos reis portugueses de propagar a

41 Os dados relativos às “missões de fronteira” no império espanhol podem ser vistos em BOXER, C. R. A Igreja militante e a expansão ibérica... pp. 91-97; e em diferentes passagens de HERNÁNDEZ, Á. S. S.J.

op. cit.

42 KERN, A. A. Missões: uma utopia política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

98 fé cristã; no plano estratégico, a tentativa do rei de reequilibrar o poder eclesiástico da colônia concentrado nas mãos da Companhia de Jesus.43

A observação de Jorge Souza é sugestiva e corrobora nossa interpretação da abertura do campo missionário brasílico, entretanto, ainda deixa aberta a questão. Mas, partindo dessas pistas, e considerando a dimensão da função que a evangelização exercia na colonização do Novo Mundo, a intervenção dos monarcas Habsburgo na atividade missionária do Brasil sugere que o Brasil tinha, ou paulatinamente veio a apresentar, alguma importância para a manutenção e o desenvolvimento da política ultramarina em curso na América espanhola. Só isso, de fato, justificaria uma ingerência da Espanha na evangelização da porção portuguesa no continente americano.

Os interesses dos monarcas espanhóis pelos Brasil durante a União Ibérica é um tema pouco estudado pela historiografia. Desse modo, há uma ideia corrente de que pouco ou nada mudou na administração da colônia enquanto a dinastia Habsburgo governou Portugal e seus domínios ultramarinos. Não apenas os livros didáticos que circulam no Brasil, mas também obras de referência internacional sobre a história do Brasil e da América Latina divulgam a tese de que, “enquanto as duas monarquias estiveram reunidas, os Habsburgos espanhóis respeitaram o conjunto das promessas feitas em Tomar, em 1581, de tal modo que permitiram uma considerável autonomia portuguesa e mantiveram os dois impérios como entidades distintas”.44

Para Guida Marques, estudiosa do tema, esse modo de entender a administração colonial é um problema da historiografia, já que nesse período ocorreram importantes mudanças político-administrativas que deram novas feições ao Brasil e, de certo modo, fizeram dele um dos principais sustentáculos do império português após a Restauração.45 E é para esta direção que apontam os olhares de alguns pesquisadores que se dedicaram ao assunto: mesmo que talvez não fosse um projeto pré-concebido fazer do Brasil uma das principais colônias ultramarinas, o curso que tomou o gerenciamento Habsburgo fez da América portuguesa um domínio de fundamental

43 SOUZA, J. V. de A. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na América portuguesa, c.1580-c.1690. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011, pp. 51-57.

44 MAURO, F. Portugal e o Brasil: a estrutura política e econômica do Império, 1580-1750. In:

BETHELL, L. (org.). História da América Latina: América Latina Colonial. v. I... p. 449.

45 MARQUES, G. L’invention du Brésil entre deux monarchies. L’Amérique portugaise et l’Union Ibérique (1580-1640): un état de la question. In: COSTA, J. P. de O. e (dir.). Anais de História de Além-Mar. v. VI. Lisboa: Centro de História de Além-Mar, 2005, pp. 109-117.

99 importância para a manutenção de Portugal e seus domínios após a ascensão da dinastia dos Bragança em 1640.46

Esses estudos apontam que, ao ascender ao trono português, Filipe II se preocupou, entre outras coisas, em ajustar a economia de Portugal e em tecer alianças políticas para sua completa entronização. É sugestivo o fato do rei ter ficado dois anos em Lisboa depois de sua coroação, uma mostra de que a anexação da Coroa lusa tinha uma importância estratégica para a manutenção de seu império ameaçado pelos movimentos separatistas ocorridos na região dos Países Baixos.

Enquanto Filipe II firmava as bases de seu governo em Portugal, a administração colonial corria normalmente no Brasil. Os Governadores-Gerais conduziam a colônia como vinham fazendo desde o último governo da dinastia Avis, mesmo porque eles só foram avisados que Portugal tinha um novo monarca na sessão de 19 de maio de 1582 da Câmara de Salvador.

Mas, ainda 1581, Filipe II começou a dar mostras de interesse pela porção portuguesa da América. Naquele ano, o monarca enviou uma expedição para proteger o Estreito de Magalhães e impedir o acesso dos ingleses às minas do Peru pelo sul. Diego Flores de Valdés, o comandante, redigiu um relatório da empreitada e nele apontou duas características importantes da colônia: sua importância estratégica de defesa e seu potencial econômico. A primeira devia-se ao fato de que as capitanias mais ao sul poderiam formar “las Espaldas del Peru”:47 se melhor povoadas constituiriam um bloco humano e natural de proteção das vias terrestres que ligavam o Atlântico e as minas peruanas, muitas delas usadas pelos contrabandistas de metais preciosos. Além disso, serviriam como uma base de patrulhamento e controle das rotas marítimas usadas pelos corsários ingleses que contornavam o Estreito de Magalhães. Já o potencial econômico da colônia se dava em função dos fortes indícios de existência de metal e de pedras

46 Essa ideia é comum a diferentes estudos, tais como ABREU, J. C. de (1853-1927). Capítulos de história colonial. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006, pp. 65-82; HEMMING, J. Os índios e a fronteira no Brasil Colonial. In: BETHELL, L. (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. v. II. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999, pp. 423-469; MARQUES, G. op. cit., pp. 109-137; SCHAUB, J. Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizonte, 2001, pp. 25-32; SCHWARTZ, S. B. O Brasil Colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias. In: BETHELL, L. (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. v. II... pp. 339-421; STELLA, R. S. O domínio espanhol no Brasil durante a monarquia dos Felipes – 1580-1640. São Paulo: Unibero/CenaUn, 2000, pp. 83-133; e WRIGHT, A. F. P. de A.; MELLO, A. R. de. O Brasil no período dos Filipes (1580-1640). In:

HOLANDA, S. B. (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. A época colonial: do descobrimento à expansão territorial. v. I. Tomo I. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008, pp. 197-212.

47 VALDÉS, D. F. de. Estrecho de Magalhães, 1583. Dos cartas del general Diego Flores de Valdés, dando cuenta del vários incesos de su expedicion al Estrecho. Fechas em Bahia de Todos os Santos á 5 de agosto. Charcas 41, Documento 27. Archivo General de Indias, Sevilla. Carta 2, p. 2.

100 preciosas na região, informação passada a Valdés pelos aventureiros espanhóis que o comandante encontrou em São Vicente.48

O monarca também recebeu de José de Anchieta as mesmas informações de que seria fundamental proteger o litoral brasileiro, principalmente a capitania do Espírito Santo, “terra alarmada, com medo dos ingleses, porque [estiveram ali e] deixaram dito que (...) viriam com três ou quatro galeões armados”. A ameaça inglesa, de acordo com o padre, fazia com que os colonos pouco desenvolvessem a região, e fortificá-la seria necessário não só para a conservação do Brasil, como também para a navegação no Estreito de Magalhães, Rio da Prata e Peru, “além de outras vantagens que não são para carta que Diogo Flores tem bem entendido e creio leva determinação de praticar muito miudamente com Vossa Majestade”.49

Não parece ter sido coincidência que Filipe II trabalhou em diferentes frentes para, de acordo com Roseli Stella, “submeter o Brasil aos desígnios (...) da monarquia espanhola, a fim de preservar as ricas conquistas americanas”.50 Agindo nesse sentido, o monarca e seus sucessores trabalharam na reestruturação do aparato administrativo da colônia, no controle de suas ações religiosas e na ocupação de regiões com potenciais estratégicos de defesa e de incremento de suas atividades econômicas.

Em 1580, o Brasil era uma colônia em expansão, mas ainda com uma ocupação incipiente. Além dos indígenas, sua população girava em torno de 30.000 colonos e 40.000 africanos escravizados. Seu território efetivamente ocupado pelos colonizadores estava distribuído em poucos e dispersos núcleos urbanos, todos concentrados em uma estreita faixa litorânea entre as capitanias de São Vicente e de Pernambuco. Essas, por seu turno, eram constituídas de grandes e poucas propriedades rurais que formavam a base da economia. As fazendas eram assistidas por pouco mais de 30 centros urbanos que exerciam funções administrativas e religiosas.51

Esses números podem ser considerados até satisfatórios se comparados aos dos anos iniciais do governo de D. João III, que trabalhou sobremaneira na ocupação e

48 Ver, particularmente, a carta 2 em VALDÉS, D. F. de. op. cit., pp. 01-11. O conteúdo dessa carta também é discutido por STELLA, R. S. op. cit., pp. 88-91.

49 As duas citações se referem a ANCHIETA, J. de. Ao rei Filipe II. Da Bahia de Todos os Santos, 7 de agosto de 1583. In: __________. Cartas: correspondência ativa e passiva. Pesquisa, introdução e notas do Pe. Hélio Abranches Viotti, S.J. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1984, p. 337 e p. 338.

50 STELLA, R. S. op. cit., p. 104.

51 Ver SCHWARTZ, S. B. O Brasil Colonial, c. 1580-1750... pp. 402-410. Para os dados relativos à população escrava ver KLEIN, H. S. A demografia do tráfico atlântico de escravos para o Brasil. In:

Estudos Econômicos. V. 17, nº 2, maio/agosto, 1987, pp. 129-149. Sobre a população de colonos ver MARCÍLIO, M. L. A população do Brasil Colonial. In: BETHELL, L. (org.). História da América Latina. A América Latina Colonial. v. II... pp. 311-338.

101 incremento econômico do Brasil e de outras colônias portuguesas no Atlântico e na Ásia. Em seu aspecto geral, essa medida representava a tentativa do monarca de criar e fortalecer um império colonial baseado na territorialização em detrimento da sustentação de um império-rede fundamentado no controle de rotas marítimas que D.

Manuel havia lhe deixado. Essa forma de atuação era uma clara influência das teses políticas vigentes na Península Ibérica e já em prática na vizinha Castela, que dedicava boa parte de seus esforços na criação de um império colonial na América. Como bem observou Sanjay Subrahmanyam, a iniciativa dos castelhanos de iniciar uma reforma político-social-cultural nos primeiros anos do século XVI influenciou D. João III que, a partir de 1540, também se esforçou para promover a entrada do Humanismo e do Renascimento na vida intelectual portuguesa e em introduzir, em Portugal, as mesmas instituições políticas e religiosas empregadas por Castela em sua reforma (como o Santo Ofício da Inquisição, por exemplo). No fim do reinado de D. João III, o Brasil começou a despontar como um rival do Vice-reino na Ásia no que diz respeito aos investimentos régios. Esse foi o período chamado pelo historiador de “viragem atlântica”, em que a

“ênfase da Índia para o Brasil fazia parte de uma conjuntura global que conduziu à tomada do trono de Portugal por Filipe II, em 1580”.52

Se o fortalecimento do Brasil contribuiu ou não para que Filipe II se interessasse pela Coroa portuguesa em 1578, o fato é que a porção portuguesa da América já havia despontado um significativo potencial para o fortalecimento de seu império colonial.

Considerando-se a política expansionista herdada de seu pai, seria natural que o monarca continuasse trabalhando na ocupação e no incremento da economia de uma colônia promissora e, ao mesmo tempo, ameaça pelas incursões inglesas, francesas e holandesas que tinham o intuito de “agredir os interesses da monarquia espanhola sobre a América”.53

Em função dos acordos firmados nas Cortes de Tomar, Filipe II não alterou o modelo governativo criado por Portugal, o Governo-Geral. No entanto, o monarca criou estratégias para, de acordo com Roseli Stella, converter o aparelho administrativo luso em “instrumento executor da política madrilena”54 no Brasil. Filipe II tentou driblar as instituições portuguesas através da criação de uma ampla rede de informantes e de conselheiros que lhes garantissem o controle direto da administração. Outra estratégia

52 SUBRAHMANYAM, S. O império Asiático Português 1500-1700. Uma História Política e Econômica. Lisboa: Difel, 1993, p. 161.

53 STELLA, R. S. op. cit., p. 87.

54 id. ibid., op. cit., p. 133.

102 importante nesse sentido foi a criação, em 1582, da Corte de Portugal, órgão sediado em Madri. À primeira vista, a instituição dava mostra de respeito a um dos principais acordos firmados nas Cortes de Tomar, que era a garantia de autonomia dos portugueses nos assuntos relativos ao governo da Coroa lusa. Em tese, a Corte tinha a finalidade de permitir que os próprios portugueses governassem o império português assessorando o rei, através desse tribunal, nos assuntos administrativos. No entanto, todas as instituições lusas eram obrigadas a consultar o Conselho de Portugal antes de tomar qualquer decisão, e todas essas consultas eram submetidas ao rei. Isso limitava significativamente o poder de decisão dos conselheiros e colocava nas mãos do monarca espanhol as principais decisões administrativas de Portugal e seus domínios.

Visando manter esse controle no Brasil e em todo o império, Filipe III foi menos sutil que seu antecessor. Além de ter nomeado ministros castelhanos para o Conselho de Portugal em 1602, um ano mais tarde promulgou as Ordenações Filipinas no reino luso e criou órgãos que limitavam ou anulavam a competência dos já existentes criados pelos monarcas portugueses. Em 1604, criou o Conselho da Índia e, em 1619, a Companhia de Navegação e Comércio com a Índia. No Brasil, a criação do Tribunal da Relação da Bahia em 1609 também mostrava o intuito de Filipe III de centralizar o governo do império português e de alinhar a administração da colônia à legislação espanhola mais do que às Ordenações Filipinas, que ainda traziam como base jurídica as Ordenações Manuelinas.

A atuação mais direta de Filipe III na administração colonial teria decorrido do fato dele não ter sido tão pressionado pela corte portuguesa a respeitar os acordos estabelecidos em Tomar. Em 1608, o monarca criou as Repartições Sul e Norte para dividir a administração das capitanias do Brasil, divisão que teve curta duração. Mais tarde, em 1621, ele dividiu a colônia em duas unidades administrativas: o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão, que compreendia as capitanias do Maranhão, Pará, Piauí e Ceará.55

A divisão territorial era uma nítida implementação, no Brasil, da política imperial castelhana já consolidada na América que seguia a lógica de “dividir para governar”. Além disso, denotava a consolidação da “viragem atlântica” que, no parecer de Andréa Doré, podia ser vista também nos mapas e nos relatos de que as autoridades

55 Sobre a reforma administrativa dos Filipes no Brasil ver, além dos textos já citados, SCHAUB, J. op.

cit., pp. 25-32; e SCHWARTZ, S. B. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial. A Suprema Corte da Bahia e seus juízes: 1609-1751. São Paulo: Perspectiva, 1979, pp. 75-187.

103 régias dispunham sobre a colônia durante a União Ibérica. Esse material oferecia, à Coroa espanhola, as informações necessárias à construção das políticas voltadas à defesa e ao incremento da economia de um domínio que, à medida que crescia, mostrava novos potenciais. Esses dois fatores impulsionadores das ações dos Filipes no Brasil refletiam os interesses imperiais Habsburgo na América que davam à colônia maior importância do que os domínios lusos na Ásia. Esses últimos passavam a ter um valor mais simbólico para os portugueses que propriamente econômico em um momento em que “os limitados recursos [da Coroa espanhola] deveriam se concentrar em um espaço, territorial e marítimo, que (...) apontava um futuro mais lucrativo e duradouro”.56

A intervenção nas atividades religiosas também foi uma importante estratégia de adequação da porção portuguesa da América aos interesses da Casa de Habsburgo. Em função do apoio que Filipe II recebeu do alto clero português na disputa da sucessão dinástica, o monarca não interferiu nas atividades do clero secular no Brasil. Durante a União Ibérica, não se viu retração ou ampliação da estrutura eclesiástica da porção portuguesa da América, uma vez que, em 1640, a diocese da Bahia ainda era a única de toda a América portuguesa.57

No entanto, os Filipes usaram tanto a Inquisição quanto as ordens religiosas como instrumentos de execução de suas políticas ultramarinas, como já faziam na América espanhola. Três das quatro visitações do Santo Ofício no Brasil, por exemplo, ocorreram justamente no momento em que a colônia foi administrada pela Casa de Habsburgo: a primeira foi realizada na Bahia e em Pernambuco entre 1591 e 1595, período de reinado de Filipe II; a segunda se deu na Bahia entre 1618 e 1621 durante a administração de Filipe III, monarca que ampliou a área de atuação da Inquisição na América (instalou um tribunal do Santo Ofício na capitania-geral do Chile em 1610); e a terceira ocorreu no Rio de Janeiro em 1627, momento em que Filipe IV governava e que houve, inclusive, a tentativa de se instalar um tribunal da Inquisição no Brasil, mas a efetivação do projeto esbarrou na resistência dos inquisidores portugueses.58

56 DORÉ, A. O deslocamento de interesses da Índia para o Brasil durante a União Ibérica: mapas e relatos. Colonial Latin America Review. v. 23, Issue 02, 2014, pp. 172-197.

57 Somente em fins do século XVII é que o Brasil ganhou outras dioceses. Em 1676, o papa Inocêncio XI elevou a diocese da Bahia a arcebispado e criou as dioceses de São Sebastião do Rio de Janeiro e de Olinda, seguida da de São Luís do Maranhão (1677). Sobre a estrutura eclesiástica do Brasil durante o período da União Ibérica ver ABREU, J. C. de. op. cit., pp. 81-82; e IGREJA. In: VAINFAS, R. (dir.).

Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, pp. 292-296.

58 Ver BETHENCOURT, F. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 51-66; VAINFAS, R. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e

104 Há, na historiografia brasileira, a concepção de que as visitações do Santo Ofício no Brasil foram uma consequência natural da política castelhana de manter a exclusividade católica na Península Ibérica e em seus domínios. Em Castela como em Portugal, o Santo Ofício havia sido restabelecido entre 1478 e 1536 para salvaguardar a religião católica diante da presença de judeus e de mouros convertidos forçadamente ao cristianismo e que manifestavam sinais de retorno às suas antigas religiões. O catolicismo, afinal, imprimia a identidade dos ibéricos, e zelar pela ortodoxia religiosa era parte de uma proposta político-religiosa que buscava a manutenção da unidade nos reinos ibéricos.59

As visitações do Santo Ofício no Brasil, por isso mesmo, foram entendidas como medidas que tinham a função estratégica de frear o desenvolvimento da comunidade de cristãos-novos no Brasil. Isso porque, ao agir no controle da administração do império português a partir de 1582, Filipe II teve notícias de que havia um número expressivo de cristãos-novos em muitos domínios lusos na África e no Atlântico. No Brasil, eles chegavam a compor cerca de 20% da população da Bahia e de Pernambuco e ocupavam posições de destaque nesses locais: eram artesãos, pequenos comerciantes, mas principalmente senhores de engenho e importantes mercadores que contribuíam na estruturação da economia daquelas que eram as principais capitanias produtoras de cana-de-açúcar. Em São Vicente, eram também os responsáveis por estabelecer o intercâmbio comercial entre São Vicente e a região do Prata que tanto incomodava a Coroa espanhola, já que eles usavam rotas terrestres clandestinas que ligavam São Paulo às cidades peruanas.

Por ser a Casa de Habsburgo a grande perseguidora dos criptojudeus, o maior fluxo de emigração de judeus de Portugal para o Brasil se deu justamente durante a União Ibérica. Provavelmente, esse grupo escolheu a colônia por que nela não havia um tribunal do Santo Ofício instalado e, também, por ser uma terra com possibilidades de desenvolvimento de atividades econômicas.60 No entanto, os monarcas Habsburgo

Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, pp. 215-224; e PIERONI, G.; MARTINS, A.;

SABEH, L. A. Boca maldita: blasfêmias e sacrilégios em Portugal e no Brasil nos tempos da Inquisição.

Jundiaí: Paco, 2012, pp. 25-28. A quarta e última visitação do Santo Ofício no Brasil ocorreu entre 1763 e 1769, no Grão-Pará.

59 Sobre a instalação e atuação do Santo Ofício da Inquisição na Península Ibérica ver, na íntegra, BENASSAR, B. (org.). Inquisición española: poder politico y control social. Barcelona: Editorial Critica,

59 Sobre a instalação e atuação do Santo Ofício da Inquisição na Península Ibérica ver, na íntegra, BENASSAR, B. (org.). Inquisición española: poder politico y control social. Barcelona: Editorial Critica,